A
especificidade cinematográfica  se dá através  de seus 
elementos  básicos :
(1) a planificação; (2) os movimentos  de
câmera ; (3) a angulação ;
havendo, ainda , um 
quarto  elemento ,
a montagem , que 
também  determina a sua 
especificidade. Existem, a rigor , os elementos  determinantes 
(os citados) e os elementos  componentes  da linguagem 
fílmica. Estes , apesar 
de imprescindíveis , não 
lhe  determinam o seu 
específico . Assim ,
o roteiro , ainda 
que  fundamental 
para  a estruturação da obra ,
é um  texto 
escrito , não 
cinematográfico , uma pré-visualização do
filme  futuro ;
já  a fotografia 
ajuda  a compor 
e a melhor  definir 
o estilo , algumas vezes 
com  a função 
dramática  especial 
(é o caso  de Vittorio Storaro,
iluminador de Bernardo Bertolucci, cuja  fotografia  assume, em 
películas  como 
O céu 
que  nos 
protege e O último 
imperador , uma quase 
coautoria); a cenografia , em 
raros  exemplos 
(nas obras  expressionistas 
e, em  especial ,
O gabinete 
do Dr. Caligari), surge também  como  elemento  componente , embora ,
nestes casos  excepcionais ,
apresente-se como  processo 
deflagrador da evolução  temática ; assim 
como  a parte 
sonora , os ruídos ,
os diálogos , a partitura 
musical... Bela  Balazs, teórico  húngaro , atribui importância  fundamental 
a três  elementos 
da linguagem  cinematográfica :
o primeiro  plano 
(close-up ),
a montagem , e a variedade 
de posições  da câmera .
O primeiro  plano ,
além  de ser , para  ele , o fator  que 
diferencia o cinema  do teatro , cria  um  microcosmo  desligado  do espaço 
e da materialidade . O mundo  da microfisionomia (rosto 
ampliado e isolado pelo  close-up , como  num microscópio )
confunde-se mesmo  com 
o “mundo  da alma ”.
É a dimensão  de uma expressão 
humana  isolada sobre 
a tela , e toda 
a referência  ao espaço 
e ao tempo  desaparece em  vista  de sua  existência  autônoma . Nossa 
consciência  completa 
do espaço  é abolida e nos  encontramos em 
outra  dimensão ,
a da fisionomia . 
O ponto 
de referência  da Balazs é o filme  A paixão  de Joana D’Arc (1928), do dinamarquês Carl
Theodor Dreyer. Se a montagem  fraciona a
totalidade  do tempo ,
o primeiro  plano 
fraciona a totalidade  do espaço .
A montagem  cria ,
assim , uma duração 
autônoma  e torna-se responsável 
pela  intensidade 
dramática  do filme .
É o senso  de montagem 
que  leva 
o realizador  a introduzir 
o primeiro-plano, verdadeiro  termômetro  da sensibilidade 
do diretor . A montagem 
pode ainda  sugerir 
associações  de ideias. Por  exemplo , no
flashback 
de uma pessoa  recobrando a memória ,
lembranças  surgem e se desvanecem em  segundos ,
numa sucessão  vertiginosa 
de planos  rápidos .
Só  a linguagem 
cinematográfica  pode transmitir 
a correlação  irracional 
dessas imagens  mentais :
a velocidade  em 
que  se sucedem reproduz a velocidade 
real  do processo 
de associação  de ideias. Por  isso  os surrealistas  acham que 
o cinema  se revela como 
o instrumento  real 
para  a conquista 
da suprarrealidade: a câmera  é capaz  de fundir  vida  e sonho ; presente  e passado  se
unificam e deixam de ser  contraditórios ;
as trucagens  podem abolir 
as leis  físicas ...
Para  o espectador 
contemporâneo , habituado à espantosa 
complexidade narrativa  dos filmes  modernos ,
torna-se difícil  supor 
que  a linguagem 
cinematográfica  tivesse de ser  conquistada lentamente .
A necessidade  dos remakes pela  indústria  revela que 
o “caldo  cultural” atual 
somente  pode ser 
sintonizado com  ele 
próprio . Por  que  refilmar ,
por  exemplo ,
Psicose ,
de Hitchcock, se é um  filme  “novo ” de 1960 e ainda  hoje  atual  e impactante? Porque ,
além  de ser 
preto-e-branco, a cultura  de seus  personagens ,
seus  modos 
de agir , a gestualística, a maneira 
de ser  e o tom 
— mais  de sugestão 
e menos  apelação 
— não  satisfazem mais 
ao público  que 
consome o cinema  como 
mercadoria . Voltando à linguagem , nos  primeiros  filmes 
de Lumière, o que  se vê  não  passa  de um  registro  de acontecimentos .
Quando  vários 
registros  sobre 
o mesmo  assunto 
se reúnem, o filme  passa 
à categoria  de descrição .
Os primeiros  cineastas 
desconhecem a montagem . Em  1900, na chamada 
Escola  de Brighton (Inglaterra), segundo  o historiador francês 
George Sadoul, parecem estar  os rudimentos 
da montagem  cinematográfica .
Os realizadores  da escola 
têm a ideia de articular  os vários 
registros  de uma regata .
A uma imagem  do público 
sobre  uma ponte ,
faz-se surgir  (ou 
seguir ) uma imagem 
da competição. 
O resultado , que  nos  dias  de hoje 
parece tão  simplório ,
mas  que 
tem uma importância  assustadora, é o aparecimento  da primeira 
frase  cinematográfica :
“As pessoas  que 
estão na ponte  olham os barcos  que 
passam”. Está aberto  o caminho 
para  a narração .
Os elementos  que 
possibilitam a narração  especificamente cinematográfica , no despertar 
do século  XX, estão na ação 
paralela  — cortes 
alternados desencadeadores do conflito  em  movimento ,
da corrida  contra 
o tempo  (a mocinha 
amarrada aos trilhos  do trem , corte  para 
o mocinho  que 
toma  conhecimento ,
o trem  que 
vem chegando cada  vez 
mais  perto ...),
quebra  da distância 
fixa  entre 
a câmera  e o ator 
(a saída  do teatro 
filmado, da imobilidade  da câmera ), a variação do ângulo 
visual  (o espectador 
vê  sempre 
aquilo  que 
a câmera  viu durante 
a filmagem). A maior  parte  dos espectadores ,
no entanto , somente 
se preocupa com  a história ,
a intriga , os personagens ,
as situações , a fábula ,
em  suma ,
desconhecendo ser  o cinema 
uma linguagem . Muitas vezes  o significado 
vem através  de um 
travelling ou 
de uma panorâmica  (movimentos 
de câmera ), de determinadas angulações,
do sentido  especial 
de determinado  plano .
Assim , necessário 
se faz distinguir  a narrativa 
da fábula  (esta aqui 
compreendida como  a história ,
a trama , a intriga ...).
Porque  o verdadeiro 
acontecimento  narrado pelo 
filme  não 
é o que  se reporta ao comportamento  dos protagonistas ,
mas  o que 
se relaciona com  o comportamento 
da própria  linguagem 
cinematográfica . Existem, num filme , dois  planos : um  plano  relativo 
à narrativa  e um 
plano  relativo 
à fábula . O primeiro 
refere-se ao como  — ao conjunto  das modalidades 
de língua  e estilo 
que  caracterizam o texto 
narrativo. À articulação  feita 
pelo  cineasta 
dos diversos  elementos 
da linguagem  fílmica. Como  ele 
articula estes  elementos 
é que  determina o estilo 
de cada  um .
O segundo , o plano 
da fábula , refere-se à coisa 
da narração  — à sua 
história . Na análise 
de um  determinado 
filme , o plano 
onde  se torna 
necessário  procurar  a sua  eventual 
poeticidade não  é o da fábula , mas  o
da narrativa , ou 
do discurso  cinematográfico . 
O lugar  onde 
se individualiza a poética  de um  cineasta  (ou  a ausência 
desta, no caso  de um 
artista  medíocre )
é na esfera  da linguagem 
por  ele 
utilizada sempre  na condição 
de o ser  o sentido 
polívoco e não  banal .
Polivalência  semântica 
se constitui na conditio sine qua non
da artisticidade, relativamente  a qualquer  sistema 
expressivo . A distinção 
entre  narrativa 
e fábula  pode parecer 
artificial  quando 
se encontram obras  em 
que  os dois  planos  caminham paralelamente 
e em  perfeita 
harmonia . É o que 
acontece nos  filmes 
que  seguem os cânones 
do naturalismo  — nos 
quais  a conotação 
tende para  o grau 
zero  e a coisa 
impõe uma espécie  de ditadura  sobre 
o como . Mas 
a distinção  se legitima plenamente  nos  filmes  em  que  os dois  planos  se dissociam para 
refutar-se, ou , pelo 
menos , controlar-se alternadamente. Pode
acontecer  que ,
no decorrer  do filme ,
a mensagem  expressa 
pela  fábula 
seja contrariada pela  mensagem  expressa 
pela  narrativa ,
ou  seja, que 
esta última  provoque sutilmente  a erosão 
da primeira , a ponto 
de produzir  um 
significado  real 
oposto  ou  divergente  do que 
se extrairia de uma leitura  limitada exclusivamente  aos valores 
da história . 

 
 
2 comentários:
Você ten excelentes postagens nesta área. E acho que são muito esclarecedoras... Até para qum já conhece alguma coisa de cinema.
Excelente post. Muito esclarecedor.
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