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07 abril 2013

Ettore Scola e um filme inesquecível


Obra-prima de Ettore Scola, Nós que nos amávamos tanto (C’eravamo tanto amati, 1974), espelho de uma época, é um filme fascinante, que retrata a história italiana após a Segunda Guerra Mundial como, também, faz uma reflexão sobre o próprio cinema que se realizou no período que vai do fim do conflito aos começos dos anos 70. Acompanha a trajetória de três homens que se fizeram amigos durante a luta bélica e, finda esta, cada um segue o seu caminho, a sua trajetória. Um é operário, que trabalha num hospital, Nino Manfredi, o outro é um intelectual, Steffano Satta Rosa, e o terceiro um advogado em início de carreira, Vittorio Gassmann, o único que consegue ascender, pela ambição, na escala social. Em torno deles, Luciana (Stefania Sandrelli, belíssima), amada por todos, que, primeira namorada de Manfredi, vem a conhecer Gassman e, depois, também tem um caso com Rosa, o crítico cinematográfico.
Scola trabalha com singular expressividade o tempo cinematográfico, e é criativo nas situações estabelecidas, em particular a repetição que faz, em momento belo e comovente, dos recursos teatrais da época, vistos pelo casal Manfredi/Sandrelli, quando, num momento em que o personagem está a pensar, tornam-se imóveis. Na saída do teatro, Sandrelli tenta explicar a Manfredi o que significa aquela imobilidade e pede a ele que diga um pensamento secreto. E ele diz a ela que a ama. Os dois ficam imóveis. O tempo de aprender a viver. No meio do filme, na transição do preto e branco para o colorido, a passagem do tempo é explicitada num plano geral de uma praça romana, que vai se aproximando para um desenho que um homem faz no seu chão e que, aos poucos, vai se colorindo. A ascensão da cor da textura do celulóide como um elemento funcional de significação. No final, quando Gassmann está com os amigos no Meia Porção, reunidos no outono da vida, ele pensa, num lance de memória resnaisiano, na possibilidade dele ter morrido na guerra. O flash-back, aqui, por uma projeção de um pensamento irreal, se faz em sépia, ao passo que, no princípio, os episídios da guerra são em preto e branco. Poder-se-ia dizer mesmo que o tempo é um personagem importante emNós que nos amávamos tanto. Dilacerante o dialógo final, quando Gassmann encontra Luciana, que amou a vida toda e, por ter se casado com a filha de um empresário milionário, perdeu-a para sempre. Aliás, magnífico o Aldo Fabrizi no papel desse magnata, gordo, deseducado, arrotante, deslumbrante. Para Scola, a comicidade pela comicidade não faz sentido. Sempre deve haver, nela, um tom satírico, um tom irônico. Veja a seqüência da inauguração de uma obra na qual é servido um porco au grand complet, e os comensais, vistos em close ups, parecem se assemelhar, na grossura, na enormidade dos gestos e de suas gorduras, ao pobre animal que descansa sobre a bandeja a ser estraçalhado pela gula.
Filme que tem a cinefilia como elemento catalisador, C’eravamo tanto amati revela bem o esprit du temps. A cinefilia, por exemplo, perdeu o seu status político e, segundo José Carlos Avellar está morta. Perguntado por que parou de escrever, o crítico disse que uma de suas razões estava no desaparecimento da cinefilia. E, realmente, não existe mais uma cinefilia que tem um grande representante em Nicola, personagem de Stefanno Satta Flores em Nós que nos amávamos tanto. Sempre embebido pelo humor e poesia, o filme de Ettore Scola envolve e comove. Há certas transferências criadoras, como no já citado diálogo entre Mandredi e Sandrelli depois do teatro, que se poderia acrescentar quando, retornando aos braços da amada, toma conta de seu filho (dela) numa sala de exibição enquanto ela trabalha de lanterninha. Na tela, está sendo exibida Servidão humana (Of human bondage, 1965), de Ken Hughes, e o que se apresenta é uma conversa amorosa entre Laurence Harvey e Kim Novak. Scola troca o diálogo dos dois para transferi-lo para o que Manfredi pensa enquanto assiste ao filme, como se estes fossem ele e Sandrelli num momento de amor.
Alguns dados sobre Ettore Scola: cineasta italiano (10/5/1931-). Nasce em Trevico, na Campânia, e muda-se mais tarde para Roma. Inicia um curso de direito, mas não chega a se graduar. Dedica-se ao jornalismo e trabalha como diagramador de um periódico humorístico. É bom de ver que nos anos 50 e 60 o cinema italiano podia ser considerado como um dos melhores do mundo, havendo mestres da comediografia que nunca foram superados até hoje (Dino Risi, Mario Monicelli, Steno, Pietro Germi…).
Depois é contratado por roteiristas para escrever piadas para o cinema e, gradualmente, passa a atuar como diretor. Ligado ao Partido Comunista Italiano (PCI), tem suas obras marcadas pela temática social e política.
Torna-se conhecido com Ciúme à Italiana (1970), satírico, político, que o faz partidário da grande fase da comediografia de seu país. Fica internacionalmente famoso com Nós Que Nos Amávamos Tanto (1974), que mostra a amizade entre três homens apaixonados pela mesma mulher, e Feios, Sujos e Malvados (1975), sobre o patriarca de uma numerosa família que vive apertada em um barraco nos arredores de Roma. Complôs, traições e incesto são apenas alguns dos ingredientes que compõem sua crítica à desigualdade.
Um Dia Muito Especial (1977), estrelado por Sophia Loren e Marcello Mastroiani, é considerado de rara delicadeza e sensibilidade. Filma ainda Casanova e a Revolução (1982), O Baile (1983), A Família (1986), Maccaroni (1985), A Viagem do Capitão Tornado (1990), A História de um Jovem Pobre (1995), Mario, Maria e Mario (1994) e La Cena (O Jantar, 1998).

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Scola é uma dos grandes do cinema italiano. "Um Dia Muito Especial" tambem é uma obra prima!

Adalberto Miereles disse...

Nós que nos Amávamos Tanto e Um Dia Muito Espçecial, acredito, são os dois melhores de Scola. Mas como esquecer também de O Baile, e seu relato de um século por meio da dança, e Casanova e a Revolução e A Família? Aliás, a passagem do tempo é assinalada pelo diretor italiano, sempre, de forma particularíssima. Em A Família podemos ver bem isso nos belos travellings pelo corredor da casa, repetidas vezes, marcando a mudança de gerações.