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06 março 2008

E o sangue semeou a terra



O western, o cinema americano por excelência, na definição do crítico francês André Bazin, tem em Anthony Mann (1906-1967) um de seus expoentes (ao lado de Ford, o maior de todos, Raoul Walsh, Howard Hawks, Budd Boetticher, entre muitos outros), como comprova a visão de E o Sangue Semeou a Terra (Bend of the River, 1951), um dos muitos filmes do gênero que realizou com James Stewart (a parceria entre os dois ainda se dá em Winchester 73, 1950, O preço de um Homem/The Naked Spur, 1952, Região do Ódio/The Far Country, 1954), etc, westerns exemplares e que configuram o sentido de espetáculo do cineasta.

Em E o Sangue Semeou a Terra, trata-se da marcha de uma caravana de lavradores do Missouri até o Oregon, através de índios, caçadores de ouro, linchamentos e ladrões. No itinerário, Stewart, o herói de Mann, se depara com, e tem de enfrentar, vencendo-os, vários obstáculos, mas encontra a ajuda de um amigo (Arthur Kennedy) e de um jogador de San Francisco (interpretado pelo futuro galã das comédias sofisticadas e dos filmes de Douglas Sirk, Rock Hudson). Os westerns de Mann com James Stewart possuem uma homogeneidade no trato narrativo e na estruturação os personagens, conjugando, como se pode observar em E o Sangue Semeou a Terra, o homem e a paisagem.

O realizador fez renascer o gênero, que parecia esgotado nos anos 50 (e que se perderia definitivamente nas décadas seguintes). Mann dá vida ao western, oferecendo-lhe um alento épico dentro do cotidiano. Mas a concepção do herói para o cineasta contraria o lugar comum ao gênero, pois seus personagens têm muito pouco do herói clássico, sempre a emergir, deles, as fragilidades humanas. Os personagens de Mann são, simplesmente, homens consagrados a uma tarefa, a uma missão, que tentam levar ao fim, apesar das dificuldades e dos desalentos.

O western, no entanto, que define melhor o realizador é O Homem do Oeste (Man of the West, 1958), com a presença de Gary Cooper. Neste, o tema do aventureiro envelhecido, a amargar o passar do tempo, possui alentos trágicos se comparado com a trajetória dos outros personagens dos filmes feitos com Stewart, por exemplo, homens de pradaria e dos espaços abertos. Em O Homem do Oeste, há uma concentração mais interiorizada do personagem e Cooper vive uma, por assim dizer, crise existencial. Um western, portanto, com tintas psicológicas.
A partir de Cimarron, em 1960, com Glenn Ford, o legendário ator hollywoodiano que morreu em 2006 aos 90 anos, Anthony Mann, sem mais arranjar produção para continuar fazendo westerns (também já incursionou por outros gêneros, a exemplo de Música e Lágrimas, sobre a vida de Glenn Miller), foi contratado por Samuel Bronston, famoso produtor, na época, de superproduções colossais. Mas se saiu bem nas duas que fez, ambas épicas: El Cid, com Charlton Heston e Sophia Loren e A Queda do Império Romano.

8 comentários:

Jonga Olivieri disse...

Também acho o western um gênero marcante. O próprio Glauber o achava e confessadamente incorporou muito de sua linguagem no personagem Antonio das Mortes.
Pena que hoje está ficando cada vez mais raro. Temos aí “3:10 to Yuma” de James Mangold, com Russel Crowe -- que ainda não assisti --, após um bom tempo sem nada de novo no front. Houve um filme com o mesmo título (1957) com direção de Delmer Davis com o citado (e saudoso) Glenn Ford. Será um remake?
É certo que “Dança com lobos” é um filme que, no meu entender tem momentos fantásticos. Nele (como nos filmes de Anthony Mann), o visual do oeste selvagem é muito bem explorado. Acho a cena da caça aos búfalos digna de quadros dos pintores que retrataram a época, seu lado mitológico e a região. Creio mesmo que Kevin Costner se inspirou naquelas obras de arte para criar a seqüência.
“Os imperdoáveis” é outra realização recente que tem muita força. Até por ter a direção do excelente Clint Eastwood, cuja escola de filmes do gênero vem de longa data, e soube muito bem assimilar qualidades do (quando bom) spaghetti que são inegáveis.
Fianlizando: “E o Sangue Semeou a Terra” é mesmo um grande filme do gênero.

André Setaro disse...

Muitos consideram Mann superior a Hawks, mas não acho, ainda que o tenha em altíssima conta. Mas os westerns de Mann são excelentes, ainda que, como disse Godard, um travelling dele tinha uma produção de sentidos diferente de um travelling, digamos, de John Ford. Nos anos 50, tínhamos grandes filmes do gênero considerado como o cinema americano por excelência, no dizer de André Bazin. Há um realizador que não tem a estatura nem de Mann nem de Ford, mas que considero excelente. Trata-se de John Sturges, que fez 'Sete homens e um destino', 'Sem lei e sem alma', 'Duelo de titãs', entre tantos outros. Um realizador depreciado mas que tem valor é Gordon Douglas. Seu 'Rio Conchos' é uma preciosidade.

Jonga Olivieri disse...

Sem dúvida, Sturges é excelente. E esquecido. tenho o DVD de "Sete homens e..." que considero um western memorável. Sua trilha (de Elmer Bernstein) virou sinônimo de filmes do gênero. E até tema de Marlboro... Os outros citados por você são também excelentes realizações.
Mas, além disso ele dirigiu também "Fugindo do inferno", que não é um western, mas trata-se de um filme muito bom.
Esquecido ficou Hathaway, cujo "Os filhos de Katie Elder" é um grande western; como você (e André Bazin) dizem: "o gênero 'americano' por excelência".

Anônimo disse...

Setaro, no meio dessa grande mina de ouro que é o western tem uma pepita muito valiosa de um diretor que não era afeito ao gênero. Trata-se de “O galante aventureiro” (The Westerner, 1940) de William Wyler em parceria com Gregg Toland (ambos tinham feito no ano anterior o pesado e arrastado melodrama “O Morro dos Ventos Uivantes”). No faroeste citado Walter Brennan nos brinda com uma das maiores atuações do cinema americano. Ele encarna o lendário juiz Roy Bean e na sequência final, dentro do teatro, excede em qualidade na difícil arte de interpretar.
Aproveito para citar também “O último pistoleiro” (The Shootist, 1976), canto de cisne do lendário John Wayne ( parafraseando Bazin, o ator de western por excelência, ) sob a direção do grande Don Siegel( outro “intruso” no gênero) e com direito a uma ponta de James Stewart como o médico que diagnostica o câncer do velho pistoleiro.
Os westerns do final da década de 1960 e inicio dos anos 70( uma resposta do cinema americano aos italianos vendilhões do templo, mas ao mesmo tempo super influenciados pelos spaghetti)como “Eldorado”, “Bravura Indômita” , “Jake Grandão””, “Os profissionais”( o titulo já traz uma provocação) e, especialmente, “Rio Lobo”, merecem um comentário à parte, por isso ficam para depois.

JOHHNY BGOOD disse...

e parece que o western vai voltar a ser moda....já teve agora o do Brad Pitt, depois a refilmagem de 3:10 to Yuma e mais uns três a caminho.....

Vamos ver o que vai dar!!

Jonga Olivieri disse...

No comentário acima, Romero Azevedo se refere a “O último pistoleiro” (The Shootist), como ele mesmo diz: "canto de cisne do lendário John Wayne".
Olha, considero este filme de Don Siegel uma obra-prima. Também tenho o DVD e já o assisti mais de uma vez.
Nele, John Wayne, já doente, faz quase que um auto-retrato de seu personagem-tipo. Ele que foi um dos símbolos dos "mocinhos" (sou do tempo em que a gente (a garotada) ia ao cinema e gritava: "Aí... mocinho").
Jack Grandão (Big jack), que reúne Maureen O´Hara e Richard Boone (além do próprio filho do ator) é um outro western que deve ser considerado.
Gostei também da referência ao título de "Os profissionais". Nunca havia feito esta relação de provocação ao spaghetti, mas tem fundamento.

André Setaro disse...

Há cineastas que, não especialistas no western, são excelentes quando se aventuram nele, a exemplo de Joseph L. Mankiewicz em "Ninho de cobras" ("The was a crocked man", 1972), um caso bem atípico, pois realizador de ambientes fechados cujos filmes se concentram na excelência dos diálogos ("A malvada", "Charada em Veneza", "Jogo mortal", etc). Foi o diretor administrativo do mastodante "Cleópatra", mas, como mesmo confessou ao crítico Michel Ciment, não considera o filme da bela Elizabeth Taylor (a última estrela do cinema) como obra de sua autoria. Foi apenas um carpinteiro da narrativa.

William Wyler, pelo menos, tem dois grandes westerns: o citado por Romero Azevedo, cujo conhecimento de cinema vai à lua, "O galante aventureiro" ("The westerner", 1940), com Gary Cooper, e "Da terra nascem os homens" ("The big country"), que o Telecine Cult está a estraçalhar com a exibição em tela cheia - o filme é em formato cinemascope. Richard Brooks, um respeitável diretor americano ("Sementes da violência", "A sangue-frio") realizou com "Os profissionais" um grande western, um western diria, de idéias. George Stevens se imortalizou com a poesia de "Os brutos também amam" ("Shane", 1953).

Engraçado. Passei a vida a achar o título idiota de "Shane", quer dizer, o título que tomou no Brasil. Mas, agora, creio que até ficou bom, muito embora preferisse que tivesse tido aqui o título original.

O filme de Don Siegel, sobre ser uma espécie de testamento do western, uma sentença de morte deste e de um grande astro, como John Wayne, é uma pequena obra-prima.

Saymon Nascimento disse...

Meu filme preferido de Mann é The Man From Laramie, Um certo Capitão Lockhart, ainda mais próximo da tragédia grega do que O Homem do Oeste, que vi recentemente. Em Cap. Lockhart, temos desde a profecia da tragédia, a destruição de uma família, e até a cegueira edipiana. Fantástico.