O Oscar da Academia de Ciências e Artes de Hollywood sempre é dado aos filmes que ajudam a consolidar a sua indústria cultural. É uma festa destinada a consagrar os êxitos de bilheteria, que empurram a indústria para a frente. Não se pode avalizar o valor cinematográfico de um filme por causa do Oscar, pois a história mostra que muitas obras-primas foram postas a escanteio em função de uma obra de maior apelo comercial. Existem poucas exceções (se as há).
Mas o Oscar de melhor filme estrangeiro é especial e sempre ganha aquele filme mais inventivo e original (também as honrosas exceções de praxe). Uma rápida passada de vista nos vencedores dessa categoria confirma a assertiva. O Oscar de melhor filme estrangeiro é atribuído a partir de 1957 (referente ao ano de 1956) como categoria própria, mas, antes, de 1946 e 1955, havia um prêmio honorário para os filmes oriundos de outras cinematografias.
Em 1948, por exemplo, o Oscar, ainda como prêmio honorário para estrangeiros, premiou o neorrealismo italiano com a vitória de Vítimas da tormenta (Sciuscià), de Vittorio De Sica, que, dois anos depois, receberia o mesmo prêmio por Ladrões de bicicletas (Ladri di biciclette). Em 1952, na festa, a Academia reconheceu o valor de um filme japonês, facilitando seu acesso ao panorama internacional: Rashomon, de Akira Kurosawa. Ano seguinte, o reconhecimento ao cinema francês com Brinquedo proibido (Jeux interdits), de René Clement.
Quando o Oscar de melhor filme estrangeiro adquiriu uma categoria própria, em 1957, o grande premiado foi Na estrada da vida (La strada), de Federico Fellini, e, ano seguinte, o cineasta italiano é novamente premiado com As noites de Cabíria (Le notti di Cabiria). A Academia promovia os cineastas mais arejados, e diversos do modelo narrativo hollywoodiano. A tendência se fortalece com o Oscar de melhor filme estrangeiro dado ao Meu tio (Mon oncle), de Jacques Tati, para, em seguida, passando em 1960 por Orfeu negro, de Marcel Camus, filme controverso filmado no Rio e adaptação de um pela de Vinicius De Morais, contemplar o cinema sueco de Ingmar Bergman com dois prêmios consecutivos pelos filmes A fonte da donzela (Jungfrukallan) e Através do espelho (Sasom i en sepgel).
Como se pode observar, a Academia tem um referencial muito específico para premiar o melhor filme estrangeiro, dando preferência àqueles denominados filmes de arte (embora a expressão controversa). Basta dizer, e não se pode aqui ficar citando todos os eleitos, que Oito e meio (Otto e mezzo), de Fellini, ganhou o Oscar da categoria, uma obra que, na época, surpreendeu a todos pela inovação, pela estrutura narrativa complexa fundindo os tempos espaciais num contexto de tempo psicológico.
O Oscar, portanto, para filmes oriundos de outros países, sempre foi dado a filmes de cinematografias novas, por assim dizer, a exemplo de A pequena loja da rua principal (Obchod na korze), de Jan Kadár e Elmar Klós, e Trens estreitamente vigiados (Ostre asledovane vlaky), de Jim Menzel, bravos representantes do cinema da Checoslováquia na sua idade de ouro nos anos 60.
E mais exemplos: Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita (Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto), de Elio Petri, A noite americana (La nuit américaine), de François Truffaut, Amarcord, de Fellini, Dersu Uzala, de Akira Kurosawa, O tambor (Die blechtrommel), de Volker Schloendorff
Para se ter uma idéia, nos últimos anos, as obras cinematográficas premiadas com o Oscar do filme estrangeiro, foram também filmes com algum nível de inventividade ou de proposição temática bem resolvida, a exemplo de A vida dos outros (Das Leben der Anderen), obra surpreendente de Florian Henckel von Donnersmarck, Infância roubada (Tsotsi), filme sul africano de Gavin Hood, Os falsários (Die Fälscher), de Stefan Ruzowitzky, A partida (Okuribito), de Yojiro Takita, O segredo de seus olhos (El secreto de sus ojos), argentino de Juan José Campanella.
O Brasil, em mais de 50 anos de existência do Oscar do filme estrangeiro, ainda não ganhou a cobiçada estatueta, ainda que várias vezes indicado nos últimos anos: O pagador de promessas, de Anselmo Duarte, O que é isso, companheiro? de Bruno Barreto, O quatrilho, de Fábio Barreto, Central do Brasil, de Walter Salles. Destes, dois filmes foram produzidos pela família Barreto (o segundo e o terceiro). O beijo da mulher-aranha ganhou em 1986, mas não se trata de uma produção de capital apenas brasileiro.
O país que mais ganhou o Oscar de filme estrangeiro foi a Itália (com acachapantes 13 em todas as décadas – não é, portanto, à toa que um dia esta cinematografia se posicionou no cenário internacional como a melhor do mundo). Em seguida vem a França, com um cinema de força (12). Muito abaixo desses dois, com 4 Oscars cada um, a Espanha e Japão.
A recente indicação de Lula, o filho do Brasil, feita por uma comissão para representar o país vem a confirmar a força de lobby que tem o seu produtor Luís Carlos Barreto, o Barretão, que, com o filme sobre Lula, consegue ser indicado pela terceira vez. Mas a indicação, que se entenda bem, não significa que o filme seja escolhido. Sobre ser um filme que trata da vida de uma personalidade forte, e um filme sobre um vencedor, como gosta, aliás, a Academia (mas para seus filmes internos), Lula, o filho do Brasil, como expressão cinematográfica, não tem predicados suficientes para elevá-lo à categoria de um bom filme. Tem uma narrativa bem concatenada, que revela, apenas, um trabalho de carpinteiro, um artesanato que o constrói graças, principalmente, aos bons recursos de produção. Como obra cinematográfica, entretanto, não tem significação nenhuma.
Logo depois de anunciado o filme para representar o Brasil na festa americana, muitos cineastas se mostraram contra a indicação. De minha parte, ainda que não o tenha visto, mas agindo sob intuição, creio que A suprema felicidade, de Arnaldo Jabor, é a obra que possui maior nível poético.
E se se for cotejar Lula, o filho do Brasil, com os vencedores do Oscar de filme estrangeiro, a constatação vai num sentido de se ter nele uma relação de inferioridade. A indicação do filme é bem sintomática: a comissão pensou mais na personalidade do retratado do que na real expressão da obra cinematográfica.
3 comentários:
Está errado. Vi o filme do Jabor na estréia no festival do Rio e é um embuste. O filme retrata o Rio que não existiu, e mostra uma nostalgia mistificante do autor. O caso é que ele acha a realidade atual um lixo então se refugia nas lembranças de um passado que não existiu senão na sua cabeça de rabugento.
Mesmo com todos os poréns, a premiação do Oscar® ainda é o evento sobre cinema de maior visibilidade no planeta. O país que é agraciado com a indicação de melhor filme estrangeiro costuma despertar o interesse do público e da mídia especializada para a sua cinematografia. Exemplo disso é o cinema argentino, que é considerado um dos melhores realizados atualmente, que não apenas foi indicado como saiu-se vencedor na última cerimônia com a película “O SEGREDO DOS SEUS OLHOS”, de Juan José Campanella (a Argentina já havia conquistado a estatueta em 1986 com o ótimo A HISTÓRIA OFICIAL, do diretor Luis Puenzo). É de se estranhar, também, que recentemente diretores consagrados sequer inscreveram seus trabalhos para concorrer, caso de Heitor Dhalia com À DERIVA, em 2009, e Walter Salles e Daniela Thomas com LINHA DE PASSE, em 2008. Talvez a resposta esteja na escolha do candidato a candidato brasileiro: LULA, O FILHO DO BRASIL, um dos piores filmes dos últimos tempos (e isso não é nenhuma opinião tendenciosa ou partidária). Lamentável que o Minc e o seu comitê tenham abandonado os critérios técnicos em favor de um jogo político desnecessário. Continuando assim, não veremos um representante nacional na disputa do Oscar® tão cedo. Cinema não é Copa do Mundo, como a Rede Globo faz parecer, então não haverá problema algum em torcer pela Argentina.
O pior mesmo foi a escolha do filme que vai representar o Brasil.
Você conhece quantas pessoas que o assistiu? Piada!
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