O primeiro filme que vi com Elizabeth Taylor foi Assim caminha a humanidade (Giant, 1956), de George Stevens, épico sobre a região petrolífera do Texas, que fecha a trilogia sobre a formação dos Estados Unidos iniciada com o western poético Os brutos também amam (Shane, 1953), que tanto fascinou a geração da época, e, antes dele, Um lugar ao sol (A place in the sun, 1951), baseado no romance de Theodore Dreiser, que Eisenstein, quando na sua passagem pelos Estados Unidos, tentou filmar sem êxito. Liz Taylor me encantou pela sua beleza insólita e seus olhos cor de violeta. Em Assim caminha a humanidade, filme de três horas de projeção, Liz forma um casal com Rock Hudson que caminha junto num itinerário temporal de décadas. Era o derradeiro filme de James Dean, que morreu antes de terminar as filmagens de desastre automobilístico, e, desde então, se tornou um ícone.
O nome de Elizabeth Taylor sempre estava fulgurante nos letreiros luminosos dos cinemas dos anos 50 e 60. Ia-se ver não um filme de determinado diretor, mas um filme COM Elizabeth Taylor. A sua morte representa o desaparecimento da última grande estrela de Hollywood, dos tempos do star system, sistema que desapareceu com o declínio da chamada fábrica dos sonhos e a sua transformação em estúdios híbridos e descaracterizados comandados por executivos para os quais o cinema não passa de uma linha de montagem.
As bases de sustentáculo do império hollywoodiano eram estabelecidas pelo studio system, star system e a divisão dos filmes em gêneros. O star system promovia os astros e as estrelas que eram contratados por um longo período pelos estúdios, e havia uma propaganda maciça em torno deles ao ponto de uma mitificação completa. Para se ter uma pequena ideia, Rock Hudson, galã dos estúdios da Universal, que passava uma imagem de machão, quando veio ao Rio de Janeiro em torno dos anos 1960, Assis Chateaubriand, a pedido da Universal, encenou um beijo ardente de Hudson com uma bela garota numa praia fluminense para estampá-la em seus principais jornais com certo alarde. Hudson, homossexual desde criancinha, tinha sua opção sexual escondida a sete chaves. Na sua estadia no Rio, na verdade, Rock Hudson caiu de amores por um garçom do Golden Room do Copacabana Palace. Muitos anos depois, o ator de Palavras ao vento, em 1985, confessou estar com AIDS e que era homossexual para espanto e estupefação de seus fãs - inclusive deste que vos fala. Elizabeth Taylor, sua amiga de longa data, apoiou-o até o fim de sua vida, que foi revelada, nesta época - meados dos anos 1980 - em livro autobiográfico no qual revelava a sua esfuziante homossexualidade, chegando a contar que adorava ficar fazendo tricô para vestir seus amantes atléticos e musculosos. Como se pode observar, a imagem dos astros era mitificada e se escondia qualquer desvio de comportamento padrão, apesar das colunas de Louella Parsons e Hedda Hopper, que, ainda que venenosas, respeitavam certos aspectos da vida privada dos atores e atrizes, a fim de não macular suas imagens. Afinal de contas, Parsons (linguaruda célebre) e Hopper não deixavam de fazer parte do sistema.
Elizabeth Taylor nasceu em Londres em 1932, vindo a morrer aos 79 anos de idade de insuficiência cardíaca. Mas aos 8 anos se transferiu, com sua família, para Pasadena, nos Estados Unidos, onde viveu até o seu passamento semana passada. A Rainha Elizabeth lhe concedeu o raro título de Dame por ser tratar de uma celebridade de origem inglesa. Poucas as mulheres do mundo artístico que mereceram tal honra. Dame Elizabeth Taylor.
Descoberta por um caçador de talento, fechou contrato com a Universal aos 11 anos para participar de filmes infanto-juvenis em papéis de adolescente ingênua, ainda que com certo ar provocativo devido a sua beleza. Trabalhou em dois ou três filmes que tinham como principal atração a cadela Lassie, rival em bilheteria do cachorro Rin Tin Tin. Somente a partir dos anos 1950 é que veio a revelar seus dotes de atriz em personagens adultos, a exemplo do Um lugar ao sol, de Stevens, já citado, em que faz uma rica herdeira que se apaixona por um homem sem recursos interpretado por Montgomery Clift, que, para poder se casar com ela, apesar da oposição da família, mata a sua namorada (Shelley Winters).
Ganhou o seu primeiro Oscar de melhor atriz em 1960 pelo desempenho em Disque Butterfield 8 (1959), de Daniel Mann, e o segundo por Quem tem medo de Virginia Woolf (Who’s afraid of Virginia Woolf, 1965), de Mike Nichols, baseado em peça homônima de Edward Albee, no qual trabalhou ao lado de Richard Burton. Com este, casou-se duas vezes. Conheceu-o durante as filmagens de Cleópatra (1960/1963), tendo, com ele, uma tórrida paixão com muitas brigas, reencontros, bebedeiras homéricas, vindo a terminar o casamento em 1974, mas, ano seguinte, eles anulam o divórcio e se casam novamente na África do Sul. A mídia, na época, explorava muito as fofocas do relacionamento Burton/Taylor. Mas Richard Burton, que não parava de beber, veio a morrer em 1984 na Suiça depois de um porre homérico. Taylor decidiu parar de beber e se internou por meses numa clínica de desintoxicação. Nos seus últimos filmes, ainda em plena forma, se pode notar certo inchaço causado pela ingestão de álcool e barbitúricos. A beleza da atriz, com o passar do tempo, foi se apagando, e há anos já andava de cadeira de rodas até o desenlace fatal de há poucos dias.
Na filmografia de Dame Elizabeth Taylor, devem ser destacados, entre outros, A última vez que vi Paris (The last time I saw Paris, 1954), de Richard Brooks, onde faz, com as matizes interpretativas de uma personagem de F. Scott Fitzgerald, uma heroína romântica, e, do mesmo Brooks, Gata em teto de zinco quente (Cat on a hot tin roof, 1957), como a amargurada esposa de Paul Newman numa adaptação cinematográfica suavizada de uma peça de Tennessee Williams. E deste, com mais contundência e menos suavidade no tratamento temático, De repente no último verão (Suddnely last Summer, 1957), de Joseph L. Mankiewicz, que viria a dirigi-la novamente no famoso e megalomaníaco Cleópatra, que começou a ser preparado em 1960 e somente foi lançado em 1963, levando a Fox à falência. Não se pode esquecer Liz em Os pecados de todos nós (Reflections on a golden eye, 1967), de John Huston, como a esposa de Marlon Brando (que tem, aqui, um dos melhores desempenhos de sua carreira) como um oficial atormentado pelo desejo homossexual por um soldado raso. Com o fleumático Joseph Losey, dois filmes importantes: O homem que veio de longe (Boom!, 1967) e Cerimônia secreta (Secret cerimony, 1969). Com o estilista Vincente Minnelli, O pai da noiva (The father of Bride, 1950) e Adeus às ilusões (The sandpiper, 1964), belíssimo melodrama no qual trabalha ao lado de Richard Burton. Entre muitos e muitos outros.
Sua vida afetiva e matrimonial se caracteriza por tumultos. Casada com Michael Todd, produtor poderoso de Hollywood, perdeu-o num desastre de avião, e, logo em seguida, roubou o marido de Debbie Reynolds (Cantando na chuva), Eddie Fischer, para largá-lo assim que conheceu Richard Burton. No final de carreira, chegou a casar com um senador e, findo o enlace, um motorista de caminhão.
A morte de Liz Taylor sinaliza para o fim de um estilo de representação e um modelo de cinema, aquele dos astros e estrelas movimentados pelo star system. As celebridades, no estilo de Elizabeth Taylor, possuíam glamour, beleza e talento que foram substituídos na sociedade contemporânea pelas celebridades instantâneas geradas por um qualquer big brother, quando cada um pensa em ter seus quinze minutos de fama. O fato é que, indiscutível, com o desaparecimento da atriz uma pá de terra também se levantou para enterrar uma geração que o vento levou.
Publicado em 29 de março na revista eletrônica Terra Magazine
Um comentário:
Belo texto, Setaro. A Liz merece. Nunca fui fã dela, me irrita sua voz curta, algo fanhosa, e a tensão permanente, como se tivesse acuada em cena. Mas era linda, teve uma trajetória sensacional e tinha um caráter fascinante. Fez poucos filmes realmente bons e nesses quase sempre foi eclipsada por outros: Spencer Tracy em O PAPAI DA NOIVA, Katharine Hepburn em DE REPENTE, No ÚLTIMO VERÃo, Paul Newman e Burl Ives em GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE. No entanto, está sensacional em QUEM TEM MEDO DE VIRGÍNIA WOOLF? Gosto também dela em A ÚLTIMA VEZ QUE VI PARIS.
Abração,
www.ofalcaomaltes.blogspot.com
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