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16 julho 2007

Vacas premiadas


Já queria ter colocado um ponto final no affair ocorrido durante o III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, que aconteceu semana passada em Salvador, mas não poderia deixar de publicar, aqui, o excelente artigo do jornalista Cláudio Leal que saiu, sábado, dia 14, na página de Opinião do jornal A Tarde sob o título bem sugestivo de Vacas Premiadas. Leal é um dos jornalistas mais lúcidos e coerentes da nova geração. Abrindo logo as devidas e obrigatórias aspas:

"s nsultos do cineasta Edgard Navarro ao crítico André Setaro, no Teatro Castro Alves, ajudaram a engrossar o anedotário de criticados dispostos a quebrar um dos mandamentos da lei de Deus.“Vou matar Moniz Vianna!”, gritou Glauber Rocha, em 1968, prestes a apunhalar o crítico do Correio da Manhã, que surrara o filme Garota de Ipanema, de Leon Hirszman. Sem a saúde de vaca premiada, Nelson Rodrigues resolveu, literariamente, o eterno conflito. Na peça Viúva, porém honesta, criou Dorothy Dalton, “crítico da nova geração”, inspirado em Paulo Francis. Matou-o com um carrinho de Chicabom. Doce Nelson.

Retirado o folclore, os gestos apopléticos de Navarro expressam um sentimento nada semelhante à fúria santa de Glauber. O diretor de Su peroutro exigiu, no palco e nos bastidores, o banimento de Setaro dos debates sobre o cinema baiano. Deve estar decepcionado por não haver campo de trabalho forçado para satisfazer seu impulso totalitário, falsamente anárquico. Atinge quem ajudou a eleger seu belo longa Eu me lembro, no Prêmio Carlos Vasconcelos Domingues.

A ausência da crítica, em todos os setores da nossa vida cultural, grassou nos governos militares e nem mesmo o retorno à democracia conseguiu recuperar o alto nível alcançado nos anos 50 e 60. Navarro e sua patota desejam apagar o que resta de maturidade intelectual e aprofundar o paternalismo dos jornalistas.
Dizer que os cineastas baianos viraram “mendigos de editais”, como o fez Setaro no III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, é questionar os limites da intervenção do Estado na gestação da arte. O debate é válido. E não há dúvidas quanto à dependência suicida do cinema baiano à caridade do governo. Basta notar a revoada de produtores para as hostes petistas, depois de longo namoro com o carlismo.

Somados ao interesse zero dos empresários por cultura, a espera por editais e o uso de gazua para pressionar a Secretaria da Cultura minimizaram os riscos pessoais de fazer cinema sem recorrer a dinheiro público. Neste ponto, vale destacar a dignidade do produtor Rex Schindler, que esboçou, há 50 anos, com seus próprios recursos, as bases de uma cinematografia local. E, igualmente, lembrar o pioneirismo de Roberto Pires, agora pranteado, mas insultado no final de sua vida por burocratas-cineastas da província. “Você já era”, decretaram numa célebre reunião.

Alternativas a essa dependência começam a germinar. Entre elas, a criação de um fundo do audiovisual que capte também recursos da iniciativa privada. Estacionamos, porém, no anarcooficialismo e nas orações para a Petrobras. Orgulhoso de ter amigos no poder, Edgard Navarro sintetizou o espírito da “novíssima onda”, ao fechar recente artigo com uma pergunta lapidar: “Quem sabe o governo Wagner entrará para a história como aquele que irá inserir a nova cinematografia baiana no cenário mundial?”

Está explicado por que o governador não deve ler jornais antes do café da manhã. "

Um comentário:

Julio disse...

Belíssimo texto. Faço minhas as palavras do jovem Leal. Abraços!