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19 junho 2011

Paissandu: símbolo de uma geração

O fechamento do cinema Paissandu, há alguns anos, no Rio de Janeiro, situado à rua Senador Vergueiro, no Flamengo, não registra apenas o fim de uma sala exibidora, mas há uma significação maior e mais abrangente como se, sinal dos tempos, pontuasse o fim de toda uma geração de cinéfilos. Aliás, a afluência verificada, principalmente nos anos 60, a esta casa de espetáculos, determinou a denominação de Geração Paissandu, tal o seu significado, a sua importância.

Apesar de soteropolitano, na segunda metade da década de 60 ia ao Rio (onde nasci em 1950), para passar uma temporada de um mês, duas vezes por ano e freqüentei, com bastante assiduidade, o cine Paissandu. Nesta sala, vi os principais filmes de Jean-Luc Godard, entre outros notáveis da Nouvelle Vague, a exemplo de François Truffaut, Claude Chabrol, Jacques Rivette (lembro-me da excitação quando do lançamento de A religiosa/La religieuse, baseado em Diderot, e dirigido por Jacques Rivette, com a musa de Godard, Anna Karina, filme que tinha sido proibido na França pelo ministro da Cultura André Malraux), Eric Rohmer, e os menos nouvellevaguistas como Alain Resnais (a cada filme deste, um acontecimento, um evento cultural, uma celebração ao cinema), Louis Malle, et caterva. Mas não somente o cinema francês. Tudo de bom e genial que se fazia (e não se faz mais) no cinema era apresentado na tela do Paissandu. Os filmes da incomunicabilidade de Ingmar Bergman, o cinema pausado de Michelangelo Antonioni, a estética viscontiana, a alegria circense das criaturas fellinianas, etc, etc, e etc.
Apenas quem viveu aquela época pôde sentir a efervescência de um período no qual a inteligência e o conhecimento davam as rédeas àquele que, por acaso, quisesse estar "in" com a vida e as circunstâncias. Ainda que alguns pongassem na alegria da descoberta, a dar um ar festivo à Geração Paissandu, o fato é que havia, nela, uma necessidade de conhecimento, de desbravar a arte em função não somente da celebração desta mas, e principalmente, de suas potencialidades de transformar o mundo.
A Geração Paissandu lia muito, e não somente jornais e revistas, mas livros (György Lukács, Marcuse, obras sobre a concepção dialética da história, marxismo...). O Jornal do Brasil e o Correio da Manhã pontuavam a orientação das discussões. Tanto em um quanto em outro, havia verdadeiros críticos de cinema que faziam análises copiosas e substantivas dos filmes apresentados. No Correio da Manhã, a crítica era liderada por Antonio Moniz Vianna, mordaz e irônico, que não gostava de Godard e, por isso mesmo, não era muito considerado pela Geração Paissandu. No Jornal do Brasil, Ely Azeredo e o seu antípoda: José Carlos Avellar, cada um à sua maneira, sérios e competentes. Mas também havia, toda sexta, no Jornal do Brasil, um Conselho de Cinema, que, página inteira, dava as cotações em estrelinhas (da bola preta às cinco estrelas) das películas em cartaz. Um filme era destacado, neste dia, para ser analisado pelos dez membros do conselho.
No lançamento de O dragão da maldade contra o santo guerreiro, em 1969, Ely Azeredo deu uma rotunda bola preta em contraste com as quatro e cinco estrelas de todos os demais. Havia muitos exegetas cinematográficos em atividade na imprensa e se corre o risco, assim de memória, de omissões importantes: Fernando Ferreira, Miguel Pereira (em O Globo), Sérgio Augusto, Paulo Perdigão, Ironildes Rodrigues, Alex Viany, Miriam Alencar, Salvyano Cavalcantti de Paiva, Valério Andrade, Maurício Gomes Leite, Alberto Shatovsky, Van Jaffa, Ronald F. Monteiro, Ruy Castro, José Lino Grünewald, Marcos Ribas de Farias, entre muitos outros.
Havia os "godardianos" (Maurício Gomes Leite, Sérgio Augusto, José Lino Grünewald...) e os que, por "anti-godardianos" (Moniz Viana, Valério Andrade...), não davam muita "bola" para a Geração Paissandu. O fato, inconteste, é que esta pontuou uma época, e o cinema Paissandu formou platéia e criou uma geração.
Mas se a Geração Paissandu se preocupava muito com a transformação do mundo pela evolução do cinema, por outro lado, havia um "background" cultural que enriquecia as análises dos filmes. Estes, porém, também eram vistos em sua singularidade específica, como estruturas audiovisuais. Assim, era corrente se ver discussões sobre um determinado travelling de Jean-Luc Godard ou uma panorâmica de 360 graus de certa ousadia na estrutura narrativa.
Nas calçadas do cinema, instalaram-se barzinhos e pizzarias e fazia parte do programa a "esticada" madrugada adentro nas discussões e nos chopps bem tirados (como só se toma no Rio de Janeiro). A intelectualidade da época tinha na boemia uma simbiose que com o bater-papo. Enunciavam-se pensamentos nas mesas dos bares e havia, nelas, uma interlocução de idéias (interlocução que parece desaparecida com os monossílabos dos orkuts e dos msns, nos quais o que menos existe é o enunciado de algum pensamento ou alguma idéia).
Houve algum Paissandu soteropolitano? De certa forma, sim, aos sábados pela manhã, quando o Clube de Cinema da Bahia fazia suas sessões semanais no cinema Guarany ao fim das quais os seus freqüentadores habituais iam tomar cervejas no célebre Restaurante Cacique, que ficava, assim como a sala exibidora, na Praça Castro Alves, bem perto do vespertino A Tarde.

Um comentário:

Jonga Olivieri disse...

O principal bar, aquele que concentrava a grande maioria na disputa por lugares onde abundavam as pilhas de "rodelas de chope" era o "Cinerama", bem na esquina, onde hoje existe um tal de "Garota do Flamengo". E digo "um tal de..." porque não é sombra do que foi o outro.
Bons tempos! Tempo em que no Rio de Janeiro ainda havia jornal, ou melhor até, mais de um jornal.
Hoje, a segunda cidade do país, tem um pasquim chamado "O Globo" e um jornaleco (outrora banhado a sangue) que é "O Dia"...