Guido Araújo acende seu cigarro sob o olhar de Walter da Silveira. O outro, à direita, é Nelson Pereira dos Santos
Por
Gilberto Felisberto Vasconcellos
Walter da Silveira foi o homem que aprendeu a
ler para ver cinema. Insistia por telefone a meu amigo José Walter Lima que me
enviasse da Bahia o livro. Durante meses foi essa lengalenga, até que enviou-me
os quatro volumes de Walter da Silveira, Maravilha.
Eu havia lido,
mal e rapidamente, Fronteiras do Cinema. Passei uns tempos em Salvador na casa
de meu tio marxista, Armando Domingues, pai de Carlos Vasconcelos
Domingues.
Fiquei sabendo depois pelos escritos de Glauber Rocha que
Walter da Silveira era o seu mestre e responsável por sua iniciação no cinema.
Havia, no entanto, muito mais porque nunca foram publicados os artigos e ensaios
de Walter entre 1928 a 1970, o que ocorreu somente agora graças a José Umberto
Dias.
Ler Walter da Silveira em 2003 é uma descoberta e também uma
perplexidade, que põe e repõe em cena a cultura brasileira do século 20. O lugar
comum recorrente é o da injustiça intelectual que se comete na picaretagem de
país colonial.
Demorou muito tempo (Walter morreu em 1970) para a
Bahia publicar seus textos. Ninguém fez tanto para elevar o nível cultural de
Salvador, ninguém militou como ele. Afinal sem bons filmes não haveria formação
de cineastas e críticos, portanto inexistiria cinema brasileiro. Foi aí que em
1950 teve a ideia de fundar um cineclube, que pode ser comparado a qualquer
outro do mundo (por exemplo, Henri Langlois com a Cinemateca de
Paris).
Nasceu Walter da Silveira em 1915, começou a escrever sobre
cinema aos 13 anos em jornal. Aprendeu a ler para ver cinema. “A vontade de ler
os programas então distribuídos em folhetos pelas portas me ensinou o alfabeto”.
Clareza, concisão, avesso ao beletrismo e a filmar obras
literárias.
Em seu livro A História do Cinema, Jean-Luc Godard
homenageou os organizadores de cineclubes e cinematecas. Equacionemos: Godard
está para Langlois assim como Glauber está para Walter da Silveira.
O
crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, que teve maior notoriedade pela
mídia e universidade, intuiu que os inéditos do cineclubismo baiano viessem a
lume, a história do Cinema Novo deveria ser revalidada. Isso sem mencionar que
Walter tinha o que nem o arguto e perspicaz André Bazin conseguiu: um estilo
próprio.
Dizê-lo crítico de cinema é pouco, Walter foi um pensador do
cinema que não estudou em Roma ou em Nova Iorque. Um pensador de cinema que
gerou em sua província Glauber Rocha e Roberto Pires. O Walter que foi fazer
cinema era Glauber, assim sem o cineclube de Walter não existiria Glauber. Em
ambos a oposição ao colonialismo capitalista.
O livro A Revolução do
Cinema Novo, de Glauber, é no estilo o Walter com sincope e parataxe (ausência
de sintaxe), mas é a mesma concepção do cinema como sistema de ciência e
arte.
Walter ensinou a juntar a análise formal dos filmes com a sua tessitura
sociológica e, do ponto de vista mundial, foi um dos grandes críticos a
incorporar o método do marxismo (tal qual George Sadoul). E vendo e escrevendo a
partir de uma subperiferia colonial. Em seus textos a província de Salvador
converte-se em umbigo do mundo, portanto dotada de autoestima cultural, embora
tivesse ojeriza ao cabotinismo que persegue muitos baianos metidos a
besta.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é jornalista, sociólogo e
escritor. Texto originalmente publicado na revista Caros Amigos
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Um comentário:
Sim, graças ao maravilhorica obra que o empenho de José Umberto Dias, eu tambem, com a leitura desta obra, conheci muito da vasta e rica obra de Walter da Silveira.
Como disse Gilberto Felisberto Vasconcellos: ... Dizê-lo crítico de cinema é pouco, Walter foi um pensador do cinema...". Concordo, um pensador e um construtor de ideias. O Cinema Novo foi fruto de seu empenho e aposta nos valores que surgiam.
Um gênio! Um caráter e uma seriedade que nós conhecemos, caro André Setaro... Que considero um de seus sucessores. Pelo mesmo caráter e seriedade que ele tanto inspirou!
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