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30 novembro 2009

Crepúsculos


1) Apesar dos avanços tecnológicos, a recepção do filme não tem mais o impacto do pretérito, por incrível que isso possa parecer. Via-se, antes, os espetáculos cinematográficos, nas telas grandes dos cinemas e, atualmente, o filme é visto sem a necessária dimensão para se ter uma fruição perfeita. É o caso, por exemplo, das versões em digital que são exibidas no território nacional. Aqui não se respeita os formatos originais e os filmes em versões digitais, além desta desconfiguração, apresentam cópias escuras, um colorido desbotado, etc. O mais interessante nisso tudo é que nos Estados Unidos e na Europa a exibição em digital é perfeita, respeitando-se o formato original e a qualidade da imagem.

2) Por outro lado, ver filme em computador faz com que a obra cinematográfica seja diminuída. Baixa-se da internet a torto e a direito. Tenho um amigo fanático por esta baixaria que adquiriu verdadeira mania. Ontem mesmo me disse que tem, chez home, 1289 filmes baixados da internet. Quantos você já viu?, perguntei-lhe. E ele me disse que "quase 30". Isto significa que 1259 filmes devidamente baixados estão arquivados. Tal uma doença, ele se satisfaz em baixar e não se interessa muito em ver os filmes.
Não seria um caso de tratamento clínico?

3) Numa palestra no Memorial da América Latina, há alguns meses, Nelson Pereira dos Santos disse discordar da inclusão do cinema na expressão audiovisual, que, na verdade, é um saco de gatos a incluir televisão, internet, enfim, tudo que seja imagem e em movimento. Para o cineasta de Vidas secas, quando se fala em cinema o que vem logo à mente são nomes como Eisenstein, Orson Welles, Charles Chaplin, Jean Renoir, Alain Resnais, Visconti, Fellini, etc. Mas o mesmo não se aplica quando se usa o termo audiovisual. Concordo inteiramente com as suas palavras.

4) Formado no tempo das salas escuras do cinema, quando somente podia ver filmes mediante o pagamento de um ingresso, estou a perceber que estamos num processo de transformação. A época da magia cinematográfica dentro dos grandes palácios exibidores já morreu, assim como o cinema dos grandes estúdios. O cinema dos produtores, como Louis B. Mayer, David Selznick, William Fox, Adolph Zukor, entre outros. Os estúdios foram comprados por estrangeiros (Mitsubichi, Coca-Cola, japoneses...) ou por executivos que nada entendem de cinema e que visam, apenas, o chamado lucro indecente. A maior parte da produção oriunda da indústrial cultural de Hollywood é constituída de lixo, puro lixo. Bem diferente, o panorama do pretérito. Tomando como base somente a produção comercial dos estúdios, tínhamos filmes excelentes e a produção média era boa. A vontade que dá é de não se ir mais ao cinema atualmente ou se ser muito seletivo. Mas, antes, nos bons tempos, e estou aqui a constatar fatos, ia-se aos cinemas diariamente e com grande prazer. E a platéia era silenciosa, educada, não se tinha os vândalos atuais, que infernizam aquele que deseja contemplar o filme em paz e sossego.

5) Dia destes, fui ver um filme numa dessas chamadas salas alternativas nesta soterópolis e achei sua fotografia esverdeada, meio escura, e, finda a sessão, entrei na cabine de projeção, sem pedir a licença necessária, e qual não foi a minha surpresa ao verificar que o filme estava sendo projetado através de um datashow em DVD. Um absurdo! Paga-se um ingresso caro para ver filme em DVD! E desfigurado?

6) A pequenez da recepção de filmes modifica a psicologia do cinéfilo. Se, antes, o filme era fugidio e inacessível, e o espectador era escravo da projeção, hoje, passou, hegelianamente, para a condição de senhor. Se não podia interferir no tempo (salvo se entrasse na cabine e, revólver em punho, ameaçasse o operador), hoje o receptor interfere na temporalidade a seu bel prazer. Pára para beber água, atender o telefone. Avança ou recua. Faz o que bem quiser e entender. Gostava mais de ser escravo do que senhor, por incrível que pareça. O cinema era mágico, inacessível, esmagador. Lembro-me do choque que tomei quando vi pela primeira vez um filme em cinemascope.

7) Achei, au hasard, uma excelente revista eletrônica sobre cinema: Foco(
http://focorevistadecinema.com.br/). Há um estudo completíssimo sobre o grande cineasta Samuel Fuller, filme por filme, em textos rigorosos. Também uma homenagem a João Bénard da Costa. Entre seus editores, Sérgio Alpendre e Bruno Andrade. No mesmo número, entre outros artigos sobre Fuller, um especial de Inácio Araújo escrito origanariamente para a Folha de S.Paulo em 1997, quando o realizador de Paixões que alucinam (The shock corridor, 1963) veio a falecer. Para quem quiser entender o estilo fulleriano, magistral, um roteiro completo. A ler obrigatoriamente.

8) Tirante algumas dicas interessantes de pessoas não menos, a maioria das tuitadas no Twitter, a nova moda da internet, é constituída de exercícios ególatras ou mensagens caseiras, domésticas mesmo. "Acordei agorinha. Passei mal a noite", eis um exemplo. Outro: "Ufa! Afinal consegui terminar meu trabalho. He, he, he, he." Mais: "Daqui a pouco vou almoçar uma feijoada". Mais: "Que sono!!!" Pergunto: o que interessa saber se tal pessoa "acordou agorinha" ou vai almoçar uma feijoada? E o verbo Haver parece que está com os dias contados entre os internautas adeptos da msn, twitter, facebook, orkut, sonico, e congêneres. Escreve-se sem o haver: "A poucos dias, visitando o museu, encontrei um amigo". Erradíssimo. O certo seria "Há poucos dias... Analfabetismo?

9) Jose Mojica Marins já proclamou: "O melhor filme de terror que já vi foi O bebê de Rosemary, de Roman Polanski. É realmente uma obra extraordinária que funcionou como um corte longetudinal na tradição do gênero com a introdução do horror na aparente normalidade do real. Revendo O exorcista, do grande William Friedklin, que considero também uma obra fantástica, notei que a cópia posta em circulação em DVD, apesar de seus 11 minutos adicionais em relação à cópia servida nos cinemas de sua época, tem cortado o momento em que Linda Blair enfia várias vezes o crucifixo em sua vagina. É o nefasto politicamente correto a podar os filmes, a restringir a liberdade de ação, a tornar os homens mais tristes com a emergência do certinho. É por a escanteio a loucura do homem na sua expressão maior. É o fim do mundo.

10) Para terminar, um lembrete: a foto que encima este post é de minha namorada Brigitte Bardot. Dê um clique nela, por favor!

9 comentários:

bahiaflaneur disse...

2), 3), 9) : comentarios bem à propos e perfeitos. Eu concordo pleinamente.
7) Obrigado pela referencia. Sam F. é um mestre. O livro autobiografico escrito com o Jean Narboni - "Il était une fois Samuel Fuller" / éditions Cahiers du Cinéma - é obra-prima :
seria bom de traduzir-lo.

Resumo : mais uma cronica do Setaro perfeita ! risossss.

deniac disse...

Professor, apesar de nunca ter sido seu aluno, sempre degustei seus escritos através dos artigos de jornais, do extinto suplemento literário do A Tarde e agora, aqui nesse blog.

Não sou tão profundo conhecedor do cinema como o senhor, mas tento seguir seus passos e considero muito suas idéias que, de antiquadas, nada possuem.

Infelizmente, tenho um nível de renda que não me permite sempre estar dentro das salas de projeção, o que me me faz também estar incluído no que o senhor ironicamente chamou de "baixaria".

Mas claro, nada é superior a mágica da sala escura. Lá me entrego por completo e deixo minha mente perder-se na projeção. É realmente como uma viagem transcendental.

Só que às vezes, o dinheiro aperta... Então sou obrigado a dar esses golpes baixos no cinema. Mas garanto que tudo o que baixo, assisto.

E dou preferência aos clássicos que não mais serão projetados, ou ainda aqueles que jamais irão conhecer as telas brasileiras.

Então, o que quero dizer enfim é que no meu caso em particular, o download abriu-me portas para a arte que talvez eu, em minhas condições, jamais poderia conhecer.

É uma questão delicada essa. Uma faca de dois gumes que ainda não se sabe o real resultado. E se já se sabe, eu ainda não estou à par.

Enfim, sempre estou aqui. E sempre o leio de longe.

Um abraço!

Romero Azevêdo disse...

Setaro assino embaixo tudo posto acima.
Quanto aos novos costumes não sei se você conhece um que é o de ver apenas trechos de filmes e considerar que viu a obra inteira. Alguns estudantes que conheço me dizem por exemplo: "Ví a cena da corrida das quadrigas en "Ben Hur", é o suficiente para saber que se trata de um grande filme !"
Assim procedem também com livros, xerocam um capítulo( ou parte) e consideram o livro lido. É mais ou menos como o que baixou mais de mil filmes mas só viu "uns trinta".
Sou do tempo em que burrice era burrice mesmo, sem arrodeios ou estilizações.

Jonga Olivieri disse...

Sempre houve o chamado "leitor de orelha de livro".
Agora, ver cenas de um filme e considerar que o assistiu é demais!

Lúcia Leiro disse...

A questão referente ao tópico 8 é cultural. Não adianta a tecnologia se não é oferecido ao usuário condições para que ele a explore e possa melhorar a sua vida. Quantas pessoas assinam TV SÓ para ver o Brasileirão? Eu acho o fim, mas tem gente que acha o suficiente. Paciência.

Lúcia Leiro disse...

Quanto aos desvios à norma gramatical são costumeiros. Fruto de um Estado que resolveu alinhavar a formação dos jovens. Um Estado que não tem uma proposta melhor de educação para tantos jovens e que os motive a aprender a sua própria língua. Corrigir traumatiza. Lembro-me de uma época que não se devia corrigir com caneta vermelha, pois poderia traumatizar o aluno. Aliás corrigir nem pensar, aprová-lo sempre. Resultado: o trauma foi apenas protelado.

Lúcia Leiro disse...

E por falar em baixar, baixei o premiado filme de Navarro intitulado Eu me Lembro. Só achei no e-mule.

Lúcia Leiro disse...

Você tem bom gosto em ter escolhido Bardot como namorada. Se tivesse de escolher um, talvez ficasse com Mr. Peck.

Por falar em mulheres bonitas e talentosas, soube apenas hoje da morte de Cyd Charisse em 2008. Não me lembro de ter visto na TV alguma referência. Ela não era tão popular como as outras, é verdade, mas, sem dúvida, com meias de seda ou não, tinha/tem as pernas mais expressivas de Hollywood.

Bem, relendo os comentários sobre ver trecho de filmes e avaliá-los a partir disso, é complicado. Pode acontecer de se eleger filmes e até predizer se será bom ou não em se tratando de atores e diretores, mas ainda assim há um risco. Exemplo: assisto qualquer filme com Meryl Sreep, Emma Thompson, Anthony Hopkins, Kate Winslet, pois as chances de serem ruins são mínimas, mas acidentes acontecem. Acho que essa situação é diferente da que foi exposta no comentário.

Assisto qualquer filme de Hitchcock, Fellini e Truffaut, mas não vi todos e possa ser que nem todos sejam bons, mas as chances de terem feito algo de baixa qualidade é mínima. Seria preconceito da minha parte?

André Setaro disse...

Lúcidos e coerentes seus comentários, Lúcia. Enriqueceram, sem dúvida, a postagem.