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03 janeiro 2010

Em busca da antiga magia do cinema




Volto de férias. Estive no Rio de Janeiro, que continua, ainda, uma Cidade Maravilhosa. O texto abaixo foi publicado há poucas semanas na revista eletrônica Terra Magazine. E o cartaz é do inesquecível Em busca de um homem (Will success spoil Rock Hunter?, 1957), do grande Frank Tashlin, que, ao que tudo indica, influenciou Billy Wilder em Se meu apartamento falasse.

O fato é que, com o surgimento dos novos suportes, com o avanço da tecnologia, que possibilita a visão de filmes “em qualquer lugar”, a magia das salas exibidoras desapareceu. As imagens em movimento se tornaram rotineiras. Nasce-se, hoje, vendo-as no televisor acoplado na parece do hospital enquanto ainda se está a sair para a vida. Todo mundo pode, atualmente, fazer um filme. Faz-se filmes como antigamente se fazia poesias. Mas isto não quer dizer que eles sejam poéticos (alguns podem sê-los). E o velho cineclube? Ainda teria a mesma função, o mesmo fascínio, a mesma curiosidade? Em alguns lugares, as sessões, por assim dizer, cineclubistas, ainda funcionam, a exemplo das concorridas sessões do Comodoro, patrocinadas pelo cineasta Carlos Reichenbach na capital paulista. Mas, creio, são exceções que fogem à regra. O “negócio”, nos dias que correm, se encontra em baixar filmes da internet. E, com isso, aquele reverência que se tinha, diante das imagens em movimento, se perdeu no tempo. As coisas mudam, porém, e, com elas, a recepção ao filme se tornou um ato rotineiro sem o tão necessário encantamento e assombro. Na verdade, está a acontecer uma revolução no modo de ver o filme, e esta revolução tem que ser assimilada, compreendida. O cinema que se tinha, nos moldes de antigamente, está morto. A sentença de morte foi dada poeticamente por “Cinema Paradiso” (“Nuevo Cinema Paradiso”, 1989), de Giuseppe Tornatore. E, também, na mesma época, por “Splendor”, de Ettore Scola. Mas, e a respeitar aqueles que gostam de ver filmes na telinha do computador, devo dizer, em alto e bom som: recuso-me, peremptoriamente a ver filmes na telinha do aparelho informático. Vejo-os muitos em DVD. Pode acontecer, em alguns casos, para falar a verdade, e a verdade verdadeira no sentido kantiano, de assistir a filmes baixados na internet se convertidos em DVD, mas que sejam obras raras, que não as tenha visto e que sejam importantes.

Com o advento do VHS, do laser-disc, do DVD, e, agora, com a possibilidade de se baixar quase tudo da internet, a pergunta que se quer fazer é a seguinte: ainda haveria condições de ser ter um clube de cinema nos moldes do de Walter da Silveira nas décadas de 50 e 60 em Salvador?

Naquela época, difícil era se ver certos filmes, que ficavam restritos às cinematecas. O mercado exibidor se restringia aos lançamentos e as constantes reprises de filmes de sucesso. Como, nos anos citados, assistir aos filmes neo-realistas, aos do expressionismo alemão, às obras mais independentes de cinematografias desconhecidas, às obras do realismo poético francês, à vanguarda da estética da arte muda? O único jeito era a viagem e, assim mesmo, o mais certo seria ao exterior, às cinematecas de Nova York ou a de Paris, além de outras importantes da Europa. Aqui no Brasil, existiam, mas ainda incipientes, as cinematecas do Rio e de São Paulo (esta com um acervo mais versátil). Salvador não tinha nenhuma possibilidade de constituir uma cinemateca.


A importância de Walter da Silveira (que boa parte da nova geração não sabe quem foi, apesar de nome de sala alternativa nos Barris) foi justamente a de, com a fundação do Clube de Cinema da Bahia, trazer filmes especiais, essenciais à evolução da linguagem e da estética cinematográficas. Walter da Silveira fez ver, aos baianos de província (mas uma província muito agradável bem diferente da cidade engarrafada de hoje), que o cinema, além de um bom divertimento, era, também, a expressão de uma arte. O próprio Glauber Rocha, quando de sua morte, em novembro de 1970, em artigo para o Jornal da Bahia, confessou que o ensaísta fora seu grande mestre, que aprendeu a ver cinema através das palavras de Walter da Silveira. E conta, num artigo, o esporro que este lhe deu, quando, numa exibição de "O encouraçado Potemkin", numa sessão matutina no cinema Liceu, conversava, durante a exibição, com um amigo. Walter, percebendo o "arruído", deu-lhe tremendo esporro, segundo palavras do próprio Glauber que, conta, nunca mais falou durante a projeção de um filme, tal a indignação do mestre diante do jovem tagarela.


Atualmente, no entanto, com a facilidade existente, pode-se ver um raro filme antigo, a exemplo de "Ordet, de Carl Theodor Dreyer, famoso cineasta dinamarquês, em boa cópia em DVD. Este filme, há poucos anos, somente seria possível ser contemplado na cinemateca de Henry Langlois, em Paris. Outro dia, vim a saber, um conhecido baixou da internet, em cópia decente e legendada, "As estranhas coisas de Paris" ("Elena et les hommes", 1956), com a bela Ingrid Bergman e Jean Marais, filme difícil de se ver (nunca passa na televisão e não tem no disquinho).


Há dois anos, tentou-se implantar um cineclube na Faculdade de Comunicação. Com excelente programação. Retrospectivas de Kubrick, Buñuel etc. Mas os alunos, antes de entrar, perguntavam se os filmes estavam disponíveis em DVD. E davam meia-volta, volver.


Uma vez no Rio, ao saber da exibição de "Ladrões de bicicleta" na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, em única sessão, ainda que mal tivesse chegado à cidade, corri para lá. Finda a exibição, chuva torrencial fiquei encharcado e voltei a pé para o hotel (a cidade engarrafada, tudo parado). Nos tempos atuais, faria o mesmo sacrifício? Claro que não, pois o DVD de "Ladri di biciclette" está disponível não somente para ser adquirido, mas também nas melhores locadoras da cidade.


Qual a função do cineclubismo nos dias atuais? Walter da Silveira, por exemplo, sobre ser um dos maiores ensaístas de cinema do Brasil (na Bahia ninguém nunca lhe chegou perto), era um homem, verdade se diga, à antiga, de tom grave, circunspeto, com uma gestualística bem diversa da juventude atual e, mesmo, dos menos jovens que atualmente constituem o meio circundante e intelectual, universitário. A figura de Walter faz lembrar aqueles antigos mestres universitários, principalmente os professores da Faculdade de Direito (no acento vocal, nas pausas, na maneira de expor o assunto, um "magister dixit").


Mas acontece que o mundo mudou e, com ele, a cultura. Houve um papel importantíssimo exercido por Walter da Silveira. Os realizadores que se aventuram na captação das imagens em movimento são contemporâneos de um cinema digital. Faz-se filmes até pelos telefones celulares. O Clube de Cinema da Bahia, portanto, não poderia existir - nem teria razão de ser - nesta chamada contemporaneidade. A própria psicologia de recepção da obra cinematográfica mudou. Bem, são reflexões ao acaso.


6 comentários:

Jonga Olivieri disse...

É uma realidade o que você fala sobre a decavência de um hábito que a tecnologia engoliu.
Mas, como no caso da fotografia --em que as câmeras digitais enterraram a película--, no cinema está a ocorrer um processo idêntico.
Sobreviverão as salas?
Li, certa ocasião sobre lançamentos via satélite ao redor do mundo.
Como teem mais de 15 anos que deparei com a matéria, até achei possível. Mas quando? Hoje, vejo que se os cinemas sobreviverem será desta forma.
Talvez a poesia tenha acabado mesmo!

André Setaro disse...

Sim, você tem razão.

Roberto Midlej disse...

Se a internet por um lado tornou mais fácil o acesso a algumas obras (sejam musicais ou audiovisuais), por outro, a arte está se banalizando de um jeito que não sabemos onde vai parar. E isso, sem dúvida, diminui, e muito, o encanto da obra de arte.

Gosto sim de esperar meses pela estréia de um filme nas telonas e tenho um prazer enorme em contar os dias até o lançamento do novo álbum de meu artista favorito.
Tudo isso acontece porque ainda tenho esta "reverência" pela arte, que, acredito, ainda
merece uma certa liturgia.

Sim, eu sou careta: gosto de ter minha estante repleta de CDs e, quando quero ouvir música,
adoro me levantar e escolher aquele CD que quero escutar. Não troco o prazer de apalpar um CD
pelo simples clique em um mouse!

Mas, claro, não recuso alguns prazeres que a internet me proporciona: dia desses, baixei a ótima comédia Esse Mundo é um Hospício, de Capra, que jamais foi lançada em DVD e provavelmente não
será tão cedo. E, enquanto lia esse post de Setaro, estava ouvindo o primeiro disco de Martinho da Vila, que não encontro em CD, mas pude baixar de um ótimo site. Portanto, não posso ser
estúpido a ponto de negar as facilidades digitais, mas as uso apenas como um recurso.

Dia desses, meu sobrinho me falou que queria comprar um iPod de 160 giga. Fiz as contas: é espaço suficiente para armazenar mais de três mil álbuns. "Nossa! Que maravilha!", dirão os apressadinhos. Sinceramente: quem é capaz de desfrutar desse conteúdo com a reverência
que a música merece? Se ouvir um álbum por dia, você vai precisar de DEZ ANOS para esgotar
aquele repertório. Isso, se ouvir cada CD apenas uma vez! Portanto, prefiro ouvir com atenção
e repetidamente uns duzentos ou trezentos bons discos a escutar apressadamente dez mil álbuns em toda minha vida.

O que quero dizer é que, como não sou afeito ao álcool, em vez de adotar o lema "Beba com moderação" prefiro o "Baixe com moderação"

Abraços, Roberto Midlej (e você, Setaro, quando faz uma visita à Casa de Cinema?)

André Setaro disse...

Caro Midlej,

Bela reflexão sobre esta infernal atomização internética. Dia destes, quando menos esperar, darei as caras por aí em sua locadora.

Anônimo disse...

com o cinema digital ficou mais facil de se fazer cinema. as copias em pelicula são fabricadas apenas para o cinema e caras de serem copiadas. fazer um filme digital sai mais barato por não ter que gastar dinheiro com a distribuição (já que o filme é enviado para o cinema pelo computador) dinheiro este que pode ser gasto com a publicidade do filme.
filmes não devem ser pirateados, pois são o "ganha pão" de milhares de pessoas no país. para que o mercado cinematografico brasileiro possa crescer tem-se que adotar umalei anti pirataria como nos EUA, onde alem de ir preso o "cidadão" tem que pagar 250 mil dolares.

Anônimo disse...

os estudios de cinema não se importam com o classico. basta pegar um filme do Hitchcock lançado pela Universal que no inicio do filme você vai ver que quem realmente fez o filme foi a Paramout. falando do do mesmo cineasta, suas primeiras obras (os filmes mudos) não se encontram em DVD, mas são encontradas na internet. quem quer assistir a uma destas obras do mestre do suspense não tem outra auternativa a não ser fazer o que não deveria ser feito.