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27 outubro 2013

A necessidade do "timing"



Há realizadores que possuem timing surpreendente e, entre eles, William Friedklin (Operação França, O exorcista, Viver e morrer em Los Angeles...), John Schlesinger (Maratona da morte, Morando com o perigo...), John Frankenheimer (o dos bons tempos, como em Sob o domínio do mal, Sete dias de maio, O segundo rosto/Seconds...) etc. A maioria, no entanto, não o possui, e o possível timing que se apresenta é um trabalho exaustivo da montagem cujo fito é ritmar o filme. Mas é um timing forçado que, paradoxalmente, deixa de ser timing. O realizador, que tem timing, faz com que seus filmes passem a impressão de que um fio elétrico de alta tensão está inserido na estrutura narrativa. Mesmo em momentos de calmaria, há sempre uma expectativa de que algo possa acontecer. Para não falar em Hitchcock, cujo timing é fortíssimo. Intriga internacional (North by Northwest, 1959), que estava a rever em DVD, é um dos filmes mais perfeitos do século XX em matéria de construção formal, de timing. Neste particular, o cinema brasileiro precisa aprender a ter timing, pois poucos os diretores capazes de dotar os seus filmes de ritmo preciso. Friedklin, por exemplo, e para ficar só nele, faz filmes de alta tensão, que envolvem o espectador, deixando-o preso na poltrona. Geralmente, sói acontecer que uma pessoa, sem saber precisar a razão, acha um filme chato (e estou falando aqui de um filme médio, um thriller, por exemplo, que não se concebe sem timing)

Mas, falando sobre a pessoa que acha determinado filme chato sem saber a razão, o fato é que o considera aporrinhante porque o filme não possui o timing suficiente para atraí-la. Estupefato fiquei quando da exibição de Maratona da morte (este é de Schlesinger, não confundir), filme visto de esguelha por uma crítica novidadeira, mas cujo timing, perfeito, agarra o espectador. Friedklin, entre outros, evidentemente, é o responsável pelo timing do primeiro O exorcista (1974). A cena mais assustadora, por exemplo, pelo timing do cineasta, é quando, por incrível que possa parecer, Linda Blair se submete a exames, com as chapas da radiografia batendo forte, as injeções no pescoço. O realizador faz da sessão de exames uma cena de puro terror pelo uso da montagem bem articulada e do som, principalmente este.

Tropa de elite 2, de José Padilha, com todas as críticas que podem ser feitas (e o filme é bom!), não se pode negar que possua um vigoroso timing. Creio mesmo que o estrondoso sucesso de público esteja na capacidade do diretor de articular a narrativa em ritmo de thriller. No cinema brasileiro, o Cinema Novo, que, apesar de tantas obras importantes que gerou, incutiu em boa parte dos cineastas a ânsia autoral, que se constatou contraproducente. E a ânsia autoral fez com que muitos realizadores se esquecessem do trabalho de construção do filme em função de tomadas demoradas que, pensavam eles, seriam marcas de seus gênios impressas nas imagens em movimento. Para conquistar o mercado, no entanto, é preciso que haja filmes bem construídos artesanalmente, que envolvam o público, que façam deste um cúmplice do espetáculo. Nesse particular, José Padilha acertou em cheio.

Planejado no roteiro, que contém todas as tomadas em ordem cronológica e precisamente numeradas, a filmagem, não obedece, todavia, ao que está estabelecido no papel. O cineasta, tendo em vista, além de outros fatores, a exequibilidade e a viabilidade econômicas, começa a filmar a partir de qualquer tomada do roteiro - pelo meio, pelo fim, pelo começo. A tarefa de ordenar os diversos fragmentos de um filme cabe a uma etapa do processo de criação do cinema muito importante, qual seja a montagem. Que, grosso modo, pode ser definida como o trabalho de reunir as partes do material filmado de acordo com a ordem estabelecida no roteiro. O montador edita o filme, isto é, faz uma reconstituição da primeira à última imagem, colando ponta com ponta e na ordem numérica os diferentes pedaços de película, que foram revelados e impressos numa "cópia de trabalho". Geralmente são colados em seguida pedaços de filme que reproduzem planos diferentes, até completar uma cena. Há, portanto, dentro da mesma cena, diversas mudanças de plano - e de um plano para outro se verifica uma descontinuidade rápida chamada corte.

A montagem não se limita - longe disso - a um simples trabalho de cortes e colagens: é também, e sobretudo, uma criação. Linguagem do realizador, ela, a montagem, impõe um estilo e revela uma visão original do mundo. A montagem, segundo a ótica de Bretton, preside a organização do real visando satisfazer simultaneamente a inteligência e a sensibilidade, provocando, com isso, a emoção artística, o efeito dramático ou onírico: faz malabarismos com o tempo e o espaço, com cenários e personagens (trucagens e dublês). É o elemento mais específico da linguagem cinematográfica, "o fundamento estético do filme", segundo Pudovkin. Os grandes cineastas e estetas (Eisenstein, Pudovkin, Balazs, Arnheim, etc) esforçaram-se em estabelecer a nomenclatura dos diversos processos de montagem e em analisar seus efeitos psicológicos.


Mas vamos ficar apenas na montagem rítmica, que visa criar ritmo ao filme, alternando os tempos fortes com os tempos fracos, dando ordem e proporção no espaço e no tempo. O ritmo resultado do movimento das imagens entre si e da convergência entre o movimento da atenção do espectador e o das imagens. Um plano, conforme observou o ensaísta francês J. P. Chartier, não é percebido da mesma maneira do começo ao fim. A princípio, é reconhecido e situado; é, digamos, a exposição. Vem então um momento de atenção máxima em que a significação, a razão de ser de um plano, é captada: gesto, palavra ou movimento fazem o desenvolvimento progredir; em seguida, a atenção baixa, e, se o plano se prolongar, nasce um momento de aborrecimento, de impaciência. Se cada plano for cortado no momento exato da baixa da atenção para ser substituído por outro, a atenção será sempre mantida, o filme terá ritmo. O que chamamos de ritmo cinematográfico não é, portanto, a apreensão das relações de tempo entre os planos, mas a coincidência entre a duração de cada plano e os movimentos de atenção que ela suscita e satisfaz. Não se trata de um ritmo temporal abstrato, mas de um ritmo de atenção, conclui Chartier. A percepção intuitiva do ritmo pelo espectador nasce da sucessão dos planos, segundo as relações precisas criadas pelo cineasta (e montador). É do ritmo que a obra cinematográfica extrai sua ordem e sua proporção, sem o que não teria ela as características de uma obra de arte. 

Um comentário:

Anônimo disse...

André, querido. Você dá aulas particulares? Porque eu - ignorante - não entendi nada. Preciso de reforço.
Até aproxima sessão.