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14 fevereiro 2008

O cinema como estrutura audiovisual



Não vi ainda Sangue Negro, de Paul Thomas Anderson, que se está a elogiar muito, mas Onde os fracos não têm vez (No country for old men, 2007), derradeiro opus de Joel e Ethan Coen, é uma maravilha de filme, que recomendo, aqui, sem nenhuma hesitação. Obra de construção rigorosa, onde predomina a tensão das situações, como se um fio elétrico estivesse inserido na estrutura narrativa (e isso só se conseque quando se é um mestre na manipulação da linguagem cinematográfica), é um exemplo, No country for old men, do cinema como estrutura audiovisual e da possibilidade do cinema contemporâneo ainda mostrar que tem a dizer alguma coisa. Acredito que este filme é a cristalização de um estilo que se vinha a moldar com o tempo. Se os fratelli já mostraram em filmes anteriores a sua inegável e indiscutível capacidade de invenção de fórmulas, em Onde os fracos não têm vez alguns excessos são podados, e a obra cinematográfica se faz perfeita e livre de gralhas na sua brilhante estrutura narrativa. Não acredito que haja algum filme capaz de lhe superar neste ano. Talvez se Alain Resnais possa vir a lançar uma obra nova, pois este é um gênio que ainda pensa cinematograficamente num universo de realizadores que apenas estilizam o que já se fez. Há, nesta surpreendente obra fílmica, a revelação de um discurso cinematográfica que se estabelece, como já disse, na estrutura audiovisual, que é o cinema, para a emergência da produção de sentidos. No country for old men é cinema na mais exata expressão da palavra. O resto é conversa fiada.

A ida a um Multiplex para ver um filme de tal quilate, no entanto, aborreceu o blogueiro. Há, de fato, uma demencia precox na geração atual que frequenta as salas exibidoras. Um indivíduo a meu lado conversou durante a projeção com o celular ligado, a ponto de, quase com a psicopatia de Javier Bardem, levantar-me hidrófobo e gritar: "Pare de falar no celular, seu idiota!" Duas filas atrás, uma mulher, débil mental, repetia o que via na tela, a comer dois imensos sacos de pipoca. O que acontecia na tela ela repetia a seu infeliz companheiro: "Veja, ele matou mesmo o cara!" Paciência quase a estourar, percebi que minha tensão arterial tinha subido com um risco de enfarte ou AVC iminente. Mas o filme é tão bom que procurei esquecer os ruídos. E penetrar na sua mise-en-scène, a ignorar as bestas circundantes.

3 comentários:

Anônimo disse...

Lembro que algumas pessoas conversando comigo não haviam gostado do filme, do final do filme, alegando que "ele acaba do nada". Disse a essas mesmas pessoas que elas realmente não entenderam a mensagem produzida visualmente pelos irmãos Coen.

A face da violência é o ponto de partida para se entender essa obra, que tem uma fotografia maravilhosa, principalmente na primeira metade do filme, em que se utiliza de planos abertos. É realmente um filme que se preza pela construção da linguagem, algo que está em falta nos dias atuais.

Em relação à Sangue Negro, estou realmente entusiasmado para assistí-lo. Por se tratar de Paul T. Anderson (adoro Boggie Nights e Magnólia) e, além dele, por se tratar de Daniel Day-Lewis. Confio plenamente nas suas escolhas. Dizem que Sangue Negro é cheio de metáforas e de críticas à personalidade norte-americana.

Já em relação ao Multiplex Iguatemi, é impossível ir naquele lugar atualmente. Lembro-me que fui assistir Onde os fracos não têm vez em um dia de sábado e percebi o quanto aquilo virou um ponto de palhaçadas do que propriamente um cinema.

Recomendo, Prof. Setaro, o senhor ir assistir no Cinemark, que é muito mais tranquilo do que o Multiplex. Esperar Sangue Negro agora.

Recomendo para voce também Setaro, O Escafandro e a Borboleta. Dirigido por Julian Schnabel, é um longa que também se preocupa com a linguagem que você fala no artigo. Uma obra que merece ser assistida.

Abraços!

André Renato disse...

"Há, nesta surpreendente obra fílmica, a revelação de um discurso cinematográfica que se estabelece, como já disse, na estrutura audiovisual, que é o cinema, para a emergência da produção de sentidos. No country for old men é cinema na mais exata expressão da palavra. O resto é conversa fiada."

Meu amigo, isso explica muito bem o que eu sinto em relação a esta película! Escrevi sobre ela talvez o mais entusiasmado texto do meu blog!... Abraços!

Davi Lopes Ramos disse...

Confesso que fiquei embasbacado com esse filme. Já o assisti duas vezes, e o que me acontece é o seguinte: eu não consigo falar ou escrever nada sobre ele, calado (e humilde) que fico diante dessa apoteose da competência. Não consegui escrever sobre o filme e, no íntimo, me perguntava (e esperava ler) o que Sr. acharia dele. Sei que há, certamente, obras de igual rigor por aí, mas ver o cinema tão bem tratado em minha própria época é experiência de um prazer incomparável.

Gostaria, no entanto, de ver suas impressões dilatadas em um texto maior, dedicado não só ao filme, quanto ao lugar que ele ocupa cinematografia dos Irmãos Coen...

Assisti no cinema também, e felizmente dei a sorte de entrar em uma sessão sem muitos conversadores. Estes merecem a morte, pois estão matando o cinema, e entre eles e os filmes, prefiro os filmes.