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22 outubro 2008

Herberto Sales por Tuna Espinheira

Afinal, e não era sem tempo, Cascalho, o longa metragem do velho Tuna Espinheira, vai ser lançado no dia 31 de outubro em bom circuito e em cópia com som Dolby. Antes, porém, uma avant-première para convidados acontece terça que vem, 28, às 21 horas, na Sala 9 do complexo Multiplex Iguatemi. Vi o filme há quatro anos na Sala Walter da Silveira, mas sem o Dolby e numa projeção que ficou a desejar. Agora vou ter a oportunidade de contemplá-lo na sua majestade. Transcrevo aqui um artigo assinado pelo próprio Tuna, que saiu há algum tempo no Suplemento Cultura de A Tarde a respeito de Herberto Sales, o autor do romance homônimo no qual o filme é baseado. Herberto Sales nasceu em 1917 e se foi desta para melhor em 1999. A foto que ilustra este post mostra a então Prefeita de Salvador, Lídice da Matta, a condecorar o escritor e acadêmico, vendo-se, ao fundo, logo à esquerda, com seu indefectível boné, Tuna Espinheira de carne e osso (os óculos escuros estão devidamente pendurados na camisa). Mas vamos deixar de delongas e ver o que ele escreveu sobre Sales:

"Exatamente há dez anos, juntamente com meu saudoso amigo Irving São Paulo, avistei-me, pela derradeira vez, em encontro pessoal, com Herberto Sales. Era uma data emblemática, naquele 21 de setembro ele completaria 80 anos. Já em São Pedro da Aldeia, na paradisíaca Região dos Lagos, á porta da belíssima casa, construída, homeopaticamente, ao longo de mais de uma dezena de anos, nos deparamos com o indefectível aviso: "deixar jornais e revistas do lado de fora." Era estranho para um homem que viveu intensamente os meios da imprensa escrita, principalmente, com fortes ligações com os Diários Associados,com a revista Cruzeiro, tendo sido Diretor da Revista A Cigarra,etc.etc. Para os desavisados, aquela advertência poderia indicar que naquela casa morava um ermitão, um Dom Casmurro, para os que o conheciam, aquilo não tinha a menor importância.Era apenas mais uma das suas legitimas esquisitices, ou simplesmente um "calundú". A bem da verdade ele vivia indignado com o ostracismo dos bons escritores, com os livros esgotados e sem novas edições, enquanto outros, estranhos no ninho, pertencentes a mídia massiva, publicavam e vendiam desbragadamente. Esta dura realidade, refletida em todas as linguagens artísticas, retrata o momento de pobreza cultural em que penamos. Para Herberto esta coisa feria, o fazia triste, deprimido. Adentramos e no misturamos à comemoração que transcorria em ritual de alegria, brindamos várias vezes, embora, já então, problemas ligados com a saúde, já deixava bastante avexado o dono da festa. Sem mexer no humor, na cordialidade, no hedonismo prazeroso de bater um papo.

Minha aproximação com Herberto deu-se por conta e obra do seu romance CASCALHO. Quando de uma das suas passagens pela terrinha, tive a oportunidade de conversar com ele, falei da minha vontade de levar seu romance às telas. Ele topou laconicamente: "faça o roteiro". Dito e feito. Adaptado, roteirizado, e, devidamente, aprovado pelo autor, partimos para o pega-prá-capar, atrás dos meios necessários para realizar a produção. Foram anos para remover a pedra no meio do caminho. Tempo agônico. Herberto já não estava entre nos quando seus personagens se encarnaram em Wilson Mello, Othon Bastos, Gildásio Leite, Lúcio Tranchesi, Irving São Paulo, Arildo Deda, Agnaldo Lopes, Emanuel Cavalcanti, Caco Monteiro, Rosa Espinheira, Jorge Coutinho, Bertho Filho, Julio Gois e povoaram a cidade de Andaraí, na Chapada Diamantina, onde se passa a estória, nos anos trinta.

As filmagens mexeram com o imaginário da população, de um modo geral, acreditava-se que nenhum dos personagens era propriamente de ficção, os mais velhos diziam haver conhecido muitos, outros tantos eram parentes e aderentes. Por aí afora. Para eles Herberto apenas mudara os nomes, as pessoas tinham tido uma existência real e pronto. A empatia foi total, o clima foi de conivência e cumplicidade entre a equipe e a população local, permitindo formar-se um estúdio ao natural. Pedia-se silencio e todos colaboravam, o filme foi rodado, inteiramente, em som-direto, no sistema digital. Duas são as provas deste abençoado relacionamento, a primeira foi o aproveitamento integral das gravações que não tiveram necessidade de dublagens, a outra, um verdadeiro alumbramento: uma das mais alentadas Pousadas que já tinha outro nome escolhido, antes da inauguração, passou a se chamar: Pousada CASCALHO. E lá está, imponente e, sem dúvida alguma, a mais importante homenagem, até então, prestada ao autor do romance pela sua cidade natal.

Conhecer Herberto foi uma passagem enriquecedora na minha estrada, porque não dizer: motivo de orgulho! Afinal não é todo dia que se convive, mesmo por curto tempo, com um escritor que, no meu entender, e de tantos outros, escreveu, pelo menos três obras-primas: CASCALHO, "Dados Biográficos do Finado Marcolino"e "Os Pareceres do Tempo". Com certeza, deixou a marca do Zorro na literatura. O tempo, crítico soberano, sábio dos sábios, já confirmou, assinou e deu fé."

Saudades de Herberto,
Tuna Espinheira (
tunaespinheira@terra.com.br)

Um comentário:

Elisabeth disse...

Acredito que Cascalho dá um sacudida e ao mesmo tempo uma bofetada nesta política que existe no país afora, pode não ser dos coronéis, mas continua do interesse, do apadrinhamento, da hipocrisia. Rever Cascalho nas telinhas, mesmo através do olhar de outro é uma oportunidade de refletir sobre a nossa própria história.