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29 julho 2012

Violência e política

Marlon Brando em Queimada (1969), de Gillo Pontecorvo

Ensaio do Professor Jorge Moreira especialmente para o Setaro's Blog

Lista de filmes de resistência à aliança imperialista entre Hollywood e governo dos EUA.

Colocado diante da pergunta, quais os filmes de ficção que você recomendaria para estimular uma geração de jovens a procurar uma adequada perspectiva histórica sobre a questão do poder e da dominação política no Brasil, na América Latina e em outras regiões do mundo?,  penso sugerir  uma modesta lista de filmes que o leitor verá  adiante neste texto.

Sem ser sistemático, exaustivo ou enciclopédico, decidi responder à pergunta, utilizando a minha memória para fazer uma rápida relação dos filmes que me impressionaram no passado e ainda me impressionam no presente. Esta lista que cobrirá um período de 40 anos não terá por objetivo relacionar o conjunto dos meus dez filmes favoritos, sejam eles do gênero político ou de qualquer outro gênero cinematográfico.

Por isso, informo ao leitor que alguns dos filmes políticos que considero excepcionais e preferidos não serão incluídos nesta lista. Esta é, por exemplo, a situação de filmes como Ivan o Terrível (1945) e O Encouraçado Potemkin (1925) de Sergei Eisenstein; Cidadão Kane (1941) de Orson Welles; A  Chinesa (1967) e Tudo vai Bem (1972) de Jean Luc Godard, alem de outros da mesma categoria.  Em síntese, meu objetivo não é oferecer aqui uma valorização artística desses filmes, mas sim mostrar que eles estão relacionados por uma visão de mundo e política (em oposição a costumeira visão de mundo autoritária da classe dirigente) que favorecem uma leitura ou interpretação da história social desde o ponto de vista dos setores subalternos e dominados, com um alto grau de veracidade cognitiva, e que decanta-se a favor da luta na defesa dos interesses dos indivíduos e dos povos oprimidos.

Assim, os filmes da lista foram selecionados por disporem de pelo menos duas das seguintes características: a veracidade da sua referencia histórica (quase documental*); a utilização de um enfoque didático sem cair no panfleto; - a brilhante qualidade artística devido a sua originalidade da relação forma/conteúdo; o rigor da sua representação da história quando o tema é o período de transição do modo de produção colonial ao modo de produção capitalista/imperialista dos nossos dias; e a sua reconhecida  popularidade  que se traduz na probabilidade  do filme ser mais facilmente localizado pelo público no mercado de filmes no formato DVD.

Não se pode ignorar que gerações de jovens têm sido submetidas à bárbara produção comercial e ideológica de filmes estadunidenses atuais (1) como Killers (2010) de Robert Luketic ou This Means War (2012) de Joseph McGinty Nichol, que se caracterizam por emitirem um discurso oficial a favor da violência e por construir uma representação apologética das guerras imperialistas, de crimes dos mercenários e dos espiões da CIA (alem das intervenções militares de agentes conspiradores de organizações ilegais).

Embora os objetivos centrais desses filmes comerciais sejam essencialmente ganhar muito dinheiro e defender ideologicamente os valores da classe dominante, os filmes também tratam de naturalizar e justificar o uso da violência contra os países e as classes subalternas e dessa forma procurarem legitimar a hegemonia da classe no poder seja por consenso, seja por repressão.

As razões anteriores me motivaram  a responder à pergunta inicial, selecionando alguns filmes que me parece tem funcionado como uma resposta contra discursiva e como uma representação contra hegemônica ao discurso e à representação oficializada. Em poucas palavras, os filmes selecionados foram aqueles que, na minha opinião, lutam simbolicamente para deslegitimar e desnaturalizar o uso da violência pelo poder contra os oprimidos; violência que cresce e se expande pelos quatro cantos do mundo.

No passado recente, as gerações de jovens tiveram que engolir produções de um conjunto de filmes que apelavam sistematicamente para a violência por razões econômicas e ideológicas tais como Dirty Harry de Don Siegel, Rambo de Sylvester Stallone ou os filmes do canastrão Chuck Norris. Hoje filmes como os citados Killers, This Means War ou Iron Man (2008) de Jon Favreau tomaram o lugar dos citados e são duplicações assombrosas do uso da violencia pelo poder estabelecido.

Não é necessário ser grandes analistas (ou interpretes) da ficção contemporânea para perceber que tais filmes de violência como Inglourious Basterds de Quentin Tarantino são reflexos diretos ou indiretos da realidade da militarização do mundo  pelo imperialismo dos EUA que são resultantes da produção de guerras de conquistas intermináveis contra os povos do Iraque, do Afeganistão, do Paquistão, da Palestina, do México, da Colômbia e dos países africanos, para assegurar o fornecimento e o controle de matérias primas e alimentos baratos.

Ainda que os filmes tratem de discutir e denunciar uma série de problemas especificamente produzidos pelo modo de dominação colonial e capitalista, poucos destes filmes são capazes de oferecer uma perspectiva revolucionária para resolver as contradições do sistema, pois a maioria não acredita que se possa resolver os problemas desta sociedade através de uma mudança revolucionária. Na sua grande maioria, os filmes se limitam a discutir ou denunciar os problemas da sociedade capitalista dentro de uma perspectiva liberal-reformista, ou seja, eles duplicam a ideologia, bastante difundida, de que ainda é possível resolver as contradições do capitalismo dentro do próprio capitalismo, através de reformas do sistema que as produziu. 

Os filmes selecionados foram ordenados seguindo o período em que os eventos representados sucederam na realidade histórica dos países mencionados.

1)     The Mission (1986) de Roland Joffé com Roberto de Niro, Jeremy Irons e outros.
2)     Queimada (1969) de Gillo Pontecorvo com Marlon Brando, Renato Salvatori e outros.
3)     Terra prometida (1974) de Andrzej Wajda com Daniel Olbrychski, Wojciech Pszoniak,
4)     Deus e o diabo na terra do sol (1964) de Glauber Rocha com Geraldo del Rey e Yoná Magalhães
5)     A Batalha de Argel (1966) de Gillo Pontecorvo com Brahim Haggiag, Jean Martin, Saadi Yacef
6)     Terra em Transe (1967) de Glauber Rocha com Jardel Filho, Paulo Autran
7)     Missing (1982) de Costa Gavras com Jack Lemmon e Sissy Spacek
8)     O americano tranqüilo (2002) de Phillip Noyce com Michael Caine e Brendan Fraser
9)     Thirteen Days (2000) de Roger Donaldson com Kevin Costner, Bruce Greenwood e otros
10) Syriana (2005) de Stephen Gaghan com George Clooney, Matt Damon

Antes de comentar os filmes listados na ordem apresentada, gostaria de esclarecer que nenhum deles receberá um tratamento especial; um tratamento extenso ou profundo. Assim, me limitarei a alguns poucos aspectos que me parecem relevantes para cumprir os objetivos deste texto.


A Missão (The Mission)

O filme inglês The Mission está baseado num fato histórico, a denominada Guerra Guaranítica (1750 - 1756) que é o nome que se dá aos violentos conflitos (3) e à guerra entre os índios guaranis e as tropas espanholas e portuguesas nos Sete Povos das Missões, no sul do Brasil, após a assinatura do Tratado de Madrid, em 1750. 

No plano da representação, a ficção cinematográfica é desenvolvida através das ações de dois padres: o padre Gabriel (um jesuíta pacifico e angelical) e o padre Mendoza (um violento ex-mercador de escravos indígenas que converte-se em jesuíta devido ao  arrependimento pelo assassinato de seu irmão). Depois do fracasso da mediação dos Jesuítas na disputa entre os índios e os colonizadores, os dois padres decidem, na guerra, lutar ao lado dos índios guaranis contra os impérios português e espanhol.
Assim a temática da dominação colonial dos impérios de Portugal e da Espanha sobre o território brasileiro e sobre a população indígena (os que são habitantes originais das terras brasileiras) implicam a subtemática do assassinato, da escravidão, da guerra, da colônia versus metrópole, a religião, a opressão e a luta pela liberdade contra os conquistadores brancos de Portugal e da Espanha.

 O filme The Mission,  também fará eco, nos dias de hoje, da luta dos movimentos indígenas latinoamericanos (que resistem atualmente à invasão das corporações nacionais e das multinacionais imperialistas), cujo exemplo mais destacado é  a continuidade da luta de resistência contra as companhias capitalistas que querem impor pela força a construção da barragem de Belo Monte, mesmo que seja ao custo da destruição da floresta, da natureza dos índios do Brasil.

(Continuaremos comentando os nove filmes restantes, na segunda parte deste texto)

Notas

1) Antes da entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, o presidente Woodrow Wilson pediu a seu conselheiro George Creel para criar um sistema nacional de propaganda, o Comitê de Informação Pública (CPI). Esta foi a primeira agência estatal no mundo que recorreu ao cinema para manipular as massas (este exemplo serviu mais tarde, para as manipulações de  Joseph Goebbels na Alemanha e Chakotin om a finalidSergei na URSS). Em 1917, George Creel criou um Comitê de Cooperação para a Guerra com a finalidade de estabelecer uma ligação com os líderes sindicais da indústria cinematográfica (Motion Picture of America). Desde então, os laços entre Hollywood e os governos (federal e estaduais) dos EUA nunca foram quebrados, ainda que historicamente, tenham existido períodos onde esses laços são intensificados e reforçados.
Tradicionalmente, o Poder Executivo EUA têm recrutado a indústria cinematográfica de Hollywood para servir ao governo mesmo em tempo de paz. Por exemplo, o falecido ator e presidente Ronald Reagan, por exemplo, apoiou a sua política externa exigindo que as produções de “Cannon films” minimizassem a derrota dos EUA no Vietnã e açoitassem a URSS. Muitos ainda devem lembrar do cinismo, da hipocrisia e da máxima ideológica de Ronald Reagan (um dos maiores inimigos da classe trabalhadora) contra o Estado e o povo russo: “A União Soviética é o império do mal”.
Após os ataques de 11 de setembro de 2001, e a raiz da guerra contra o Afeganistão e o Iraque, o Comitê de Cooperação de Guerra foi restabelecido por acordo entre a Casa Branca e Jack Valenti, ex-presidente da Motion Picture Association of America, um acordo que foi mais tarde estendido à Paramount,  CBS Television, Viacom, Showtime, Dreamwork, HBO e MGM.
Os produtos cinematográficos mais recentes de Hollywood sobre política e história nacional e mundial devem ser interpretados através deste acordo entre a Casa Branca e a indústria de entretenimento; um acordo  que exige que os filmes e os programas de TV tenham que se unir ao esforço da "guerra ao terrorismo”.
2) Anteriormente, escrevi e publiquei em Rebelion.org, um longo texto sobre a relação entre o cinema estadunidense e a violência do sistema. Neste texto, que se intitulava El pastiche de la violencia, la violencia del pastiche: la reescritura de la historia en la nueva película de Tarantino, procurei analisar a função do pastiche na representação da violência no filme de Quentin Tarantino “Inglourious Basterds” (Maldito Bastardos).  Aqui está o devido link:

3) Não devemos esquecer que a violência do oprimido é sempre uma reação e a última resposta à violência do Estado ou de  suas instituições (as forças armadas, a policia, o sistema penitenciário , etc) a serviço do sistema capitalista dominante.

2 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Todas os ensaios do Professor Jorge Moreira são excelentes e embasados em profundidade.

Colaborador em meu blogue "Novas Pensatas", fico feliz quando recebo um de seus artigos, o que só vem enriquecer a minha publicação.

Parabens tambem para o Setaros's Blog pela brilhante contribuição deste emérito pensador marxista!

Francisco Sobreira disse...

Discordo de que Cidadão Kane seja um filme político. Na verdade, o filme de Welles é a história de vida de um homem que, em dado momento, tenta ingressar na política, mas é logo impedido em razão de um envolvimento amoroso que Kane tem quando já era casado. Aliás, o crítico Moniz Vianna, pouco tempo antes de morrer, disse que era difícil definir o gênero de Cidadão Kane. A política, a meu ver, no filme é um assunto que é abordado apenas como uma faceta da ambição pelo poder do personagem, e, assim, de maneira rápida.