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15 julho 2007

Introdução ao Cinema (4)

Ainda em torno do segundo elemento determinante da especificidade da linguagem cinematográfica: os movimentos de câmera. Ficamos na panorâmica semana passada. Existem, porém, outros exemplos desse movimento específico e de fundamental importância. Vejamos. Há também uma panorâmica chamada circular, que, sobre ser mais complexa na sua execução, não é menos eficiente do ponto de vista da significação. Neste caso, a câmera observa à sua volta num ângulo de 360 graus, normalmente com motivos mais do que válidos. A panorâmica circular é utilizada pelos cineastas para captar os diferentes estados de espírito de uma personagem sem interromper a continuidade espacial, deixando-a alegre para voltar a vê-la triste depois de ter percorrido integralmente a sala onde se encontra. Este é o procedimento que a câmera segue de bom grado nas obras de índole "comportamentista", nas quais os protagonistas nunca são perdidos de vista em todas as suas evoluções físicas e psíquicas (Acossado/A Bout de Souffle, de Jean-Luc Godard, 1959, é, nesse particular, um exemplo notável). Ou, então, a panorâmica circular é usada para fazer denotar uma situação labiríntica em que o protagonista vive, a despeito das aparências tranqüilizantes. Assim, os repetidos movimentos circulares da câmera em Mundo ao Telefone(Welt am Drht, de Rainer Fassbinder, 1973), não tem outra função que não seja a de denunciar a insuspeita condição de robots manipulados por outrem que aflige todas as personagens do filme.
Passemos, finalmente, ao travelling, outro movimento de câmera importante que constitui fator dramático muito poderoso e pode ser feito para a frente (passagem de um plano geral para um close) ou para trás (passagem de um close para um plano geral). Também, existe o travelling lateral, quando a câmera acompanha o andar de um ator, sem haver, propriamente, uma mudança de plano. A rigor, o travelling se dá através de uma plataforma de quatro rodas, que anda me trilhos ou sobre tábuas, na qual é colocada a câmera para as tomadas me movimento. Há o travelling para a frente, o travelling para trás (ou a ré) e o travelling lateral. Por extensão, compreende-se travelling qualquer movimento de câmera colocada sobre um carro ou veículo (trem, automóvel etc). Os movimentos também podem ser obtidos dispensando-se a base móvel e o tripé de apoio: é o caso da câmera na mão, recurso estilístico e ao mesmo tempo econômico. A câmera na mão é umas das características estilísticas do Cinema Novo brasileiro a partir mesmo do slogan glauberiano: "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça".
Diversas combinações desses movimentos são possíveis e determinadas pela necessidade de acompanhar o movimento do objeto filmado ou pela intenção de abarcar um maior campo visual. É de se ressaltar, no entanto, que a mesma tomada pode constar de vários planos interligados, não se podendo confundir, portanto, unidade de tomada com unidade de plano. Para melhor exemplificar os movimentos de câmera, e sua funcionalidade na expressão cinematográfica, que se tome, aqui, um exemplo magnífico de um filme de Claude Chabrol: O Açougueiro (Le Boucher, 1969) no qual há uma cena primorosa no que concerne ao uso, pelo cineasta, da possibilidade locomotiva da câmera. "Le Boucher" é um filme sobre um açougueiro torturado pela mania homicida. Um belo dia, ele confessa o seu afeto à ignara professora da aldeia, declaração que tem lugar num bosque onde os dois se deslocaram para colher legumes. A atmosfera, portanto, seria das mais tranqüilizantes não fora passar-se - durante o colóquio entre ambos -algo que não pode deixar de alarmar o espectador atento. E esse algo não se refere ao comportamento dos personagens - que continuam a dialogar num cenário idílico -mas, e precisamente, ao comportamento da câmera, da máquina de filmar, que, quase inadvertidamente, começa a deslocar-se lateralmente até o primeiro plano de um tronco de árvore se interpor entre ela - a câmera - e o par, escondendo o homem cujas palavras, no entanto, continua-se a ouvir. A vista é desimpedida com a saída do tronco do campo de visão, mas pouco depois desaparece novamente quando o movimento se repete me sentido contrário, conduzindo a câmera à posição inicial. Eis um caso me que um simples travelling se encarrega de denunciar ao espectador a atitude reticente da personagem, encobrindo-a da vista no momento em que se revela ao ouvido.
Esta denúncia, e aqui, neste travelling, se encontra uma das chaves para a compreensão do cinema, considerando a distinção entre narrativa e fábula (que se verá depois me outra oportunidade). Pois bem! A denúncia é dirigida ao público e não,infelizmente, à desventurada professora, que se manterá por um bom tempo na ignorância das verdadeiras intenções do carniceiro degolador. Um movimento inesperado, repentino, da câmera de filmar, é suficiente para colocar o espectador de sobreaviso e o deixar em melhores condições que a vítima inconsciente - como é o caso de Le Boucher. Semelhantes advertências - ou avisos - feitos pela narrativa e não pela história - não se limitam aos filmes ditos policiais, mas se encontram disseminadas, em medida diversa, por todos os textos fílmicos que pretendem seguir a trajetória que conduz da aparência à essência, isto é, que pretendem desmascarar uma realidade falsa.

4 comentários:

Anônimo disse...

Neguinho fica defendendo Setaro e atacando Edgard e não se dá conta de como Setaro representa o saudosismo do passado, a estagnação de um Beberth de Castro (a quem cada vez mais se assemelha em seus escritos). Edgard pelo menos se esforça na sua mendicancia e traz vitorias para nosso estado, com sua loucura santa, sua falta de medo de errar na já avançada idade, e dizer o que sente. O que fez Setaro em sua catedra na Universidade ate hoje? Que pesquisas de qualidade produziu e que resultassem em algo produtivo para a cultura cinematografica no estado? Fundou algum cine-clube, possui algum carisma para mover seus seguidores a criar algo produtivo? Nada, ao que me consta, especialista que é em reclamar e mostrar a banda azeda, sem nunca criar ou apontar opçoes. Que fez a não ser criticar o cinema local com acidez, impondo parametros de um cinema idealizado, inatingivel para a nossa condicão. Sou mil vezes um Edgard com sua feiura e periodicas cagadas mas com um bom recorde de resultados criativos, que um critico saudosista, folclorico e basicamente inutil como Setaro.

André Setaro disse...

Obrigada pelas suas gentis palavras, Carla. A moderação de comentários está ativada, mas procuro ser democrático, dar voz a todos que querem comentar alguma coisa ou falar mal de mim. Apenas alguma coisa chula poucas vezes recuso. Mas obrigado Carla. Vejo que me aprecia muito. Preciso bastante de gente como você. Você tem razão: sou um inútil que não se corrige.

Anônimo disse...

Eu nunca comento aqui no Blog do Setaro, apesar de ser um leitor assíduo dos seus textos, mas quando eu vi o comentário da Senhorita Carla Pedrosa, me senti a vontade e no direito de comentar.

Minha cara, Carla. Ninguém aqui está defendendo o André Setaro. O que aconteceu no Seminário foi que, simplesmente, não aceitaram uma critica feita por ele. O respeito é a base para se construir uma sociedade melhor, mas talvez haja outros pontos que eu nao vou perder tempo em citar aqui. O engraçado é que lendo a tua postagem, me leva a crer que voce apoia todo aquele show pessoal do Edgar Navarro. Eu gosto muito dos seus filmes e ele tem uma grande representividade na Bahia e representando o nosso cinema lá fora. Isso não tem duvida. Mas ele, enquanto cineasta, precisa tambem ter respeito pelas criticas dos criticos.

Quando voce fala que o Setaro não fez nenhuma pesquisa e tudo mais, mais uma você peca na sua falta de conhecimento. Um critico está sempre em constante pesquisa. Ele é um estudioso da sétima arte, assim como Navarro.

E eu, ainda fico aqui pensando com os meus botões, se Setaro nao tivesse a importancia que tem o que a organizaçao do Seminario teria levado em conta em chamá-lo para participar de uma mesa tão importante, que perdera o seu brilho com a atitude de Navarro e com um mediador tão fraco e sem pulso firme.

O que André Setaro fez foi expôr a sua opiniao sobre o cinema baiano e nacional. E o que Edgard Navarro fez foi rebater isso sem o uso de palavras. Pra quem se diz poeta, Navarro deu um péssimo exemplo. Ele, que falava tanto de seriedade e dizendo que Setaro nao poderia ser levado a sério, acabou perdendo a razão, a sua seriedade, o seu compromisso e, acima de tudo, o seu respeito para com o público que assistia à mesa.

De qualquer forma, querida Carla, na próxima vez que for defender Navarro utlize de argumentos mais consistentes.

Só relembrando que Navarro é sim um grande cineasta e, atualmente, teve o edital para o filme "O Homem que não Dormia" aprovado.

Anônimo disse...

Frank Capra dizia que respeitava qualquer diretor que tivesse conseguido realizar um filme.

Eu, além disso, respeito quem preza o cinema de qualidade, seja baiano, brasileiro ou afegão.

A maioria dos brasileiros não suporta pensar, discutir, criticar a respeito de qualquer assunto. E, naturalmente, tornamo-nos intolerantes à crítica.

É verdade que, muitas vezes, falta estudo, conhecimento, dedicação e talento aos gloriosos críticos.

Não é o caso de Setaro, a quem considero um expert no assunto.

Moral da história: apesar dos desencontros, é bom termos Navarro e Setaro fazendo e discutindo cinema.