Les herbes folles tem nos pensamentos dos personagens a sua mola propulsora. São 
os pensamentos que detonam os atos e as situações. Alain Resnais é um realizador 
cinematográfico que tem como característica sempre a investigação da mente do 
ser humano. O que eleva sobremaneira seus filmes é a sua capacidade de 
apresentar, cinematograficamente, as angústias, os desejos, as hesitações de 
seus personagens. Há, em Les herbes folles, um trabalho original no que concerne 
ao tratamento da fragilidade do homem frente as suas circunstâncias. Evitando 
qualquer tipo de psicologia banal, o filme é sobre o mecanismo de funcionamento 
paradoxal da mente humana. Kubrick, em De olhos bem fechados (Eyes wide shut, 
1999), ainda que uma obra a respeitar, tornaria este seu derradeiro filme numa 
obra-prima se possuísse os recursos resnaisianos ou, melhor a dizer, se Resnais 
filmasse De olhos bem fechados daria, a ele, uma funcionalidade e uma expressão 
que o gênio kubrickiano tentou, mas não conseguiu, a considerar que também aqui 
se trata dos desvarios da mente humana num processo de obsessão.
Além do mais, As ervas daninhas é um exercício cinematográfico puro no qual a lógica e a psicologia se explodem num redemoinho. A mise-en-scène é de tirar o fôlego (como um movimento de câmera para frente – travelling – na sequência do almoço na casa de Dussolier quando este, que aparece sentado num sofá, de repente, com a continuação, aparece já sentado na mesa, havendo, um deslocamento não somente da máquina de filmar como também dos personagens em cena num tour de force admirável. O recurso resnaisiano dos lances de memória é usado com eficiência na estrutura narrativa: a bolsa amarela roubada em câmera lenta, o plano de detalhe da carteira perdida debaixo de um dos pneus do carro, os close ups de Sabine Azéma, os pacientes a sofrer na cadeira de dentista de Marguerite etc. É o imaginário controverso dos seres em movimento que dá margem à fabulação desse extraordinário Les herbes folle.
Além do mais, As ervas daninhas é um exercício cinematográfico puro no qual a lógica e a psicologia se explodem num redemoinho. A mise-en-scène é de tirar o fôlego (como um movimento de câmera para frente – travelling – na sequência do almoço na casa de Dussolier quando este, que aparece sentado num sofá, de repente, com a continuação, aparece já sentado na mesa, havendo, um deslocamento não somente da máquina de filmar como também dos personagens em cena num tour de force admirável. O recurso resnaisiano dos lances de memória é usado com eficiência na estrutura narrativa: a bolsa amarela roubada em câmera lenta, o plano de detalhe da carteira perdida debaixo de um dos pneus do carro, os close ups de Sabine Azéma, os pacientes a sofrer na cadeira de dentista de Marguerite etc. É o imaginário controverso dos seres em movimento que dá margem à fabulação desse extraordinário Les herbes folle.
Marguerite Muir (interpretada com a 
elegância de Sabine Azéma, companheira, na vida real, de Resnais) é uma dentista 
que tem fascinação pelos sapatos exclusivos de uma loja parisiense. Depois de 
comprá-los, ao sair do estabelecimento, sua bolsa amarela, é-lhe roubada. 
Georges Palet (André Dussolier, ator constantes dos últimos filmes do cineasta) 
após comprar um relógio num centro comercial acha a carteira de Marguerite, que 
fora jogada fora pelos ladrões e se encontra embaixo de seu carro no 
estacionamento do shopping center. Curioso, verifica os documentos e descobre 
que a dona da carteira tem brevê de piloto, o que o fascina, porque, desde tenra 
idade, tem mania por aviões e seu sonho seria ter se tornado um aviador. É bom 
observar que a ação de Les herbes folles se estabelece a partir dos pensamentos 
de seus personagens, como já foi dito. Palet, por exemplo, ainda no 
estacionamento do shopping, fica revoltado com uma mulher que usa uma calcinha 
preta e tem desejo súbito de matá-la. É neste cipoal de desejos paradoxais e 
esquisitos que se estrutura o filme, baseado em O incidente, de Christian 
Gailly, com roteiro de Alex Reval.
Palet entra em obsessão para 
conhecer Marguerite e imagina várias formas de entrar em comunicação com ela. A 
cena na qual ele está dentro do carro, e imagens laterais vão sendo mostradas 
como soluções hipotéticas, é bem ao feitio resnaisiano. De repente, durante um 
almoço familiar (Palet é casado há 30 anos com Suzanne/Anne Consigny e tem três 
filhos), recebe uma ligação de Marguerite para agradecer a devolução da carteira 
(não sem antes ter ido à polícia para entregá-la e fazer os trâmites legais com 
o comissário interpretado por Mathieu Amalric, que se desorienta com as 
hesitações dele). É quando tem início a idéia fixa de Palet em entrar em 
contato, custe o que custar, com Marguerite. É a pulsão de um desejo na 
estrutura mental de Palet que aciona os mecanismos fabulatórios de Les herbes 
folles, que, para evitar o spoiler, deixa-se, aqui, de contar o 
resto.
Se ainda pudesse existir uma, por assim dizer, lógica 
narrativa, esta explode no final numa apologia à liberdade da mise-en-scène. 
Resnais propõe, na parte final, a apologia do espetáculo puro, do cinema em 
plena autonomia de vôo, quando a fábula dá lugar à narrativa imaginária à 
disposição do específico cinematográfico. Os leitmotivs (como que refrões) que 
permeiam o filme (as ervas daninhas das circunvizinhanças e que adentram a casa 
de Palet, a bolsa amarela em câmera lenta...) se desatam num processo único. A 
tal ponto que é a celebração do cinema que se verifica com o passeio aéreo que 
pontua a obra-prima. A partir mesmo, antes disso, do momento em que Marguerite 
vai procurar Palet, que se encontra num cinema de bairro a ver As pontes de 
Toko-Ri (The bridges of Toko-Ri, 1954), com William Holden e Grace Kelly, por 
ser um filme de guerra e de aviões em combate. Mas, em verdade, não são apenas 
os tormentos mentais dos personagens que se constituem o móvel de Les herbes 
folles, mas, também, as formas de expressá-los de maneira puramente 
cinematográfica.
Duas vezes a bela fanfarra da Fox, a pontuar a 
fantasia que é o cinema: tocada, com aquela ênfase que fez a emoção dos antigos 
frequentadores das salas de exibição, no neon do cinema onde Palat se escondera 
para ver os aviões de As pontes de Toko-Ri, e, quando ele se encontra com 
Marguerite e a beija no hangar. O filme, na terceira parte, toma um rumo 
surpreendente, a transformar as hesitações iniciais dos personagens em decisões. 
A rigor, não há rumo a tomar em Les herbes folles, ainda que haja o rumo do 
roteiro a seguir, a se fazer cinema pela varinha mágica de Resnais. Mas os 
personagens, as criaturas resnaisianas, não o têm. Como a 
vida.
Impressionante o poder de convencimento que passa as interpretações de André Dussolier (que tem neste filme a maior performance de sua carreira) e de Sabine Azéma, além de todos os outros intérpretes, buscados, a maioria deles, na excelência do cast da Comédie Française.
Celebração ao cinema e ao imaginário, como bem acentua a interrogação aparentemente infantil do garoto, na última tomada do filme, que pergunta à mãe: “Quando eu for gato, posso comer a ração do gato”.
Impressionante o poder de convencimento que passa as interpretações de André Dussolier (que tem neste filme a maior performance de sua carreira) e de Sabine Azéma, além de todos os outros intérpretes, buscados, a maioria deles, na excelência do cast da Comédie Française.
Celebração ao cinema e ao imaginário, como bem acentua a interrogação aparentemente infantil do garoto, na última tomada do filme, que pergunta à mãe: “Quando eu for gato, posso comer a ração do gato”.

 
 
Um comentário:
Sorte conhecer o blog assim que comecei a ver os filmes de Resnais. Estou gostando muito.
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