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30 junho 2013

De Walter da Silveira

Guido Araújo acende seu cigarro sob o olhar de Walter da Silveira. O outro, à direita, é Nelson Pereira dos Santos

Por 
Gilberto Felisberto Vasconcellos

Walter da Silveira foi o homem que aprendeu a ler para ver cinema. Insistia por telefone a meu amigo José Walter Lima que me enviasse da Bahia o livro. Durante meses foi essa lengalenga, até que enviou-me os quatro volumes de Walter da Silveira, Maravilha.

Eu havia lido, mal e rapidamente, Fronteiras do Cinema. Passei uns tempos em Salvador na casa de meu tio marxista, Armando Domingues, pai de Carlos Vasconcelos Domingues.


Fiquei sabendo depois pelos escritos de Glauber Rocha que Walter da Silveira era o seu mestre e responsável por sua iniciação no cinema. Havia, no entanto, muito mais porque nunca foram publicados os artigos e ensaios de Walter entre 1928 a 1970, o que ocorreu somente agora graças a José Umberto Dias.


Ler Walter da Silveira em 2003 é uma descoberta e também uma perplexidade, que põe e repõe em cena a cultura brasileira do século 20. O lugar comum recorrente é o da injustiça intelectual que se comete na picaretagem de país colonial.


Demorou muito tempo (Walter morreu em 1970) para a Bahia publicar seus textos. Ninguém fez tanto para elevar o nível cultural de Salvador, ninguém militou como ele. Afinal sem bons filmes não haveria formação de cineastas e críticos, portanto inexistiria cinema brasileiro. Foi aí que em 1950 teve a ideia de fundar um cineclube, que pode ser comparado a qualquer outro do mundo (por exemplo, Henri Langlois com a Cinemateca de Paris).


Nasceu Walter da Silveira em 1915, começou a escrever sobre cinema aos 13 anos em jornal. Aprendeu a ler para ver cinema. “A vontade de ler os programas então distribuídos em folhetos pelas portas me ensinou o alfabeto”. Clareza, concisão, avesso ao beletrismo e a filmar obras literárias.


Em seu livro A História do Cinema, Jean-Luc Godard homenageou os organizadores de cineclubes e cinematecas. Equacionemos: Godard está para Langlois assim como Glauber está para Walter da Silveira.


O crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, que teve maior notoriedade pela mídia e universidade, intuiu que os inéditos do cineclubismo baiano viessem a lume, a história do Cinema Novo deveria ser revalidada. Isso sem mencionar que Walter tinha o que nem o arguto e perspicaz André Bazin conseguiu: um estilo próprio.


Dizê-lo crítico de cinema é pouco, Walter foi um pensador do cinema que não estudou em Roma ou em Nova Iorque. Um pensador de cinema que gerou em sua província Glauber Rocha e Roberto Pires. O Walter que foi fazer cinema era Glauber, assim sem o cineclube de Walter não existiria Glauber. Em ambos a oposição ao colonialismo capitalista.


O livro A Revolução do Cinema Novo, de Glauber, é no estilo o Walter com sincope e parataxe (ausência de sintaxe), mas é a mesma concepção do cinema como sistema de ciência e arte.

Walter ensinou a juntar a análise formal dos filmes com a sua tessitura sociológica e, do ponto de vista mundial, foi um dos grandes críticos a incorporar o método do marxismo (tal qual George Sadoul). E vendo e escrevendo a partir de uma subperiferia colonial. Em seus textos a província de Salvador converte-se em umbigo do mundo, portanto dotada de autoestima cultural, embora tivesse ojeriza ao cabotinismo que persegue muitos baianos metidos a besta.

Gilberto Felisberto Vasconcellos é jornalista, sociólogo e escritor. Texto originalmente publicado na revista Caros Amigos

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

Sim, graças ao maravilhorica obra que o empenho de José Umberto Dias, eu tambem, com a leitura desta obra, conheci muito da vasta e rica obra de Walter da Silveira.

Como disse Gilberto Felisberto Vasconcellos: ... Dizê-lo crítico de cinema é pouco, Walter foi um pensador do cinema...". Concordo, um pensador e um construtor de ideias. O Cinema Novo foi fruto de seu empenho e aposta nos valores que surgiam.

Um gênio! Um caráter e uma seriedade que nós conhecemos, caro André Setaro... Que considero um de seus sucessores. Pelo mesmo caráter e seriedade que ele tanto inspirou!