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10 maio 2007

Barravento e o cinema baiano


Barravento, estréia no longa de Glauber Rocha (1959/1962), se estabelece mais além na sua importância, pois se enquadra como um dos detonadores doi mportantíssimo - e quase esquecido pela ausência de memória característicados brasileiros e, particularmente, dos baianos - Ciclo Bahiano de Cinema, que eclode com Redenção, de Roberto Pires, o primeiro filme de longa duração feito na Bahia, e transforma a cidade de Salvador numa efervescência cinematográfica nunca vista, quando se tenta criar uma infraestrutura capaz de dar prosseguimento, aqui, a um cinema característico da baianidade e dotado de acentos universalistas. Assim, com a aparição de Redenção, várias pessoas acreditam na real possibilidade de se fazer cinema nestas plagas,como Rex Schindler, Braga Neto, Palma Netto, David Singer, principalmente o primeiro, que tiram dinheiro do bolso para produzir filmes como Barravento, A Grande Feira (1961), Tocaia no Asfalto (1962) - ambos de Pires, O Caipora' (1963), de Oscar Santana, Sol sobre a lama (1964), de Palma Netto e Alex Viany, O grito da terra (1964), de Olney São Paulo, obras genuinamente baianas e bancadas com capital de empresários locais. A febre, porém, tal qual um imã, atrai produtores do sul e até estrangeiros - para ficar num só exemplo: O pagador de promessas (1962), de Anselmo Duarte, produzido pelo paulista Oswaldo Massaini e que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes - é bom que se diga que este é o único filme brasileiro a conquistar a tão cobiçada Palma do Croisette. A efervescência que toma conta da cidade se liga a um momento particular das artes baianas, que, por sua vez, se vincula ao 'espírito da época' configurando o que Antonio Risério chamou de a "avant-garde" na Bahia em ensaio do mesmo nome publicado pela Corrupio. A província, nesta época, tem um singular desenvolvimento: faz-se um teatro da melhor qualidade na Escolada UFBa do Canela, com Martim Gonçalves à frente, formando toda uma geraçãode intérpretes qualificados em encenações que despertam interesse de pessoasdo eixo Rio-São Paulo; Lina Bo Bard revoluciona com a criação do Museu deArte Moderna; Roelrreutter, Ernest Widmer, entre outros, desconcertam as tonalidades acadêmicas do Seminário de Música; os suplementos culturais agitam com textos críticos e escritos literários; o Clube de Cinema daBahia, liderado por Walter da Silveira, informa e forma uma platéia de interessados, fazendo-a ver e compreender a arte do filme, entre eles, Glauber Rocha, atento e assíduo. O Brasil cresce e parece ser o país do futuro com o desenvolvimentismo de JK.
Mas vou falar a vol d'oiseaux de Barravento, primeiro filme glauberiana de metragem longa, que, neste 2007, está a completar 45 anos, considerando a data de seu lançamento (1962) e não de sua feitura (1959). Levou três anos para ficar pronto, porque os produtores queriam lançar primeiro A grande feira, de Roberto Pìres, o que foi feito. A montagem de Barravento, complicada, ficou a cargo de Nelson Pereira dos Santos. E a influência dos filmes de Alexandre Robatto, Filho, é evidente, embora Glauber não admitisse, principalmente a de Entre o mar e o tendal. Há alguns enquadramentos em Barravento idênticos ao filme citadpo de Robatto. Apesar de algumas tentativas de incluir conceitos de Sergei Eisenstein e da sua montagem ideológica, Barravento pode ser considerado um rascunho do que viria a seguir, uma promessa de um cineasta, que vem a traumatizar duramente o cinema brasileiro com Deus e o diabo na terra do sol (1964), uma indiscutível obra-prima. Barravento tem sua importância dentro de um momento histórico, por ser a primeira obra de Glauber e por refletir a mentalidadede uma época em relação ao misticismo dos pescadores negros da praia deBuraquinho. O argumento é bem simples: numa vila de pescadores, a única rede pertence a um explorador, mas a comunidade não se revolta, postando-se passiva diante da opressão. A chegada de Firmino (Antonio Pitanga), vindo da cidade grande, onde se conscientizara politicamente, cheio de idéias revolucionárias, vai se chocar com o pensamento de Aruã (Aldo Teixeira), o favorito da deusa Iemanjá. Para libertar o povo, Firmino tem que destruir a credibilidade de Aruã frente aos pescadores, o que consegue no final. O negro moderno e urbanizado derrota o negro semitribal e mais próximo das raízesa fricanas. Segundo notou o crítico João Carlos Rodrigues em seu livro 'O negro no cinema brasileiro', Barravento é, assim, um filme revolucionário no sentido estrito do termo e parece aceitar a máxima de que "a religião é o ópio do povo".Neste ponto de vista, um filme preconceituoso, mas muito característico da mentalidade dos intelectuais da época. Mentalidade que seria reformulada pelo próprio Glauber em filmes posteriores - notadamente A idade da terra -e por Nelson Pereira dos Santos em O amuleto de Ogum, onde o cineasta, respeitando as crendices do povo, conta a história sem tomar partido e assumir, como fez Glauber em Barravento, uma atitude paternalista com acentos revolucionários.
O restaurante e bar Barravento, na Avenida Oceânica, perto do Morro do Cristo, tem esse nome por causa do filme de Glauber.

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Tenho gostado muito de seus posts sobre esta questão dos cinemas em seu tempo.
Concordo em gênero, número e grau com o que disse, pois hoje os cinemas são standard, e não há mais a possibilidade de se lembrar em que cinema viu um filme.
E é importante esta simbiose filme+cinema.
Infelizmente as novas gerações não deverão entender essa colocação, mas, é necessário que se diga para que fique marcada.

Filipe Duarte disse...

(meu teclado esta desconfigurado, nao repare a falta de acentos!!!)

a memoria e o instrumento que nos faz caminhar pra frente, com certeza... a falta de memoria é um traço que dá força às teorias preconceituosas de que na Bahia não se faz cinema, negação de uma história que existe e recente-se de reflexoes desmistificadoras... se pudder da passada no meu blog e da sua opiniao: http://pensarcinema.blogspot.com

abraço