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19 setembro 2007

Escritor deixou a marca do Zorro na literatura



O velho Tuna Espinheira lutou muito para registrar nas imagens em movimento o romance Cascalho, de Herberto Sales. Ele nos conta aqui a sua aventura. Exibido em Brasília duas vezes, e em sessões especiais - aqui na Bahia na Sala Walter da Silveira há alguns anos para convidados, Cascalho precisa ainda enfrentar talvez a sua mais difícil empreitada: ser distribuído e exibido nas principais salas do país.
"Exatamente há dez anos, juntamente com meu saudoso amigo Irving São Paulo, avistei-me, pela derradeira vez, em encontro pessoal, com Herberto Sales. Era uma data emblemática: naquele 21 de setembro, ele completaria 80 anos.
Já em São Pedro da Aldeia, na paradisíaca Região dos Lagos, à porta da belíssima casa, construída, homeopaticamente, ao longo de mais de uma dezena de anos, nos deparamos com o indefectível aviso: ”deixar jornais e revistas do lado de fora.“ Era estranho para um homem que viveu intensamente os meios da imprensa escrita, principalmente, com fortes ligações com os Diários Associados, com a revista O Cruzeiro, tendo sido diretor da revista A Cigarra, etc.etc.
Para os desavisados, aquela advertência poderia indicar que naquela casa morava um ermitão, um Dom Casmurro, para os que o conheciam, aquilo não tinha a menor importância. Era apenas mais uma das suas legítimas esquisitices ou, simplesmente, um "calundu". A bem da verdade, ele vivia indignado com o ostracismo dos bons escritores, com os livros esgotados e sem novas edições, enquanto outros, estranhos no ninho, pertencentes à mídia massiva, publicavam e vendiam desbragadamente.
Esta dura realidade, refletida em todas as linguagens artísticas, retrata o momento de pobreza cultural em que penamos. Para Herberto, esta coisa feria, o fazia triste, deprimido.
Adentramos e nos misturamos à comemoração que transcorria em ritual de alegria, brindamos várias vezes, embora, já então, problemas ligados com a saúde, já deixavam bastante avexado o dono da festa.
Sem mexer no humor, na cordialidade, no hedonismo prazeroso de bater um papo.
Minha aproximação com Herberto deu-se por conta e obra do seu romance Cascalho. Quando de uma das suas passagens pela terrinha, tive a oportunidade de conversar com ele, falei da minha vontade de levar seu romance às telas. Ele topou laconicamente: "faça o roteiro". Dito e feito. Adaptado, roteirizado e devidamente aprovado pelo autor, partimos atrás dos meios necessários para realizar a produção.
Foram anos para remover a pedra no meio do caminho. Tempo agônico. Herberto já não estava entre nós quando seus personagens se encarnaram em Wilson Mello, Othon Bastos, Gildásio Leite, Lúcio Tranchesi, Irving São Paulo, Arildo Deda, Agnaldo Lopes, Emanuel Cavalcanti, Caco Monteiro, Rosa Espinheira, Jorge Coutinho, Bertho Filho, Julio Gois e povoaram a cidade de Andaraí, na Chapada Diamantina, onde se passa a estória, nos anos 30.
As filmagens mexeram com o imaginário da população, de um modo geral, acreditava-se que nenhum dos personagens era propriamente de ficção, os mais velhos diziam haver conhecido muitos, outros tantos eram parentes e aderentes. Por aí afora.
Para eles Herberto apenas mudara os nomes, as pessoas tinham tido uma existência real e pronto. A empatia foi total, o clima foi de conivência e cumplicidade entre a equipe e a população local, permitindo formar-se um estúdio ao natural. Pedia-se silêncio e todos colaboravam, o filme foi rodado, inteiramente, em som-direto, no sistema digital. Duas são as provas deste abençoado relacionamento, a primeira foi o aproveitamento integral das gravações que não tiveram necessidade de dublagens, a outra, um verdadeiro alumbramento: uma das mais alentadas pousadas que já tinha outro nome escolhido, antes da inauguração, passou a se chamar Pousada Cascalho. E lá está, imponente e, sem dúvida alguma, a mais importante homenagem, até então, prestada ao autor do romance pela sua cidade natal.
Conhecer Herberto foi uma passagem enriquecedora na minha estrada, motivo de orgulho! Afinal, não é todo dia que se convive, mesmo por curto tempo, com um escritor que, no meu entender, e de tantos outros, escreveu, pelo menos três obras-primas: Cascalho, Dados Biográficos do Finado Marcolino e Os Pareceres do Tempo. Com certeza, deixou a marca do Zorro na literatura. O tempo, crítico soberano, sábio dos sábios, já confirmou, assinou e deu fé."
Tuna Espinheira adaptou, roteirizou e dirigiu o filme Cascalho, em vias de sair do prelo

4 comentários:

Anônimo disse...

Tuna, um dos maiores guerreiros que já conheci!

Jonga Olivieri disse...

Uma epopéia. E o pior, dormir nas prateleiras da vida...
O velho problema do bom cinema brasileiro. As Sandras Wernecks e os Daniéis Filhos da vida arranjam logo um canal para distribuição.
A mediocridade é divulgada loguinho. É uma ma'quina montada para alienar as massas.

Anônimo disse...

Estou curiosa para ver Cascalho, mas ja' espero as esquisiticies do cinema baiano.

André Setaro disse...

Vários filmes baianos que foram feitos a partir do ano 2000 estão a mofar nas prateleiras, a exemplo de 'Cascalho', de Tuna Espinheira. Patrocinados pelos editais governamentais ou recursos oriundos do Minc, Petrobras, etc, os filmes conseguem ultrapassar a fase de produção, penam durante a pós-produção, mas, apesar dos pesares, dos imensos sacrifícios, conseguem ser produzidos. Mas não há como enfrentar o problema da distribuição e exibição, considerando que o nó górdio do cinema brasileiro está no tripé produção-distribuição-exibição. A maior parte dos cineastas baianos guarda seus filmes dentro dos armários de suas casas, com o perigo, inclusive, deles se incendiarem, pois poucos os realizadores que possuem eficiente sistema de ar condicionado em suas habitações. Os daniels filhos da vida - que cometeu um insulto com 'O primo Basílio - e os barretões já descobriram que precisam se aliar às empresas multinacionais para que seus filmes sejam exibidos nas boas salas do mercado. No caso baiano, o longa '3 histórias da Bahia' ficou várias semanas numa sala alternativa, a Walter da Silveira, que é do governo do estado, mas nunca teve distribuição nacional. 'Cascalho' está no armário de Tuna. 'Samba Riachão', de Jorge Alfredo, 'Eu me lembro' de Edgard Navarro, e 'Esses moços', de Araripe, tiveram tímida circulação em lançamentos apagados.