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15 setembro 2007

Cinema Baiano: mendigo de cinema?!

O cineasta Tuna Espinheira, que vai ter o seu longa Cascalho exibido com todas as honras, no próximo dia 21, no Auditório da Biblioteca Nacional de Brasília (veja imagem que ilustra este post - para vê-la melhor dê um clique nela) reflete, aqui, em artigo, sobre a mendicância que afeta o cinema baiano. Serão para Tuna os realizadores baianos todos mendigos, como achamos? Ou não? Não concordamos com tudo que diz, mas somos democráticos e seguidores do famoso dito de Voltaire.
"Salviano Cavalcanti de Paiva cunhou uma frase: “Falem mal, mas falem do cinema nacional”. Durante muito tempo este dizer foi repetido como uma espécie de “slogan”, a favor da sétima arte tupiniquim. Vade retro...

Às vésperas da 34ª Jornada Internacional de Cinema da Bahia, é, de bom alvitre, lembrar o cinema baiano. Não perdendo de vista que, após a morte do Crítico Soberano, Walter da Silveira, foi o citado evento, o responsável pelo estimulo dirigido às questões ligadas a produção local. Dr. Walter era o grande incentivador dos cineastas, conversava, ensinava, puxava orelhas. Erudito , dono de uma grande bagagem de leitura e visura de filmes, defendia e acreditava no advento do cinema baiano. Batalhou e colocou em pauta esta questão. Participou ativamente das primeiras experiências do cinema, “prata da casa”, desbravado pelo Borba Gato, Roberto Pires.
O espaço vazio, pela ausência do criador do Clube de Cinema, teria sido uma calamidade sem a Jornada de Cinema. A famigerada ditadura militar exercitava o seu passo de ganso, o sonho em curso, conquistado pelo Ciclo do Cinema Baiano, então uma realidade, veio abaixo, sua gente mais especializada tomou o norte do sul. Rio e São Paulo. Pelo menos, por duas décadas, a Jornada, lutando sempre com parcos recursos, assumiu o papel de acoitar o chamado cinema cultural. Botou na mesa as grandes discussões da area, criou a Associação Brasileira de Documentaristas, a vivissima ABD. Entre outros muitos feitos. A existência, hoje, embora, na agônica circunstância bissexta, de alguma produção local deve, e muito, a este evento cinematográfico. Pelo sim e pelo não. “Habemos” filmes.
O “leit-motiv” destas linhas é a mais recente polémica: o cinema baiano é ou não é mendigo de editais? Para o crítico André Setaro, a mendicância existe. Aliás, ele traz de volta o “Deus lhe Pague”, peça famosa de Joracy Camargo, que, arrebanhou para o teatro o mesmo que o “Ébrio”, para o cinema. Como eu uso barba e chapéu, isso há muito tempo, passei a prender os braços, evitar gestos largos, para não dar a impressão de estar correndo o pires por aí. Sou, confessadamente, participante contumaz, da fila dos editais, digo: mais de setenta por cento de tudo que fiz em cinema, foi produto destas concorrências. Vivo num país capitalista , capitalismo em estado selvagem. Cinema é coisa de rico. Subvenção ao cinema não é esmola, é obrigação do Estado. Acontece na Espanha, França, Alemanha e outras paragens desenvolvidas. Pelas informações que tenho, só nos Estados Unidos e na Índia, inexiste algum tipo de amparo oficial. O primeiro porque manipula a produção no mundo inteiro, o segundo porque é o maior país produtor de filmes do globo, paga todas as suas produções lá mesmo e lá mesmo fica.
Os incentivos fiscais, através de Leis, são oportunidades griladas por um privilegiado grupo. Quem quiser que faça a prova dos noves. Para os mortais cineastas baianos restam os polêmicos editais. Se alguém enxerga outra fonte deve ser miragem. Ou então conhece o caminho das pedras. Espero que ninguém venha realmente brigar, rompendo amizades, por este assunto. Ser ou não ser mendigo, é uma questão que, pode tranquilamente, ser levada à base do humor. Nada é mais sério que o humor. Agora mesmo, neste momento em que escrevo, vivo uma ansiedade de colegial em época de provas, aguardo o resultado do julgamento da Comissão do Fundo de Cultura. Se for favorável: Deus lhe Pague...
Tuna Espinheira
tunaespinheira@terra.com.br - Cineasta

2 comentários:

Anônimo disse...

Há dez anos morriam Vito Diniz e Agnaldo Azevedo, o Siri, dois amigos de Tuna Espinheira, cineasta combatente que sempre se caracterizou pelo apego ao registro documentário, ainda que suas duas incursões fora do gênero, Uma, no seu longa, baseado em Herberto Salles, livro homônimo, 'Cascalho', que Tuna sempre se interessou por filmá-la, levando, para conseguir o intento, décadas e décadas de espera. Outra, a de um média, 'curtido' na primeira metade da década de 60, 'O cisne também morre', e que tem, entre seus quadros principais, a participação como ator de André Setaro, que vive um agente de funerária, enfiado numa japona, solene e grave, a tomar formol. Godard dizia que todo filme de ficção tende ao documentário, assim como todo documentário tende à ficção. O documentarista Tuna Espinheira não está escondido em 'Cascalho', mas se faz ver no registro da paisagem e das coisas. Parabéns, meu caro Tuna.

Jonga Olivieri disse...

Não é fácil produzir um filme. Envolve uma estrutura gigantesca. E muito, muito dinheiro.
Os citados casos dos EUA e da India são realmente exceções caracterizadas por condições internas atípicas que tornam aquelas industrias auto-suficientes.
Por aqui, tornou-se difícil conseguir algum apoio por livre e espontânea vontade. Houve uma época em que existia o Banco Nacional, que foi um grande estimulador da vida cultural neste país. Injetou dinheiro em muito filme importante dos anos 60, 70 e 80. E também em teatro, e até literatura. Mas, depois que fechou... Não sei, pode ser ignorância minha, mas alguma empresa a substituiu com a mesma força?
A impressão que tenho, é que hoje, quem não produz através de apoio de órgãos oficiais, ou é porque tem dinheiro (Sandra Werneck), ou tem um grupo de comunicação poderoso por trás (Daniel Filho).
O pior de tudo, é que além do mais, no caso do apoio de órgãos do governo, parece que tem também essa coisa de "panelinha". Que, caso realmente proceda é uma coisa muito séria.