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15 agosto 2010

O Professor Aloprado, de Jerry Lewis


Já publiquei este comentário há alguns meses. E, também, há alguns anos. Mas é preciso sempre enfatizar a importância de Jerry Lewis como autor de filmes, como um dos realizadores mais importantes do cinema americano, que amarga hoje certo ostracismo nos círculos cinematográficos. Parece que estão esperando a sua morte para que seja considerado um gênio da chamada sétima arte. Inventor de fórmulas, Jerry Lewis foi, a partir mesmo de seu primeiro longa (dirigido por ele), O mensageiro trapalhão (The bell boy, 1959), uma surpresa e uma revelação.

A versão de O Professor Aloprado (The Nutty Professor), com o histriônico Eddie Murphy, é significativa da distância quilométrica que existe entre a comediografia americana contemporânea e a do pretérito. Enquanto nos dias atuais inexiste uma, por assim dizer, poética do gag, havendo, isto sim, uma exacerbação das situações num speed escatológico ou na procura nerd do ridículo, mas, sempre, sem nenhuma inventividade cinematográfica, as comédias de tempos idos evocam o riso pela imaginação criadora, quer do ponto de vista da fábula, quer do ponto de vista da narrativa fílmica. Assim faz-se necessário, aqui, relembrar com urgência urgentíssima a genialidade de Jerry Lewis, um dos maiores comediantes do cinema em todos os tempos, e de seu singular O Professor Aloprado (1963), obra-prima, sem dúvida, não só da comédia mas do cinema. Artista criador, revolucionário mesmo na concepção de uma mise-en-scène originalíssima, Jerry Lewis é um poeta ou, como disse Jean-Luc Godard, "o mais progressista cineasta do cinema americano dos anos 60".

Versão (ou inversão?) de O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, O Professor Aloprado conta como um pacato e modesto professor de química, feio, dentuço, desengonçado e mal ajambrado, consegue criar uma fórmula capaz de lhe impor a beleza e o charme. Apaixonado por uma de suas alunas (Stella Stevens), ele tenta conquistá-la quando toma a poção mágica e vira o charmoso Buddy Love. A fórmula, no entanto, tem duração limitada e, de repente, a criatura se transforma, aos poucos, no criador, principalmente nos momentos idílicos entre Buddy e Stella, mas ele, sabidamente, desaparece. Buddy Love provoca celeuma na escola, deixando, estupefatos e apaixonados, desde a secretária (a lewsiana Kathleen Freeman), as alunas, e até o grave e circunspecto diretor. O clímax se dá no baile de formatura no momento em que Buddy, o convidado de honra, se metamorfoseia no desengonçado professor.

A inventividade de Jerry Lewis no plano da linguagem cinematográfica é imensa. Cenas brilhantes que se encontram em qualquer antologia que se preze da comediografia cinematográfica: (1) o processo de transformação do professor Kelp em Buddy Love com um extraordinário uso da cor poucas vezes observado na história da arte do filme: (2) a câmera subjetiva em lugar de Buddy finda a metamorfose(e ainda quando o espectador não sabe do resultado) e o espanto dos transeuntes que circulam na porta da buate; (3) a sequência do ginásio traduz com absoluta perfeição a frustração essencial do personagem lewisiano diante da mitificação esportiva norteamericana; (4) a ambiguidade estampada no close up de Stella Stevens quando Buddy inicia os tiques diccionais de seu criador; (5) o professor a olhar e imaginar Stella na porta da sala em várias mudanças de sua indumentária; (6) depois da noite perdida, e de ressaca, o professor pálido, na aula, ouvindo, desesperado, o ruído exagerado do giz riscando o quadro, a aluna que assoa o nariz, etc, numa conjugação funcional da imagem e do som; (7) toda a seqüência do baile de formatura em especial a cena da transformação da criatura no criador; entre muitas outras.

Lewis desmistifica o espetáculo, revelando seus códigos com uma coragem inusitada para a linguagem da época. O final é de uma terrível elegância, quando os principais atores, um a um, como se estivessem num palco de teatro, agradecem enquanto seus nomes são creditados na tela. O último é Jerry Lewis que, literalmente, quebra a lente da câmera. Este artista mal compreendido, que somente vem a receber o respeito crítico a partir do número especial que lhe dedica o sisudo Cahiers du Cinema, é o máximo representante da comicidade non sense do cinema americano posterior a 1945. Lewis parodia, com seus filmes dirigidos nos anos 60, e com singular acerto, as frustrações psicológicas do american way of live com uma extraordinária utilização imaginativa da técnica do gag.

Cantor das orquestras de Jimmy Dorsey e Ted Florita, Jerry Lewis (Joseph Levitch, New Jersey, 1926) forma dupla com Dean Martin em 1946, atua em televisão e rádio, e, em pouquíssimo tempo, torna-se popular coast to coast em toda a América. A dupla mais burlesca do mundo do espetáculo logo é convidada para ingressar no cinema - e isto se faz através da Paramount. Entre 1949 e 1956, quando Lewis começa uma extraordinária carreira solo sob as ordens de um mestre da comédia: Frank Tashlin. Aliás, a sua separação de Dean Martin revela que o êxito da dupla radica fundamentalmente no talento cômico de Lewis. Artistas e modelos (1955), filme que assinala a sua estréia sob a direção de Tashlin, dá início a uma série de títulos que se constituem em agudas sátiras da sociedade norteamericana expostas com um estilo refinado que se aproxima algumas vezes do cartoon e das hisrtórias em quadrinhos.

É, porém, quando Jerry Lewis decide montar uma companhia independente (a Jerry Lewis Productions Inc.) que emerge o seu gênio. Desde O Mensageiro Trapalhão (The Bellboy,1960), obra de estréia, o indicativo da originalidade na arte de conceber a mise-en-scène está presente. Neste filme, não há progressão dramática mas uma sucessão de "sketchs", assim como Mocinho encrenqueiro (The errand boy, 1961). O Terror das mulheres (The ladie´s man, 1961) deslancha a sua fase de obras-primas absolutas (se é possível a um artista ter mais de uma obra-prima!). Filme que representa na obra de seu autor um inequívoco manifesto sobre a concepção da mulher e uma irrefutável fulminação do matriarcado, O Terror das mulheres é delirantemente desmistificador (a partir mesmo do cenário, uma grande mansão na qual os segredos do décor são revelados ao público).

Vem O professor Aloprado em 1963 e, em seguida, O Otário (The Patsy, 1964), outra obra magistral, onde aperfeiçoa, amadurece e enriquece definitivamente o seu estilo: a crueldade que consiste em fazer rir de si próprio; a magistral utilização do showburn; o gosto do espetáculo e a vontade em revelar ao espectador o décor, o desdobramento de sua personalidade autor-ator, a explosão em personagens múltiplas,etc. Lewis continua a filmar, tem uma crise nos anos 70, mas seus maiores filmes, os geniais, estão na década de 60. Como este O Professor Aloprado.

2 comentários:

pseudo-autor disse...

O Professor Aloprado não é o meu preferido de Lewis, mas com certeza está anos-luz daquela baboseira que o Eddie Murphy fez.

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Anônimo disse...

Valeu Setaro!
Belo texto.
Abraço
Francis Vogner