Diz-se que o homem começou a filosofar pelo assombro, assombrado diante da vida, de seu mistério. Guardadas as devidas proporções, o meu fascínio pelo teatro vem de um assombro, e este assombro veio quando, com 13 anos, vi, no Rio de Janeiro, em 1963, no Teatro Carlos Gomes, Minha Bela Dama (My fair lady), com Paulo Autran, na pele do Professor Higgins, Bibi Ferreira (Elisa), Jaime Costa (o pai desta). Como escrevi, no post abaixo, o pessoal de teatro achava muito difícil montar, no Brasil, My fair lady (que estava há dez anos em cartaz na Broadway com Julie Andrews e Rex Harrisson - e ninguém podia ir a Nova York sem ver My fair lady). Mas havia um homem que se chamava Paulo Autran com a fleugma necessária para dar o tom exato ao personagem. Professor Higgins não é um personagem para qualquer magarefe metido a ator (como se está a ver hoje em dia em profusão). Há um baiano, Daniel Boaventura, que está, em São Paulo, a fazer Higgins. Boaventura tem physique de rôle, boa voz, mas nada posso dizer, pois não vi o espetáculo.
Paulo Autran trabalhou pouco em cinema. Mas seu grande papel foi sem dúvida em Terra em transe, de Glauber Rocha. Em cinema, era sempre meio teatral, empostado demais, mas Glauber soube lhe aproveitar a teatralidade, dando ao personagem a eloqüência requerida. Autran está magnífico neste que considero o melhor filme do cinema brasileiro, seguido de Deus e o diabo na terra do sol também do mesmo autor. Lembro de Autran no cinema em Uma pulga na balança, dos anos 50, de Luciano Salce, comédia simpática dirigida por um italiano que fora convidado por Franco Zampari para a consolidação da Vera Cruz. Em Mar corrente, cujo nome do diretor - estou batendo este post de memória - me esqueço agora, um filme de João Batista de Andrade sobre um militar velho que tem uma ficha corrida de torturas e barbaridades e, no fim da existência, faz uma espécie de revisão. Lembrei-me agora: O país dos tenentes. E Fogo e paixão, de uma dupla paulista, entre outros, evidentemente. Mas a sua glória cinematográfica, por assim dizer, foi em Terra em transe.
Descanse em paz, Professor Higgins!
2 comentários:
esse ano as perdas tão altas
Paulo Autran não era muito 'chegado' ao cinema, mas fez vários filmes. Esqueci no 'post' de muitos. O fato é que o melhor de todos foi realmente 'Terra em transe', de Glauber Rocha. Lembrei agora de um péssimo filme de Curitiba, no qual, inclusive, veio trabalhar, em fim de carreira, uma lenda do cinema, Anthony Quinn. Autran contracena com ele. E em 'O dia em que meus pais saíram de férias', belo filme de Cao Hamburger, que considero um dos melhores do cinema brasileiro do último decênio.
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