Seguidores

16 novembro 2007

Os Inocentes



Publiquei o comentário que vai abaixo no blog da locadora Casa de Cinema (http://www.blogdacasadecinema.blogspot.com/), que, em breve, terá look novo, paginação mais funcional. Porque um texto feito especialmente para o referido blog, chamo a atenção que o DVD pode lá ser encontrado, isto é, na locadora e não no blog, bem entendido, como, aliás, repito o dito no final do artigo. É, realmente, como está escrito na capa um dos tesouros da sétima arte.

Realizado em 1961, Os Inocentes (The Innocents), encontrava-se, há décadas, fora de circulação até o seu recente lançamento em DVD pela Fox. Dirigido pelo inglês Jack Clayton, que, três anos antes, com Almas em Leilão (Room at the Top, 1958), consolidou-se como um dos principais cineastas do free cinema (a nouvelle vague britânica), Os Inocentes é a adaptação de uma novela curta do famoso escritor Henry James (feita pelo célebre e polêmico Truman Capote e William Archibald), The Turn of the Screw (A Outra Volta do Parafuso).

O filme rechaça, no entanto, a ambigüidade do texto literário e opta francamente pela irrealidade das aparições. O terror, portanto, em Os Inocentes, surge como um recurso para uma abordagem mais profunda da repressão da era vitoriana. E as aparições, neste caso, ao invés de serem, na verdade, tormentos do sobrenatural, constituem-se nas mórbidas corporações do puritanismo e do sexo reprimido da protagonista principal, uma instrutora (Deborah Kerr em um de seus melhores desempenhos) que projeta sobre duas crianças (Pamela Franklin e Martin Stephens) os fantasmas de suas repressões sexuais, e, em conseqüência, causa sua desgraça.

Clayton brilha mais nas cenas exteriores - de sutil perversidade – do que nas interiores (nas quais se repetem os lugares comuns dos filmes de terror ingleses: ruídos inexplicáveis, portas que se abrem e se fecham, etc). De qualquer forma, o realizador é hábil o suficiente para dotar Os Inocentes de uma inteligente descrição do ambiente e da mentalidade da era vitoriana. Vale destacar a brilhante e eficaz fotografia de Freddie Francis – que, posteriormente dirigiria várias fitas de terror para a Hammer, produtora inglesa, e que foi chamado por Martin Scorsese para fazer a fotografia de seu Cabo do Medo (bela luz mas filme ruim), e a inexcedível interpretação de Deborah Kerr – vítima e verdugo da perversa fascinação de seus jovens alunos.

Entre os filmes de Jack Clayton, diretor de raro domínio formal sobre o seu meio de expressão, embora pouco reconhecido e comentado – talvez dada a dificuldade de encontrar as suas obras mais notáveis, os que mais se destacam são este Os Inocentes e Almas em Leilão, seu primeiro longa metragem, um melodrama social sobre a ascensão de um jovem arrivista, muito bem acolhido, na época, pela crítica. Como características de sua mise-en-scène, podem ser detectados rigor expositivo e beleza formal dentro de um estrito classicismo.

Também se pode citar como obra singular de Clayton um filme de 1964: Crescei e Multiplicai-vos (The Pumpkin Ester), que incide sobre estas características e confirma sua interessante personalidade. Nos anos 70, entusiasmado por estes filmes do início de carreira, Francis Ford Coppola o convida para dirigir, nos Estados Unidos, O Grande Gatsby, baseado no romance de F. Scott Fitzgerald, com Mia Farrow no auge de sua carreira. Mas Clayton tinha já perdido o seu mistério como realizador, não dando ao filme a personalidade que tinha tanto quando fez Os Inocentes e os outros citados.O DVD de Os Inocentes, disponível na Casa de Cinema (Shopping Rio Vermelho, rua Odilon Santos, procurar Roberto Midlej, ou telefonar para 3334.4409), conserva integralmente o formato cinemascope da cópia exibida em cinema.

4 comentários:

Stela Borges de Almeida disse...

Tesouros da Sétima Arte, Obras-Primas do Cinema, Os cem melhores filmes, todo êsse acervo encontra-se ( quase) disponível ( desde que se disponha de recursos, intercâmbios e empenho) para descobrí-los e divulgá-los.
Esta postagem localiza e acrescenta com referências críticas e antenadas. Mais uma indicação que acrescento a minha lista pessoal dos melhores. MerciProfesseur!

Jonga Olivieri disse...

Interessante este filme de Jack Clayton de 1961. Embora o tenha revisto lá pelo final dos oitenta, não voltei a vê-lo mais recentemente, porém, tenho uma boa lembrança de sua trama e do clima de terror, como você bem o descreve, retrato da era Vitoriana, que aliás, ele consegue passar com grande maestria.
Aliás, Clayton também foi o diretor de “O grande Gatsby”, tendo sido produtor de muitos filmes famosos na época, como “Moby Dick” ou “Moulin Rouge”.

André Setaro disse...

'Os inocentes', de Jack Clayton (1921/1995), é um raro exemplar do cinema inglês e revelador do imenso talento de Clayton, que já tinha dito a que vinha em 'Almas em leilão' (Room at the top, 1958), com Laurence Harvey na pele de um arrivista que tenta ascender na sociedade britânica, valendo-se, para isso, de todos os recursos. Um olhar crítico sobre a sociedade inglêsa num filme de grandes atrativos como cinema, pois dotado de articulação, sentido de progressão. 'Os inocentes', no entanto, creio ser sua obra-prima, ainda que não se pode deixar de considerar 'Crescei e multiplicai-vos', com Anne Bancroft.
Quando Coppola quis produzir 'O grande Gatsy', uma megaprodução de milhões de dólares com elenco estelar, ficou algum tempo sem saber a quem delegar os poderes de regência, ou seja, de direção. E se lembrou de Clayton. Este foi tragado pelo sistema de Hollywood e teve pouca liberdade de ação, pois o dono do filme era Coppola - que, diga-se de passagem, é um grande cineasta. Porque o realizador de 'O poderoso chefão' não dirigiu ele mesmo 'Gatsy'?
Os anos 50 sopraram ventos renovadores para a linguagem cinematográfica, a exemplo da Nouvelle Vague, e o Free Cinema inglês, que apresentou excelentes filmes de jovens diretores como Karel Reisz ('Tudo começou num sábado', com Albert Finney, visão crítica da classe operária com humor e ternura), John Schlesinger ('Ainda resta uma esperança'), Lindsay Anderson ('Se'), Tony Richardson ('Um gosto de mel'), entre outros. O sopro renovador prosseguiu até meados dos anos 60 e, nesta década, outras cinematografias se mostraram criativas e interessantes como a brasileira, com o Cinema Novo, a americana, com o Underground de Nova York e os filmes de John Cassavetes (que passaram 'sem as cabeças' dos personagens em malograda iniciativa recente aqui na Bahia do circuito Cinemark).
Clayton trabalha com seus recursos em produções nas quais tenha o poder total. 'O grande Gatsy' não lhe permitiu dar a sua concepção do romance de Scott Fitzgerald e, na verdade, funcionou como diretor administrativo.
Realizou, em fins dos 60, uma obra curiosa, bem claytoniana: 'Todas as noites às nove', com Dirk Bogarde. Mas a experiência em Hollywood lhe amargurou e depois fez mais dois filmes na Inglaterra e não mais se falou dele. Mas que se fale aqui, pois um diretor importante que não pode assim, sem mais nem menos, ser esquecido.

Vlademir lazo Corrêa disse...

Considero "Os Inocentes" como uma das grandes descobertas cinematográficas e uma das melhores surpresas que já tive com um filme. A fotografia é excepcional, o preto-e-branco das imagens representa com perfeição o clima de melancolia e morte que a obra carrega. É um dos meus três filmes de terror preferido do cinema falado, ao lado de "Freaks"(1932) e "Nosferatu - O Vampiro da Noite"(1978).