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29 agosto 2012

Carlos Alberto Vaz de Athayde

Athayde e sua filha Mara Athayde

Poucos os cineastas idealistas como Carlos Alberto Vaz de Athayde, que, falecido há vinte e dois anos, em julho de 1990, vitimado por um fulminante enfarte, deixou imensa lacuna no meio cinematográfico baiano, embora, considerando a falta de memória típica dos soteropolitanos, a maioria não mais se lembre desse autêntico Don Quixote.  E Quixote em todos os sentidos, pois sua idéia fixa, sua vontade de fazer cinema, sua abnegação pela causa, faziam com que lutasse contra moinhos de vento. Vamos recordá-lo, portanto.

Fotógrafo, cineasta, escritor, Carlos Alberto Vaz de Athayde fora, antes de tudo, um amante do cinema, um idealista, um sonhador que acreditara nas possibilidades de o baiano poder vir a se expressar através das imagens em movimento. Humanista, de natureza tranqüila, lhano trato, caráter de retidão indiscutível, Athayde, quando comprara, no Rio de Janeiro, em 1965, durante o Festival Internacional de Cinema que ali se realizara, uma câmara Paillard Bollex, decidira colocar esta a serviço do cinema baiano. No seu retorno da temporada carioca, pensara num projeto há muito acalentado: realizar em Salvador um curso de iniciação cinematográfica. Em 1967, no seu primeiro semestre, conversando com o sociólogo Yves de Oliveira, sentira neste o entusiasmo pela idéia e, principal responsável pela Escola de Sociologia e Política, que ficava situada na Ladeira da Barra (logo no princípio), colocou esta à disposição de Athayde como um espaço disponível para a realização do curso desejado. Com sua câmara Bollex de 16mm, Athayde programara suas aulas de "Fotografia no cinema" e, para ajudá-lo em outras disciplinas, convidara Orlando Senna, que se encarregara de "História do Cinema", e Carlos Vasconcelos Domingues, que ficara responsável pela "Sociologia Cinematográfica". Vendo uma nota no jornal, este comentarista, ainda com seus dezessete anos incompletos,  resolvera se inscrever e, então, na Escola de Sociologia Política, que depois seria fechada pela ditadura, viera a conhecer o cineasta Carlos Alberto Vaz de Athayde.

O curso serviria de oportunidade para que várias pessoas interessadas em cinema se conhecessem e daí partissem para a formação de um grupo de estudos cinematográficos que, meses depois, estruturado, organizado, tomara o nome de GIC (Grupo de Iniciação Cinematográfica), núcleo que dera origem à evolução de alguns dos cineastas que hoje batalham no cinema da Bahia. Athayde fora um animador, entusiasta do grupo, fazendo extrapolar o curso para uma amizade com os demais integrantes deste, os quais, neófitos, procuravam dar seus primeiros passos na arte da contemplação da obra fílmica. Reunindo-se, a princípio, na Residência do Universitário, R2, na Vitória, o GIC não tardará a tentar uma empreitada mais arrojada: a realização de um filme em 16mm, curta-metragem, com roteiro escolhido democraticamente entre os apresentados pelos membros do grupo. E surgira ”Perambulo”, obra impregnada de realismo social, de cinema ’enragé’, influência do Cinema Novo, de Glauber e do neo-realismo. Quem seria o diretor de fotografia? Athayde, evidentemente, que emprestara sua câmera e seu trabalho, sempre disposto a animar a equipe, a indicar-lhe os caminhos dos sonhos concretizados. Antes, porém, a mesma Paillard Bollex servira a O Carroceiro, de Ney Negrão (de saudosa memória), com Athayde mirabolante, entusiasmado, fazendo as maiores estripulias para dotar o filme de ângulos inusitados. E para isso, com suas propostas de enquadramentos ‘sui generis’, Carlos Alberto Vaz de Athayde, com seu indefectível paletó e gravata, subira até em árvores na tentativa de captar um ângulo melhor para O Carroceiro.

.Outra característica de Athayde era a sua impontualidade. Nunca chegara a um encontro na hora certa. Seu tempo não conseguira se ajustar à temporalidade da rotina diária, vivendo num tempo à parte, particular. Numa filmagem de “Perambulo”, marcada para as 9 horas da manhã, Athayde, como fotógrafo, fizera a equipe lhe esperar até às 14 horas. Lembra-se este comentarista que todos os componentes da equipe foram à casa de Athayde (que, nesta época, morava na Princesa Isabel, perto o Clube Bahiano de Tênis) e o encontrara ainda em pijama mergulhado (literalmente) num prato de feijão. Poder-se-ia dizer que Athayde fora uma figura folclórica do cinema baiano, mas, inegável e indiscutível, o seu prestígio como um homem abnegado que amara o cinema sobre todas as coisas e nunca se recusara a participar e ajudar aqueles que se iniciavam no ‘métier’ cinematográfico. E fora assim que ajudara José Umberto no longa que este realizara em 1972 chamado “O Anjo Negro”, participando, ainda, como ator na figura de um padre, papel, aliás, que parecia lhe cair como uma luva, pois fora também como padre que aparecera em “Doce Amargo”, de André Luiz de Oliveira e José Umberto, curta premiado no Festival do "Jornal do Brasil" e Mesbla.

Carlos Alberto Vaz de Athayde também filmara projetos pessoais, como um filme inacabado sobre os monumentos de Salvador: “Ensaio de Perspectiva”, cujo título já dá para se ter uma idéia da tentativa de dimensionamento estético na arte de fotografar. Nos últimos anos, vivera sozinho, num apartamento na Ladeira da Barroquinha, de onde vira o poente pela última vez, por trás da imagem do poeta Castro Alves. Sozinho, meio desiludido, o cinema ficara como coisa do passado.

Carlos Alberto Gaudenzi, Kabá, cineasta baiano, depois de ter lido esta minha pequena homenagem ao grande Athayde, publicada nesta mesmo blog há três anos, enviou-me uma preciosa mensagem que faço questão de aqui registrar:

"Setaro,
Bela homenagem a Athayde. Por merecimento, o exemplar amigo foi lembrado por você. Meu quase primeiro curta O CORTIÇO (nada a ver com o livro do Azevedo), foi rodado com a velha Paillard Bolex de Athayde. Ficamos no cortiço (Pelourinho, bem perto do Hotel de mesmo nome) uns 3 dias, fazendo a pré-produção, anotando, fazendo o roteiro, tomando depoimentos etc. Rodamos numa sexta-feira num verdadeiro passeio de câmera sobre os 4 andares do casarão, cenas que serviriam de base para o filme. Ali, moravam umas 30 pessoas de 5 ou 6 diferentes nacionalidades e baianos mesmo em maioria. Lembro que no dia seguinte encontramos o Cliton Vilella no Pelourinho e conversamos sobre amenidades do meio no Rio e S.Paulo). No dia seguinte iríamos filmar 3 depoimentos (sem sync, na base de 5 palavras e corte para off, flash back e outros recursos improvisados). Athayde chegou a contactar um ex-comandante do Corpo de Bombeiros, seu conhecido, pois precisava viabilizar umas cenas que eu queria fazer de fora para dentro dos quartos, numa visão espacial e, certamente, esteticamente ricas. Para tanto estava tentando conseguir a escada Magirus que usaríamos como uma formidável grua. No domingo, lá estava a escada Magirus...tentando apagar o fogo que destruira o casarão, o cortiço e o nosso filme. Ficamos perplexos, sem acreditar no que víamos. Por muita sorte, ninguém morreu. Morreram sonhos de muitas pessoas que perderam pequenos bens e muitas referências. E também morreu ali o nosso sonho do primeiro filme, depois das aulas de padre barçote, Paulo Emílio Salles Gomes e das palestras de Walter da Silveira num breve curso, não me lembro promovido por quem, no Palácio Arquiepiscopal, na Praça da Sé. Roberto Gaguinho à época trabalhando na Tv Itapuã, resgatou um poucos dessa história, revelando os negativos 16mm P&B que também se perderam no tempo.

Conto essa história para reverenciar a memória de Carlos Alberto Vaz de Athayde, ou simplesmente, Athayde, um apaixonado pelo cinema que fazia o que estivesse ao seu alcance sem nenhum interesse comercial, confirmando sempre grande apreço pelos seus amigos e pelo cinema que, para ele, era vida, era tudo".
abraços,
Kabá
* Acho que a Paillard Bolex de Athayde deveria fazer parte do museu de Roque Araujo na Dimas. Ele tinha um irmão que foi diretor do serviço de meteorologia do Estado que ficava no alto de Ondina. Talvez seja uma pista para se contactar a família.
Velho,
          Por que não fez um texto? (nota de AS: estou fazendo agora, Tuna). Athayde é uma figura do nosso cinema. Uma vez eu o encontrei no Rio, ele me disse que iria procurar, em Cataguases, o cineasta Humberto Mauro, pois estava com uma ideia de aplicar LSD numa aranha e filmar a mesma tecendo uma teia. Queria a opinião dele. Perguntou o que eu achava. retruquei apoiando, mas sugerindo que procedesse esta façanha, filmando desde a aplicação do alucinogéno (não perguntei como ele o faria), até a ação do pequeno aracnídeo na urdidura de sua teia. Tudo isto nasceu de um comentário do iluminado H. Mauro quando disse: "seria incrível se pudessemos injetar LSD nma camera" (esta fráse é verdadeira, talvez um pouco diferente, digo, com outras palavras). o saudoso Athayde achou boa a minha sugestão, assim iria com seu projeto já realizado. Esta estória acaba aqui, nunca soube do desfecho, nem se ele, de fato, chegou a abordar o cineasta, com esta ideia, digna de Aldous Huxley, levando em conta As Portas da Percepção.
            Aproveito para sugerir que você fale sobre o homem que tomava cafezinho de minuto a minuto. Há toda uma geração que jamais ouviu falar dele...
Abs
Tuna

E um texto especial de José Umberto:

Athayde recebera uma câmera Paillard Bolex, 16 mm, com o conjunto de três lentes: grande angular, normal e teleobjetiva. Seu pai trouxera da Suíça. Essa câmera fora o suporte básico para uma nova geração de cineastas baianos que procede o Cinema Novo.
Carlos Vaz de Athayde - símbolo exacerbado e caricatural da paixão pelo cinema nos trópicos sul-americanos. Estando para Macunaíma assim como Policarpo Quaresma estará para a Via Láctea. Uma questão de latitude, senão de grandezas & misérias, por colocar com ufanismo a terra do Pau Brasil na dimensão justa e precisa ao líquido amniótico da boceta de Pandora.
Doce morada. Repouso dos deuses e das deusas pagãs.
Sua figura exótica marcou a paisagem da velha cidade de Salvador na década de 60. Sempre portando paletó e gravata debaixo de um sol escaldante, não se separando jamais de um cafezinho preto, bem quente, ele estimulou muitos jovens com o seu modo livre, solto e original de experimentar a urbe.
Boêmio das madrugadas intelectuais, amante da grande literatura universal, sobretudo a libertária, mas acima de tudo um espectador inveterado que refletia tudo o que via com o sabor e o entusiasmo da mais bela juventude.
Enfim, um rato de cinema da boa cepa.
Athayde do delírio na carne e no espírito. Capaz de filmar uma seqüência inteira com inspiração... e depois descobrir que esquecera de por o filme no chassis da câmera. Não importava, para ele, a revelação física, mas sim a inspiração do instante absoluto. Do prazer em fazer, naquele momento, como numa graça ao tempo que mística... romântica.
Daí a sua entrega total. Desprendida. Uma pessoa que dá, que doa, simplesmente em troca da luz. Da fotografia, sua companheira inseparável. E foi acreditando no brilho da aurora que ele nos legou esse poema:

Novo Horizonte

Talvez carente de clara beleza
Vez que acerca-sinto/olho/vejo
Quando sôlto o pensamento
veleja ou adeja,
muito além do distante/horizonte
embora nada se veja,
há um monte/fonte
crescente/nascente
de outro novo horizonte
distante distante distante.


2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Grande figura...

Jonga Olivieri disse...

Compreendo a sua situação de spams, mas caramba!
Vê se há formulárcos com letras mais compreensíveis!
Olha que eu sou um artista gráfico e fiz cinco tentativas para postar o comentário... Imagino uma pessoa que não tenha famikliaridade com letras e outros bichos!

Olha só, vou para a terceira agora!