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07 novembro 2010

...E o vento levou


...E o vento levou (Gone with the wind, 1939) está a completar 71 anos de existência. Filme emblemático como espetáculo cinematográfico, característico da escola idealista do cinema no modo de representação da realidade, marcou época e, talvez, tenha sido o mais visto em todos os tempos. As constantes listas que aferem os campeões de bilheteria já não o têm entre os seus dez maiores, porque a aferição é feita em termos dos lucros auferidos e, assim, os ingressos antigamente eram muito mais baratos.

Ainda que hoje a nova geração não o veja mais, o fato é que durante as décadas de 40, 50 e 60,...E o vento levou era uma referência constante, e não havia cinéfilo, que se quisesse prezar, que não o tivesse visto. Acredito que se, atualmente, os campeões de bilheteria, Titanic ou, já a o superar, Batman, o cavaleiro das trevas, tenham obtido as maiores bilheterias da história do cinema, por outro lado, nenhum filme como ...E o vento levou tenha ficado três décadas em cartaz (com as constantes reprises habituais daquela época) e no imaginário dos amantes do cinema. Os espetáculos cinematográficos atualmente são lançados e logo retirados de cartaz e esquecidos com muita facilidade.

Emblemático como obra cinematográfica típica da indústria hollywoodiana da época, cujos sustentáculos estavam em três pilares básicos, o star system, ostudio system, e a divisão dos filmes em gêneros específicos, ...E o vento levou é um filme de autor às avessas, a contrariar em gênero, número e grau, a Política de Autores (Politique des auteurs) formulada pelos jovens turcos da revista francesa Cahiers du Cinema, para os quais o verdadeiro criador de um filme era o seu diretor (embora a admitir também que havia obras nas quais o diretor era apenas administrativo, mas, para os turcos os melhores eram aqueles que se podiam definir como de autores). Porque o verdadeiro autor de ...E o vento levoué o seu produtor supremo David Selznick e seus diretores não passam de meros diretores administrativos, coordenadores de elenco, diretores de cena.

Adaptação do romance bastante popular de Margaret Mitchell, ...E o vento levouapresenta os estertores da época esplendorosa do Sul dos Estados Unidos e sua derrocada quando da eclosão da Guerra de Secessão. Obra essencialmente intimista (idealista), que foge aos cânones do realismo cinematográfico, tem seu interesse centrado na espetacularidade e no violento choque de personalidades entre os personagens vividos por Vivien Leigh, Clark Gable, Olivia de Havilland e Leslie Howard. O conflito bélico que se instaura, como em todo filme característico do idealismo, serve apenas como pano de fundo. O centro de tudo é a personagem de Scarlett O"Hara (Vivien Leigh) e suas ambiguidades em relação aos mistérios do amor e sua esfuziante personalidade. Pese à acusação de excessiva espetacularização, não se pode negar que algumas sequências são antológicas e, mesmo com a tecnologia atual, difíceis de serem vistas atualmente com tal força de impacto, a exemplo do baile aristocrático e a do incêndio de Atlanta.

Uma rica herdeira sulista, Scarlett O'Hara, apaixona-se seu vizinho (o ator inglês Leslie Howard que viria a morrer em acidente poucos anos depois de ter participado do filme), mas este dá preferência à sua prima Melanie (Olivia de Havilland). Ao estourar a guerra, Scarlett vê-se obrigada a assumir a direção da família, e é cortejada por Rhett Butler (Clark Gable), comerciante, e bon vivant, que a salva do incêndio de Atlanta. Assediada por Rhett (no bom sentido do assédio sem as conotações perversas do estabelecido pela onda politicamente correta atual), termina por se render a seus encantos e se casa com ele. O beijo na carroça, quando ela é salva do incêndio, tendo ao fundo as chamas, que o technicolor de então oferece num tom vermelho é um assombro, para os padrões da época, entre ela e Rhett, é antológico, e figura em qualquer livro que se queira abrir sobre cinema. O caráter rebelde e instável, porém, e sua insistência no amor ao primo, e a morte de seu filho (acidente num cavalo) terminam por conduzir o matrimônio a um beco sem saída.

...E o vento levou é a mais gigantesca superprodução do cinema americano da primeira fase do sonoro. Mesmo para os padrões atuais, não se pode imaginar o êxito de seu lançamento com uma multidão de pessoas diariamente em filas quilométricas nas portas dos cinemas. Um verdadeiro fenômeno que marcou definitivamente um tempo em que o sistema de estúdios dava as cartas para o sucesso dos filmes. E, além do mais, Gone with the wind representa bem um estilo de representação não somente da realidade focada, mas um estilo de cinema que se fazia no período.

Neste particular, a obra cinematográfica mais representativa, embora excelentes filmes foram realizados neste magnífico ano de 1939, cristalização da arte clássica, segundo escreveu André Bazin: O morro dos ventos uivantes (Wuthering heights), de William Wyler, No tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford,A mulher faz o homem (Mr. Smith goes to Washington), de Frank Capra, A regra do jogo (La règle de jeu), de Jean Renoir, O mágico de Oz (The wizard of Oz), de Victor Fleming, Jesse James, de Henry King, entre muitos outros.

...E o vento levou teve vários diretores, entre eles George Cukor (que filmou quase toda a primeira parte antes da guerra), Sam Wood, e Victor Fleming (que, afinal, ficou com os créditos). Mas apesar do controle absoluto e obsessivo de David Selznick, o filme, sempre um trabalho de equipe, não seria o mesmo sem a contribuição, mesmo que administrativa, dos diretores citados, e, principalmente, de seu diretor de arte William Cameron Menzies. Vale ressaltar que entre os roteiristas de ...E o vento levou há contribuições nos diálogos de William Faulkner e F. Scott Fitzgerald. A atriz negra Hattie McDaniel, que faz a criada de Scarlett, foi indicada para o Oscar de melhor atriz coadjuvante (e ganhou), mas não pôde receber o prêmio, porque um negro não podia entrar, segundo as leis racistas da época, no teatro da entrega dos Oscars.

Para se ter uma idéia, ...E o vento levou, considerado uma fortuna para a época, custou aos cofres da produtora de Selznick apenas cinco milhões de dólares e rendeu trinta e dois. Atualmente o salário de uma atriz como Julia Roberts não sai por menos de vinte milhões (de dólares, de dólares!).

6 comentários:

Jonga Olivieri disse...

O filme marcou época. E até hoje consta da coleção (em DVD) de grande parte sos cinéfilos acima dos 50 anos. Mas assisti com meu filho (34) que gostou do filme.
Eu o revi duas vezes no espaço de um ano e meio. E continuo a acha-lo um filme assistível após tantas décadas.
Só o superou "La dolce vita" de Fellini oo qual assisti quatro vezes em 11 meses. Mas este é hours concours... Uma obra prima so cinema. Uma poesia felliniana. Algo muito mais do que um filme.

André Setaro disse...

Concordo, Jonga, e acho '...E o vento levou' um dos maiores espetáculos já feitos pelo cinema. Belo e grandioso, grandioso e belo.

Diego Damasceno disse...

Sem contar a atuação maravilhosa de Vivien Leigh. Estaria melhor do que ela mesma em A streetcar named desire? Não sei dizer qual das duas atuações prefiro.

Andrea Ormond disse...

Setaro, pensar que Vivien Leigh quase foi limada pela origem british, pelo sotaque impoluto que teve de esconder. Ofensa à bandeira confederada... Ainda na época de colégio, descobri alguns truques da filmagem, como a cena do atendimento aos recrutas (um espelho imenso bem colocado, para aumentar o número de extras, jogando com o plano espacial). Inventividade à moda americana.

Stela Borges de Almeida disse...

Dizer assim é provocar uma polêmica, requer um debate sobre a Política de Autores e seus defensores. Encontrei hoje as cinéfilas mais assumidas do seu Curso de Cinema ( assistindo o filme de Arnaldo Jabor no Glauber Rocha) elas comentavam que você tem o dever de retomar os debates que foram realizados no curso. Esperando.

pseudo-autor disse...

Um filme que está merecendo uma revisão da minha parte (e urgentemente!).

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http://culturaexmachina.blogspot.com