Gibraltar e as bicicletas é um repertório de influências que traduz a visão de mundo e a visão de cinema de jovens que se exercitam na arte da expressão cinematográfica. As influências porventura existentes não prejudicam, muito pelo contrário, a singularidade da obra, que tem um estilo pessoal e envolvente. Exercício de cinema, o filme, realizado por estudantes da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, é a prova mais cabal de que o talento é o fator gerador da expressão, porque Gibraltar e as bicicletas já pode ser considerado uma prévia do que está por vir. Sobre ser uma obra experimental no sentido de que os seus autores ainda são amadores, e experimentam a veiculação cinematográfica de suas idéias, Gibraltar e as bicicletas traduz um sentido de cinema bem aguçado em seus 6 minutos e pouco de duração, um sentido de cinema que acolhe o surrealismo do relato, o expressionismo de sua fotografia irrealista, e uma jovialidade que se aproxima dos bons tempos da nouvelle vague.
Um homem e uma mulher se encontram num quarto (o quarto de Acossado/A bout de souffle, de Jean-Luc Godard?) e conversam sobre o aleatório. A interlocução entre os dois remete aos diálogos godardianos nos quais há sempre uma indagação não respondida e uma perplexidade que paira no ar. Em certo momento, um deles diz: "Isto aqui é um filme!" Ou: "E se o filme acabar, a gente vai até Gilbratar de bicicleta." O discurso cinematográfico, portanto, remete a si mesmo, provocando uma metalinguagem. É um filme, de certa forma, godardiano sem, contudo, existir godardices - tão comum em obras de iniciantes - e, por acaso, inciantes que possam conhecer o autor francês.
Mas é a sua estrutura audiovisual que oferece a Gibraltar e as bicicletas os seus maiores atributos. Os enquadramentos elaborados, a insistência nos planos de detalhes, o uso do contre-plongée funcional, a utilização do espaço exíguo do quarto e sua planificação eficiente, a fotografia expressionista, os signos (como os balões vermelhos), a utilização de materiais de procedências diversas (os letreiros, o insert de um momento de Ladrão de bicicletas, obra-prima do neorrealismo italiano de Vittorio De Sica, o touch surrealista do relato com a surpresa final etc).
Cinema, como se cada filme fosse um pedaço de um sonho, Gibraltar e as bicicletas pode ser visto como uma obra de excelência na enxurrada de filmes feitos em digital nos quais a inexistência de um sentido é um denominador comum.
Palmas para toda a equipe: Marccela Vegah (que dirige), Ananda Lima (roteiro), Raísa Andrade, Ana Carol Andrade, Fernando Vivas (o fotógrafo), e Matheus Pirajá Camarão (que o montou).
Habemus cinema com Gibraltar e as bicicletas.
6 comentários:
Adorável, o curta.
Anemic ! (não anêmico)
Blow out, Blow up !
Vida inteligente no deserto digital.
O melhor do século XX pelos melhores do século XXI.
Gilbratar atropela com suas bicicletas as imagens e sons imbecis da "pós-modernidade".
Dois atores incríveis à beira de um close-up.Balões lamorisseanos no ar colorindo o écran do futuro.
Roteiro, fotografia,diálogos, planos,montagem,cenografia...de tirar o fôlego.
Com estudantes assim vale a pena o sacrificio do ensino.
gostei do curta, mas com ressalvas à estética e aos atores.
uma realização de valor, sem dúvidas.
Romero Azevêdo, alguns comentários acima, já disse tudo de forma poética e brilhante, meu caro professor Setaro.
Acho que a sua turma na UFBA é excelente e produziu um material com um resultado impecável; conforme aliás você já descrevera na sua postagem.
Quer dizer: a mim resta bater palmas... De pé!
Conhecedores da arte do filme (Romero, professor de cinema em Campina Grande, Jonga...) apostam neste filme dos estudantes da Facom. Tenho dito!
E para além de bater palmas de pé, postei o filme no FaceBook. Ele, pelo seu valor o mereceu!
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