Dificilmente, neste ano de 2007, poder-se-á ver algo tão fino, tão cinema, como Medos privados em lugares públicos (ou simplesmente Coeurs, como é seu título original, mas o em português é a tradução exata do nome da peça em inglês). Para aqueles que consideram o cinema como uma estrutura audiovisual, uma conjugação do elo sintático e do elo semântico, o filme de Alain Resnais é o que se poderia chamar assim de biscoito fino, um bálsamo de cinema, de frescor, de inteligência, nesta contemporaneidade em que a tônica vem dada, mesmo pelos artistas mais avançados, pela mediocridade, pela ausência do que dizer, pela hipérbole no que se está a dizer sem que se alcance a humanidade necessária, a necessaria punção do ser, e, em conseqüência, o cinema em toda a sua extensão de beleza e explicação da beleza.
Resnais não procura disfarçar a base teatral de seu discurso, mas, antes, acentuá-lo. Não é um primata que tenta cinematografitizar o filme, com recursos em externas e movimentos que procurem esconder a origem do proscênio. Mas o cinema se faz presente de outras formas, pelo próprio processo de escrita e, no final das contas, Medos privados em lugares públicos é um filme extremamente ou, melhor se diria, essencialmente cinematográfico. Tudo que Resnais toca vira cinema de alta qualidade, mesmo quando filma, quase literalmente, uma peça de teatral, como fizera no delirante Melô.
Não tenho tempo de me deter mais nas imagens de Coeurs. Mas para quem quiser entendê-lo nas suas profundezas e beleza cinematográficas recomendo, sem hesitação, um ensaio de Ruy Gardnier, escrito para a revista eletrônica Contracampo, cujo endereço se faz aqui necessário para que os interessados efetuem o imprescindível clique no hipertexto: http://www.contracampo.com.br/87/critcoeurs.htm
7 comentários:
Resnais me impactou logo que vi seus curtas. 'Van Gogh' e aqueles 'travellings' admiráveis, os 'zooms' que investiam como análises perfuratrizes na obra do pintor holandês. Depois veio 'Nuit e bruillard', e, neste filme, nunca senti a idéia tão exata do horror de um campo de concentração nazista. E, de repente, isso tudo sem conhecer 'Hiroshima, mon amour', 'au hasard', para ficar um pouco resnaisiano, vi, na Aliança Francesa, onde estudava, 'Toute la memoire du monde', que trata da memória e da memória estocada na grande biblioteca de Paris. Quem seria este grande gênio, este grande cineasta, fiquei a pensar, até que surgiu o filme-impacto, que me traumatizou ainda adolescente pela beleza de suas imagens, pelo impacto de sua linguagem, pelo ardor de sua 'mise en scène': 'Hiroshima, mon amour'. Dois anos depois, espanto geral, o cinema puro em 'O ano passado em Marienbad', os críticos ditos como cultos não estavam entendendo mais nada. O elo sintático predominava e o cinema tomava outros rumos com este fascinante Resnais, a revolução antinarrativa de Antonioni com sua célebre trilogia, com a montagem em 'raccord' de Jean-Luc Godard, com o cinema independente de Nova York, etc, etc, e etc.
"Ano passado em Marienbad" (1961), no meu modesto entender a sua grande realização. Sei que é até difícil dizer isso*, dada a vasta qualidade de todos a sua OBRA.
Bom, está aí, o grande diretor em plena atividade. Após "Pas sur la bouche" (2003), aos 84 anos (hoje já está com 85), surge "Coeurs". Confesso que não ví os seus filmes mais recentes. Mas, gostaria imenso de assistí-los.
Aliás, depois de "Meu tio da América" não tive mais contato com o diretor. Terrível falha, "desleixo" da minha parte? Talvez, mas é que coincidentemente acontece com o advento das "salas-popcorn", essa dura realidade que enfrentamos hoje. E que você, um profissional da área tem que enfrentar, quer queira quer não queira. Eu, cada vez mais me concentro no horrível e individualiata hábito do DVD. Na santa paz do lar. Sem pipocas ou celulares.
(*) Quando falo de sua grande realização (Ano passado em...), é porque poucas vezes a gramática do cinema foi tão revolucionada como alí. Talvez Orson Welles em "Cidadão Kane"...
Setaro, valeu muito a chamada para o filme, já havia lido seus comentários na Tribuna da Bahia na quinta-feira. Ainda não pude assistir, mas acho que dobrou no Museu. Depois de ler o hipertexto retomarei à cinematografia do autor para apreciar melhor.Mas... beleza se explica?
Belo filme, Setaro. Ótimo texto do gardnier também. É lindo ver o cara nessa idade, fazendo um filme tão genial e ao mesmo tempo discreto, sem aqueles labirintos narrativos (que eram geniais também. Esse novo, até Moniz Vianna ia gostar (mas ele não vai se dispor a sair de casa para ver um diretor que odeia).
Setaro, belo e cruel o filme de Alain Resnais. Pude apreciar melhor, desta vez, os elos da sintaxe e da semântica que vc. tão bem colocava no Curso de Introdução ao Cinema. Cruel pelo apêlo à incomunicabilidade, tão real quanto assustadora. Outra coisa, adorei o link criado pelo Jonga Olivieri e obrigada por fazer-me conhecê-lo. Um grande abraço, acho mesmo que Kátia tem razão, estou ficando tiete. Stela.
Conheço pouco do cnema do Resnais, mas Hiroshima Meu Amor é ralmente fascinente. Gostei tanto e fiquei tão intrigado que precisei revê-lo no dia seguinte. Já Medos Privados é realmente a obra de um mestre que mostra que ainda continua na batalha defendendo ao lado do cnema de qualidade.
E deixei o Cinematógrafo XXI e estou escrevendo em outro espaço, o Moviola Digital (http://movioladigital.blogspot.com/) Valeu Setaro!!!
Tive a oportunidade de assistir a esta película no mesmo Cinema do Museu em Salvador. Não sou um profundo conhecedor da obra de Resnais mas fui vê-lo por conta de você, Setaro, ter falado bastante dele aqui no Blog, se queixando, principalmente, da demora do mesmo chegar nos cinemas aqui na Bahia.
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