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11 outubro 2008

Cinema, hoje, é entretenimento de uma elite

O mundo financeiro está a se derreter. Há pânico. O neoliberalismo mostrou que não pode ficar assim à solta sem um controle regulatório. O mercado não é nenhum Deus. A irresponsabilidade dos jogadores profissionais (como diz o jornalista da Tribuna da Imprensa Hélio Fernandes) conduziu a este debacle que se anuncia. O Brasil, evidentemente, na globalização atual, vai sentir, e muito, os reflexos da quebradeira generalizada. Vamos passar fome, esta a verdade, o crediário, que andava muito farto, vai ficar apertado. Viajar ao exterior nem pensar. O governo, é bem provável, terá que instalar tendas do exército para a distribuição de pratos de sopa aos esfomeados. Quem tinha uma vida mais ou menos confortável vai ter que cortar na carne muitos itens de seu lazer. Os ingressos dos cinemas vão aumentar nos seus preços. Para se ter uma idéia de Depressão, basta ver As vinhas da ira, de John Ford, Tempos modernos, de Charles Chaplin, os filmes neo-realistas italianos, entre outros. Este bloquista já comprou um isopor para vender latinhas de cerveja na praia, se é que ainda haverá alguém com dinheiro para comprá-las. E talvez mesmo este blog venha a acabar porque é bem capaz de que seja obrigado a cancelar a minha assinatura da banda larga e da tv a cabo. Resta ficar a ver DVDs e a escrever pelas paredes. A crise chegou!! Mas o que quero falar é sobre a impossibilidade, hoje, de se ir ao cinema com a constância de antigamente. Os cinemas populares, de rua, desapareceram, restam os dos complexos (Multiplex, Cinemark, Unibanco...), Mas, ainda que difícil, vamos torcer para que a Depressão não se constitua assim tão depressiva.

Sim, uma ida ao cinema atualmente significa um gasto considerável, que fura o orçamento do classe média, que está pagando a conta das bolsas familiares A verdade é que, depois do Plano Real, a economia se dolarizou, os preços subiram muito e os salários, congelados em freezer potente. Um casal para ir ao Multiplex gasta, de saída, 32 reais, considerando que o ingresso custa a 16. Se quiser se empipocar, como é de praxe, mais uma grana – e os complexos de cinema cobram muito mais nas guloseimas compradas dentro deles. Mas, uma ida a seco, e de ônibus, adicione-se aos 32 dos ingressos, os 8 das passagens (2 reais por cabeça). O resultado assinala que um filme custa 40 reais. Muito caro. E o povo, e o povo, como é que pode ir ao cinema? Já que não mais existem os chamados cinemas de rua nem os de bairros?

Se formos fazer uma comparação entre o número de salas exibidoras que Salvador tinha em 1958 e o que tem atualmente, a conclusão é uma só: os cinemas estão fechando suas portas. Com uma população de, mais ou menos, quinhentos mil habitantes, a província possuía em torno de quase trinta salas, considerando, no cômputo final, as de primeira linha, os poeiras da Baixa dos Sapateiros, e os cinemas de bairro. Para arredondar o raciocino, que se coloque trinta salas em 1958 para quinhentos mil habitantes, sendo que cada uma delas tinha, em média, mil poltronas, variando entre as salas maiores, de quase duas mil cadeiras, como o Guarany e o Jandaia, e as menores, que beiravam a mil lugares. Para não haver crescimento das salas exibidores, e considerando, sempre, a densidade demográfica, nos dias que correm – e como correm!, com uma população de dois milhões e quinhentos mil habitantes – e, aqui, nivelando por baixo, Salvador deveria ter, no mínimo, cento e cinqüenta salas, pois a sua população, entre 1958 e 2005, aumentou cinco vezes. O cálculo é simples. Multiplicam-se as trinta salas do passado por 5 e se tem o número de cinemas que a cidade deveria ter e, repetindo-se, sem haver crescimento. Mas atualmente o que se tem é um máximo de trinta e cinco salas e cada uma com um máximo de 400 lugares, a maior parte se localizando nos complexos chamados Multiplex.

Então que se faça uma nova contagem, considerando que cada cinema, em 1958, tinha em média mil lugares e, hoje, trezentos. Trinta vezes mil, em 1958, é igual a trinta mil. Que se coloque, para ficar bem claro, em números inteiros: tinha-se, na província, nesta época, 30.000 lugares e, se o número for multiplicado por cinco, porque a população cresceu cinco vezes, tem-se o número redondo de 150.000. Este, o número que, para não se constatar crescimento, mas, apenas, manutenção, deveria a cidade possuir em número de lugares. Mas o que se tem atualmente? Com a média de 400 lugares e 35 salas, fazendo-se a multiplicação, o resultado é de 14.000 lugares. Que diferença brutal!

Se antigamente o povo ia muito ao cinema, hoje, como disse Gustavo Dahl no seminário internacional de cinema e audiovisual, não tem acesso a ele. O cinema, que era um meio de comunicação de massa, atualmente é um veículo cujo acesso somente é possível à elite. Antes, existiam os cinemas de primeira linha, lançadores, que ficavam concentrados no centro histórico, os poeiras da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. Luiz Carlos Barreto, que conhece muito bem a mercadologia cinematográfica, afirmou, em recente entrevista no Canal Brasil, que o ingresso custava em torno de um dólar e, nos cinemas de segunda, cinqüenta centavos. É como se hoje o ingresso para entrar numa das salas do Multiplex custasse dois reais e cinqüenta centavos, a inteira, a inteira! Mas quanto custa realmente? Em torno de quatorze reais. Como uma pessoa que ganha a miséria do salário mínimo pode freqüentar as salas de exibição? Ir com a família ao cinema? Nem pensar.
O Plano Real dolarizou a economia de uma forma perversa. O povo está excluído do cinema, assim como a chamada classe média baixa. A conclusão é estarrecedora e reveladora: apenas dez por cento da população baiana pode ir ao cinema, sendo que dois milhões e tanto de pessoas estão completamente fora da rota cinematográfica. Constatou-se, em pesquisa recente, que a maioria dos baianos nunca foi ao cinema. Um grupo organizou uma sessão cinematográfica num bairro periférico e o que se viu foi espantoso. As pessoas ficaram maravilhadas pelas imagens em movimento, pois estavam a contempla-las pela primeira vez. E isto aconteceu na região metropolitana de Salvador!

Na década de 50, o Brasil tinha perto de dez mil salas exibidoras. Em 1975, já se contavam apenas cinco mil. No ano passado, chegou a mil e novecentos. Os cinemas interioranos fecharam suas portas. Assim como aqueles de rua, como os antigos e inesquecíveis da Baixa dos Sapateiros e os de bairro. O que se constata é que os cinemas estão sendo construídos para o usufruto de uma elite que pode pagar os quatorze reais de ingresso, ainda a se refestelar com as guloseimas caríssimas que lhe são oferecidas no fast food. O público se infantilizou e se idiotizou. Ir ao cinema, antes um ritual, uma solenidade, uma função, atualmente é comparável a uma ida ao fast food.
Triste país!

5 comentários:

Anônimo disse...

Não frequento mais cinema porque acabaram com as telas grandes (aqui em SP)as salas que restaram foram divididas em 2 ou 3 salas menores;para assistir o filme numa tela um pouco maior que 50 polegadas prefiro ficar em casa.

Jonga Olivieri disse...

Parece saudosismo. E, como por hábito, digo que é mesmo!
Cinema era um fenômeno de massas. Hoje entradas de cinema custam quase o preço de as de teatro. Teatros que, aliás, costumam fazer promoções e temporadas populares, ficando até mais baratos.
Isso fora a grandiosidade dos cinemas. Aqui no Rio, tínhamos o São Luiz e o Veneza que eram sensacionais.
Era emocionante ver as luzes se apagarem com cores diferentes, o gongo anunciando que a sessão ia começar. Eram geralmente três gongadas e aí começavam os trailers, os cine-jornais, os shorts... Êta tempinho romântico.
E o precinho, óóó, lá embaixo.
E nesse sentido você acertou em cheio. Virou programa de rico. Pobre não vai mais ao cinema. Simplesmente porque não pode.
Por isso diminuíram tanto em número de salas, e, principalmente de lugares disponíveis.
Ainda por cima não havia essa mania de refrigerantes e hamburgueres, sem contar as pipocas. Aquele buraco para o copão de Coca-Cola me incomoda demais.
Tinha o baleiro. Principalmente aí na Bahia. Lembro-me bem, no Excelcior do baleiro andando e vendendo seus "queimados".
Em outros, as bomboniéres e aquela quantidade de drops e outras guloseimas que combinam muito mais com o cinema.
Vamos ser saudosistas, porque a coisa mudou muito. E para pior!

Anônimo disse...

Caro Setarto, como sempre muito oportuno o post. Faço um adendo: o povo está alijado das salas mas não dos filmes. A vingança´dos excluídos é a pirataria. Hoje pode-se adquirir um filme por um dólar( o mesmo prteço do ingresso no passado) e, para os que gostam, se a Coca-Cola é inacessível tem as tubaínas bem em conta e a pipoca tostada no microondas comprado " a perder de vista" na Insinuante. O povo, caro Setaro, é como uma mola pregada na parede. O sistema comprime até encontrar o ponto limite, nesse instante a mola volta violentamente contra a cara de quem a pressionou. É uma lei da física e do capitalismo selvagem.

André Setaro disse...

"A vingança dos excluídos é a pirataria", diz Romero, que andava sumido daqui, talvez por causa de sua douta tese. Mas ele tem razão. E Jonga também tem toda razão: o cinema, nos moldes daquele que conhecemos, é uma miragem, hoje, no deserto. Para quem o conheceu, apenas a saudade e a constatação de uma mudança violenta.

Jonga Olivieri disse...

Você falou de crise. Tem uma coisa que é muito importante em tudo isso. Durante a Grande Depressão, o cinema foi o maior canal de "escape" para o povo.
Está certo que naquela época não havia ainda a TV. Muito menos o DVD. Hoje, sem dúvida esses canais vão ser a fuga do povo em busca da "felicidade"...
Outra coisa: o cinema começou a se popularizar a partir dos "Nickel Odeons", a centavos de dolares nos Estados Unidos.
Quer dizer, esta elitização do cinema é ir contra a sua própria origem.
Algo inacreditável!