Fizemos, eu e Tuna Espinheira, uma entrevista com o prestigiado documentarista brasileiro Sílvio Tendler. Há muitos décadas, o cineasta vem registrando aspectos da História do Brasil (Os anos JK, Jango...) e revelado, em seus filmes, as mazelas de um país em transe (Utopia e barbarie, Josué de Castro, um cidadão do mundo...). Está lançando um box com documentários acerca de personalidades baianas. E gosta de enfatizar: "Sou o mais baiano dos cineasta brasileiros'. Mereceria o título de Cidadão Baiano.
1) Tuna Espinheira: “O documentário marca a gênese do cinema,seguindo, em todas as fases da saga da sétima arte produzindo obras primas. Mas, hoje, na Brasiléia Desvairada, confunde-se muito este gênero com reportagem e, pior ainda, com a reportagem, papel carbono da medusante “estética” da TV. Como você vê isto?”
- Vc tem razão. Desde os anos sessenta existe uma tendência em confundir cinema documentário e reportagem de Tv. Com as novas tecnologias digitais o problema se acentua já que tecnologia e expressão narrativa se confundem
2) Tuna: “Fale sobre a sua preferência por temas políticos, sempre no bojo dos seus trabalhos...”
- Santiago Alvarez se dizia um animal erótico-político. Acho que, de certa forma, sigo seu caminho. O erotismo e a política são minha razão de viver. Não acredito muito na política partidária. Acredito na militância através da expressão artística, dai meu cinema ser totalmente político.
3) Tuna: “Os coveiros de plantão já anunciaram a morte da ideologia, você acredita que a bola da vez é a Utopia?“
- Estão matando a Utopia pelo fastio, pelo excesso de ofertas de utopias. Hoje tudo é utopia, ate'comer um pedaço de pizza virou utopia. Confunde-se a palavra com desejo e consequentemente está havendo um esvaziamento do seu real significado de busca de uma sociedade perfeira com o que isso traz de bom e de ruim, de utopia e barbárie.
4) Tuna: “Existe uma grande celeuma quando em festivais o documentário briga, em pé de igualdade, pelo prêmio de “Melhor Filme”. Vejo isto como um pré-conceito cultural, o que você diz?”
- Vc tem razão. Uma vez cheguei no Festival de Gramado já carimbado por um diretor que fazia parte do juri me explicando que eu ganharia o Especial do Juri (o festival nem tinha começado , estávamos no avião, rumo a) já que os outros prêmios estavam reservados à ficção. O festival terminou e ganhei o... especial do Juri. Quando instituiu-se o Juri Popular virei um ganhador de Juri popular porque o público não tem esse preconceito.
5) André Setaro: "O documentário tomou, nas últimas décadas, um impulso extraordinário, e, creio, você foi um dos pioneiros com filmes como Os anos Jk, Jango, O mundo mágico dos Trapalhões etc. Seus documentários, além de obras palatáveis, conquistaram plateias. Com raras exceções, há um componente político muito forte em seus filmes (Utopia e barbárie, Milton Santos...). Mas, nos últimos anos, está em franca ascensão a onda dos documentários sobre músicos. O que acha do documentário como possibilidade de conquistar parte do mercado brasileiro?"
- A música estabelece uma comunicação mais fácil e direta com o público. Há bons filmes com e sobre música e apelos fáceis de serem digeridos. Ao público cabe escolher. Para uma cinematografia ser boa e completa. a diversidade é fundamental.
6) Setaro: "Até que ponto a realidade atual, violenta, supera a ficção?
- Totalmente. Que filme, que cineasta de ficção seria capaz de conceber o roteiro em que o candidato socialista com todas as chances de se eleger Presidente da República da França terminaria na cadeia, nos Estados Unidos acusado de estupro? O máximo que o cinema americano consegue imaginar é um hipotético mundo futuro recheado de perigos e violências muito distante da genialidade de um Flash Gordon. Existe um filme com o Robert de Niro que é uma paródia do boquete do Bill Clinton no salão oral pela Monica Chupinski mas não é o imaginário que está em cena, trata-se de uma paródia.
7) Setaro: "Existe uma estética para o documentário?"
- Uma não, muitas.O documentário é tão autoral e inventivo quanto a ficção e ele parte da reconstrução da realidade a partir de imagens do real. Só não vale mentir, vale criar e imaginar. E cada autor , à semelhança da ficção, cria sua estética.
9) Você está lançando um box com quatro baianos porretas. Poderia falar mais do que se trata?
- Sou o mais baiano dos cineastas brasileiros e exijo meu título de baiano honorário, Soteropolitano por excelência. Nem Tuna Espinheira reuniu uma cinematografia com figuras como Glauber, Milton Santos, Castro alves e Marighella. Precisa dizer mais? Estes quatro filmes estão reunidos num box primoroso editados com legendas em quatro linguas (inglês, francês, português e espanhol) e lançados juntos com o livro "Os Quatro Baianos Porretas"que publica os rotiros do filme.
10) "Sabe-se que a objetividade no cinema é relativa, pois a personalidade subjetiva do cineasta sempre interfere na realidade objetiva. Nos seus filmes, a querência da realidade é um fato, mas até que ponto se vê restrito pelo relativismo inerente ao próprio cinema?"
- Total. Todo filme encerra uma narrativa subjetiva. Não podemos matar a magia do cinema e dizer que tudo é invenção mas por trás de todo filme existe um autor que narra sua versão da história e quem não concordar que faça outra melhor.
5 comentários:
Tendler é um gênio do cinema brasileiro! Vida longa a esse cineasta que contribuiu com grandes obras para o cinema nacional.
Bela entrevista com um dos mais importantes cineastas do mundo. Discordo quanto à baianidade. Sílvio Tendler é um cineasta universal, trata de problemas e utopias universais, embora concorde que também merece o título de cidadão baiano.Parabéns!
Abraços
Grande Silvio!!!
Um carioca porreta!!!
axé!
carlos pronzato
www.lamestizaaudiovisual.blogspot.com
grande Silvio!
Um carioca porreta!
axé!
carlos pronzato
www.lamestizaaudiovisual.blogspot.com
Pertinente a pergunta 4, sobre os documentários concorrerem a melhor filme nos festivais. Há pouco li a relação dos premiados no Festival do Rio de Janeiro (Lula, Chico, Tropa 2 ... ) e, interessante, percebi que o melhor filme de todos eles era "O Homem que Engarrafava Nuvens", documentário de Lírio Ferreira sobre Humberto Teixeira.
Postar um comentário