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16 fevereiro 2006

C'eravamo tanto amati


Obra-prima de Ettore Scola, Nós que nos amávamos tanto (C'eravamo tanto amati, 1974), espelho de uma época, é um filme fascinante, que retrata a história italiana após a Segunda Guerra Mundial como, também, faz uma reflexão sobre o próprio cinema que se realizou no período que vai do fim do conflito aos começos dos anos 70. Acompanha a trajetória de três homens que se fizeram amigos durante a luta bélica e, finda esta, cada um segue o seu caminho, a sua trajetória. Um é operário, que trabalha num hospital, Nino Manfredi, o outro é um intelectual, Steffano Satta Rosa, e o terceiro um advogado em início de carreira, Vittorio Gassmann, o único que consegue ascender, pela ambição, na escala social. Em torno deles, Luciana (Stefania Sandrelli, belíssima), amada por todos, que, primeiro namorada de Manfredi, vem a conhecer Gassman e, depois, também tem um caso com Rosa, o crítico cinematográfico.

Scola trabalha com singular expressividade o tempo cinematográfico, e é criativo nas situações, em particular a repetição que faz, em momento belo e comovente, dos recursos teatrais da época, vistos pelo casal Manfredi/Sandrelli, quando, num momento em que o personagem está a pensar, tornam-se imóveis. Na saída do teatro, Sandrelli tenta explicar a Manfredi o que significa aquela imobilidade e pede a ele que diga um pensamento secreto. E ele diz a ela que a ama. Os dois ficam imóveis. O tempo de aprender a viver. No meio do filme, na transição do preto e branco para o colorido, a passagem do tempo é explicitado num plano geral de uma praça romana, que vai se aproximando para um desenho que um homem faz no seu chão e que, aos poucos, vai se colorindo. A ascenção da cor da textura do celulóide como um elemento funcional de significação. No final, quando Gassmann está com os amigos no Meia Porção, reunidos no outono da vida, ele pensa, num lance de memória resnaisiano, na possibilidade dele ter morrido na guerra. O flash-back, aqui, por uma projeção de um pensamento irreal, se faz em sépia, ao passo que, no princípio, os episídios da guerra são em preto e branco. Poder-se-ia dizer mesmo que o tempo é um personagem importante em Nós que nos amávamos tanto. Dilacerante o dialógo final, quando Gassmann encontra Luciana, que amou a vida toda e, por ter se casado com a filha de um empresário milionário, perdeu-a para sempre. Aliás, magnífico o Aldo Fabrizi no papel desse magnata, gordo, deseducado, arrotante, deslumbrante. Para Scola, a comicidade pela comicidade não faz sentido. Sempre deve haver, nela, um tom satírico, um tom irônico. Veja a seqüência da inauguração de uma obra na qual é servido um porco au grand complet, e os comensais, vistos em close ups, parecem se assemelhar, na grossura, na enormidade dos gestos e de suas gorduras, ao pobre animal que descansa sobre a bandeja a ser estraçalhado pela gula.

Filme que tem a cinefilia como elemento catalisador, C'eravamo tanto amati revela bem o esprit du temps. A cinefilia, por exemplo, perdeu o seu status político e, segundo José Carlos Avellar, em debate sobre a crítica cinematográfica, na cidade histórica de Tiradentes, está morta. Perguntado porque parou de escrever, o crítico disse que uma de suas razões estava no desaparecimento da cinefilia. E, realmente, não existe mais uma cinefilia que tem um grande representante em Nicola, personagem de Stefanno Satta Flores em Nós que nos amávamos tanto. Sempre embebido pelo humor e poesia, o filme de Ettore Scola envolve e comove. Há certas transferências criadoras, como no já citado diálogo entre Mandredi e Sandrelli depois do teatro, que se poderia acrescentar quando, retornando aos braços da amada, toma conta de seu filho (dela) numa sala de exibição enquanto ela trabalha de lanterninha. Na tela, está sendo exibido Servidão humana (Of human bondage, 1965), de Ken Hughes e o que se apresenta é uma conversa amorosa entre Laurence Harvey e Kim Novak. Scola troca o diálogo dos dois para transferi-lo para o que Manfredi pensa enquanto assiste ao filme, como se estes fossem ele e Sandrelli num momento de amor.

Tirei o DVD de Nós que nos amávamos tanto na Casa de Cinema, que se localiza na rua Odilon Santos, no Shopping Rio Vermelho, 205. Qualquer contato: (71) 3334.4409. E visitem o site da locadora:
http://www.casadecinema.com.br

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