Seguidores

07 janeiro 2010

Duas palavrinhas


1) Houve um tempo em que o cinema italiano era um dos melhores do mundo - se não o melhor. Havia os gênios, Fellini, Antonioni, Rossellini, Visconti, entre outros, e um pessoal do segundo escalão (que atualmente estaria no primeiro plano) de grande inventividade e inteligência. Penso, agora, em Pietro Germi e em seu Divórcio à italiana (Divorzio all'italiana, 1962), que poderia dizer, sem medo de errar, que é um dos filmes mais extraordinários que vi em toda a minha vida. Marcello Mastroianni tem, aqui, um de seus melhores papéis no cinema. E trabalha ao lado da belíssima Stefania Sandrelli. Mas o que dizer também de Dino Risi, autor de tantas comédias inesquecíveis, a exemplo de Aquele que sabe viver (Il sorpasso), Férias à italiana (L'ombrellone, com Enrico Maria Salerno e Sandra Milo), entre outras tantos. E de Mario Monicelli, realizador de O incrível exército de Brancaleone (L'armata brancaleone), A grande guerra (La grande guerra) etc. A Itália parecia, nos anos 50 e 60, que tinha o cinema nas suas veias, nas suas entranhas: Valério Zurlini (extraordinário que tem, aqui no Brasil, como seu maior exegeta, Carlos Reichenbach), Damiano Damiani, Florestano Vancini, Francesco Marzelli, Francesco Rosi (O bandido Giuliano/Salvatore Giuliano é uma obra-prima do cinema), Alberto Lattuada (que comédia deliciosa Venha tomar um café conosco/Venga prendere il caffè da noi, com um soberbo Ugo Tognazzi), Elio Petri (magníficos Os dias são numerados/I giorni son contati, Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita), Mauro Bolognini. Vou parar por aqui, porque, citando de memória, posso omitir algum do segundo escalão que seja também muito importante. Segundo escalão, vírgula, pois realizadores admiráveis, mas acontece que eram abafados por gente como Visconti, Fellini, Antonioni. O que resta hoje do cinema italiano? Marco Bellocchio, talvez. Ou Giuseppe Tornatore, autor de belíssimos filmes como Cinema Paradiso, O homem das estrelas, Estamos todos bem, Malena etc. E quem ainda se lembra de Steno?


2) O final de La dolce vita é de uma beleza impressionante. Marcello, após uma notte brava, encontra, ao alvorecer, na praia, um peixe enorme putrefato objeto da curiosidade dos passantes, e, de repente, avista a jovem da barraca, o anjo úmbrio, que lhe acena, mas ele, deprimido, apenas a olha. Um close up dela encerra o filme, quando os créditos se levantam segundo o ritmo da partitura do maestro Nino Rota. Para se ter idéia da dimensão e da importância de La dolce vita, é preciso que se tenha vivido na época de seu lançamento, quando provocou polêmicas e era falado em toda a parte. Na verdade, La dolce vita é um discurso moral sobre a decadência da civilização ocidental. A estrutura narrativa se estabelece como uma espécie de afresco, de mosaico, sem in crescendo, com blocos narrativos que vão se encaixando. Representa também La dolce vita um corte longetudinal na filmografia de Federico Fellini. Havia um Fellini antes de La dolce vita e outro após esta tormentosa obra-prima. 8 e meio é um filme maior, de importância indiscutível, mas, sem querer diminuir o gênio felliniano, nos seus últimos filmes há uma fellinização, por assim dizer, do próprio autor. Amarcord, no entanto, é uma obra-prima dentro de outras obras-primas, como La dolce vita. Noutro dia, conversando com uma viúva de Glauber Rocha, ela me disse que Glauber Rocha não gostou de La dolce vita. Mas e daí? Que tenho eu com isso? Para a viúva glauberiana, se Glauber não gostou o filme não presta.


A foto é de um momento sublime de Divorzio all'italiana, com Mastroianni.

7 comentários:

Anônimo disse...

A Trilogia de Valerio Zurlini


Quando o cinema
nos leva há um tempo
e espaço longe deste
em que vivemos (sem
nos descolarmos dele), então nós descobrimos finalmente que existiu
um cineasta chamado
Valerio Zurlini




Verão Violento (Estate Violenta, 1959), A Moça com a Valise (La Ragazza com La Valiglia, 1961) (imagem acima) e A Primeira Noite de Tranqüilidade (La Prima Notte di Quiete, 1972) são os filmes que compõem o que Antonio Costa chama de Trilogia da Riviera Romagnola, do cineasta Valerio Zurlini. Com este nome Costa se refere a uma região da Itália muito conhecida como cenário para filmes que se passam nas férias e que, por sua vez, tem relação com a fase do Milagre Econômico italiano – uma época em que as pessoas passam a dispor de mais dinheiro e tempo livre.

Anônimo disse...

Rimini, a cidade natal de Federico Fellini está localizada no litoral da Emilia Romagna. Uma cidade a qual o cineasta se refere, direta ou indiretamente, em seus filmes. Na mitologia do cinema italiano, Rimini é a cidade das férias a beira mar, ponto de referência de um “cinema balneário” – ou de comédia de balneário. Toda uma nova iconografia, distante do Neo-Realismo italiano, aflora: a praia a barraca de praia, o carro popular, a auto-estrada, as canções da época, dão forma a uma mitologia do consumismo motorizado e de feriado. (imagem ao lado, Verão Violento)
Como Fellini, embora com diferente sensibilidade, Zurlini é um exemplo da fidelidade de um autor a uma paisagem, a um “clima figurativo”. Antonio Costa chama atenção para a abordagem de Zurlini em relação à pintura de Morandi, para exemplificar a maneira como o cineasta mostra aquela região italiana. A propósito de Morandi, Zurlini escreveu: “tendendo a afastar-se sempre mais da própria geografia real, da própria essência física para ganhar a duras penas e incrível certeza o tempo do espírito, o secreto e despido ritmo da contemplação e da fantasia” (1). No cinema de Zurlini, não estamos mais no tempo e no espaço onde aparentemente nos encontramos...

Anônimo disse...

Em Verão Violento, o tema da transgressão e do desejo daquele casal é reservado a um lugar autônomo, absoluto: apenas em parte ele se deixa contextualizar, apenas em parte se deixa “situar” pelo filtro da memória histórica. Mesmo nas várias cenas realistas, Zurlini dá maior ênfase à dimensão psicológica e individual – como nas cenas em que assistimos a reação da multidão ao fim de Mussolini ou ao ataque aéreo no final do filme. A estória é ambientada em Riccione, e os locais de férias vêm “datados” através da dança da época, com uma música que produz um estranhamento em relação às imagens e sons do Fascismo.

“Já neste primeiro capítulo da trilogia, Zurlini se coloca naquela ‘tradição dos cineastas da paisagem’, segundo a definição de Jean Gili, tornando essencial a escolha da ambientação, que se torna ‘parte integrante da obra’, e não elemento puramente decorativo” (2)

Em A Moça com a Valise (imagem acima), a ambientação costeira é evidente, em elementos de uma iconografia do ambiente de férias: o bar, a máquina de música (jukebox), os cartazes publicitários, a praia, a estação ferroviária (uma estação em Rimini, ao mesmo tempo reconhecível e abstrata). O desenvolvimento da trama, a vida da mulher vítima de um mundo cínico e vulgar e o amor impossível de um adolescente, encontra seu clímax nas mais óbvias e banais situações das cidades balneário. Mas é justamente neste cenário que o drama do adolescente encontra um sotaque de intensidade e verdade singular.

Anônimo disse...

Em A Primeira Noite de Tranqüilidade (imagem acima), Zurlini retorna a Rimini durante o inverno. Apesar de algumas cenas externas detalhadas, como a da Praça Cavour onde Gerardo estaciona seu Miura, Zurlini privilegia interiores sujos ou de decoração desalinhada, paisagens nebulosas, vistas marinhas ou detalhes da praia: privilegia um espaço agora sem perspectiva (nos sentidos técnico e metafórico). Espaço desestruturado que remete a um sentimento de perda.

Espaço que Zurlini contrapõe ao cenário da Igreja em ruínas, onde Daniele e Marina visitam a imagem da Madonna del Parto (1467), de Piero Della Francesca. Nesta imagem, lembra Costa, o princípio organizador do espaço é o corpo humano, que, neste sentido, contrapõe-se idealmente a espacialidade “esvaziada” que prevalece no filme. A morte de Daniele num acidente automobilístico, Costa sugere ainda, lembra a mítica de James Dean. Mais que introduzir na estória um efeito de volta ao passado, esta escolha da direção parece querer confirmar aquela idéia de inevitabilidade de um destino de distanciamento e de perda que percorre todo o filme.

Notas:

1. COSTA, Antonio. Paesaggi Visivi e Sonori Nella “Trilogia della Riviera” IN ACHILLI, Aberto; CASADIO, Giamfranco. Elogio Della Malinconia. Il Cinema di Valerio Zurlini. Ravenna: Edizioni Girasole, 2000. P. 25.
2. Idem, p. 26.

////

Fonte:

O texto é do Roberto Acioli de Oliveira do seu blog sobre cinema italiano:

http://cinemaitalianorao.blogspot.com/2009/12/trilogia-de-valerio-zurlini.html

Jonga Olivieri disse...

Um cinema que tinha tanto diretor de qualidade excepcional, mas que se apagavam ofuscados pelo brilho dos gênios.
Sim, porque aqueles que estavam na ponta eram simplesmente realizadores que marcaram a história do cinema.
"Divórcio a Italiana", onde Mastroianni interpreta um de seus personagens mais "sui generis" é um exemplo da qualidade destes filmes.

Unknown disse...

Setaro,
erro grave nao citar Vittorio De Sica e Ettore Scola.

Mateus Moura disse...

Glauber odiava o Fellini, não só A doce vida. Mas no fim da vida fez uma "revisão crítica" sobre a sua relação com o italiano e fez o que pra mim é o maior texto escrito sobre o Federicco: "Glauber-Fellini", coisa de louco!