Seguidores

15 maio 2011

Interview: Setaro André entrevista André Setaro


Publicado originariamente na revista eletrônica Terra Magazine em 10 de maio de 2011.

SETARO ANDRÉ: Como vê o cinema neste semestre que se encontra a voar como um pássaro?
ANDRÉ SETARO: Posso fumar meu cigarro? Se não, não dou a entrevista. Estou cansado dessa lei que não respeita os fumantes. Para lhe dizer a verdade, estou a cada dia sendo humilhado, quando, em certos locais, e em espaços permitidos, acendo meu cigarro. As pessoas me olham de esguelha e de soslaio. Uma senhora, mal amada, com certeza, noutro dia, enquanto fumava em local apropriada em frente a um shopping em Salvador, em rito de passagem para entrar no centro de compras, olhou-me dos pés à cabeça e suspirou, dizendo: "Coitado!" Mas vamos à sua pergunta! O cinema, como já disse, não é mais igual àquele de tempos idos. Refiro-me, principalmente, ao cinema dito comercial. A indústria cultural hollywoodiana se infantilizou. O humanismo desapareceu dos filmes. O lixo predomina no mercado exibidor, com as honrosas exceções de praxe. O que mais me fascina no cinema contemporâneo, caro repórter, é a inventividade de Alain Resnais com a idade que tem, beirando aos clássicos novent'anos. Seria possível um cinema dito de vanguarda, de invenção, hoje em dia? Sim, um filme como Ervas daninhas (Les herbes folles) o é. Mas, neste semestre, vi uma obra que, de certa forma, é de alto nível. Trata-se de Cópia fiel (Copie conforme), do iraniano Abbas Kiarostami, aquele que fez Através das oliveiras, Gosto de cereja, entre outros. A cena do café com Juliette Binoche a conversar é um dos momentos sublimes dessa obra insólita, que narra o encontro de um inglês e uma francesa que partem em viagem pela bela Toscana na Itália. Lembrei-me de Viagem à Itália (Viaggio in Italia, 1953), de Roberto Rossellini, filme fundamental para a compreensão do cinema moderno, quando começa o processo de desdramatização que se aprofundou na famosa trilogia de Michelangelo Antonioni composta de A aventura (1959), A noite (1960), e O eclipse (1962).

SETARO ANDRÉ: Você gostou de O cisne negro?
ANDRÉ SETARO: Sim, Black swan me envolveu. Tirante a maravilhosa interpretação de Natalie Pottman, há, na sua estrutura narrativa, alusões a outros filmes, como De olhos bem fechados, o último opus de Stanley Kubrick, que foi mal compreendido pela crítica. Marcelo Janot, no site Críticos.Com observa bem esse diálogo existente entre Cisne negro e a derradeira obra daquele que Janot chama de o maior cineasta americano de todos os tempos.

SETARO ANDRÉ: Como o senhor vê o panorama do cinema brasileiro contemporâneo?
ANDRÉ SETARO: Tecnicamente, o cinema brasileiro já pode ser comparado aos melhores do mundo. Já se foi a época em que mal se ouvia o que se estava falando nos filmes nacionais. Temos, hoje, técnicos do mais alto nível, fotógrafos, montadores etc. Mas está faltando um élan, uma maior substância temática e uma estética mais elaborada. Acontece que a captação de recursos, se, por um lado, possibilita a realização de filmes, por outro, no entanto, inibe a criação, pois o gerente de marketing das empresas somente seleciona os roteiros com viabilidade comercial. Não há mais espaço para o surgimento de um Ozualdo Candeias, de um José Mojica Marins, entre outros cineastas que, com poucos recursos, faziam obras excepcionais (A margem, de Candeias, é um dos melhores filmes brasileiros que já vi). E o mercado exibidor está totalmente dominado pelas empresas multinacionais. Para um filme ser colocado em bom circuito é necessário que o cineasta entre em parceria com elas. O problema, portanto, reside no nó górdio do tripé produção-distribuição-exibição. O que adianta se produzir um filme, tê-lo pronto, para não ser distribuído nem exibido? Atualmente, há uma tendência verificada nos festivais de Brasília e Tiradentes da mostra competitiva se constituir de filmes de estreantes que se encaixem na categoria duvidosa de cinema de invenção. Há obras significativas, mas muitas são aporrinhantes e destinadas a cinéfilos e críticos extremados que apreciam tirar cabelo de ovo.

Neste momento, André Setaro acende outro cigarro para espanto de seu entrevistador, que reclama.

SETARO ANDRÉ: Outro cigarro, Setaro?
ANDRÉ SETARO: Bem, assim vamos terminar a entrevista para você não se tornar um fumante passivo.
SETARO ANDRÉ: (franzindo o sobrolho): Não, não, vamos continuar. O senhor viu Rio, de Carlos Saldanha? O que acha de Bravura indômita?
ANDRÉ SETARO: Rio, do talentoso brasileiro Carlos Saldanha, um extraordinário animador, é muito simpático. Quanto a Bravura indômita, dos irmãos Coen, é bem inferior ao original do mesmo nome dirigido por Henry Hathaway em 1969 e que deu o Oscar a John Wayne, que é substituído, no remake coeniano, por Jeff Bridges. Em relação aos fratelli Coen, há, por parte de certa crítica, uma superestimação de suas potencialidades criadoras. Há filmes realmente muito bons, a exemplo de Onde os fracos não têm vez, Barton Fink, Acerto de contas, entre outros, mas outros são mais formalistas (O homem que não estava lá, por exemplo), maneiristas, virtuosos. Bravura indômita, de Hathaway, tem aquele sentido de espetáculo mais rigoroso na melhor tradição do cinema americano ou, melhor, na grande tradição do cinema americano, enquanto a versão dos brothers Coen apela para efeitos de virtuose, ainda que, no cômputo geral, seja uma obra prazerosa de se assistir e, inegavelmente, Jeff Bridges é um bom ator embora a quilômetros de distância de Duke.

SETARO ANDRÉ: Tenho ainda um monte de perguntas.
ANDRÉ SETARO: Acontece que tenho, agora, um compromisso urgente. Faça-me, porém, um favor: vá ali à esquina e me compre um maço de Hollywood preto, mas se não encontrá-lo traga o vermelho mesmo. Que faça uma boa reportagem – se isso é possível.

Um comentário:

Armundo disse...

Eu, que nunca fumei, também acho uma babaquice esse negócio de reclamar e hostilizar quem acende um cigarrinho. Muita gente encontrou nessa campanha contra os fumantes um motivo para se sentirem superior a alguma coisa ou alguém. O entrevistado parece deixar implícito que "Rio" é bonitinho, mas ordinário. Nada contra.