Artigo publicado hoje no caderno especial do jornal soteropolitano 'A Tarde' dedicado ao III Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual que acontece em Salvador entre os dias 9 e 14 de julho, no Teatro Castro Alves e no Hotel da Bahia.
Os cineastas baianos são mendigos da boa vontade
Para que exista uma cinematografia é necessário que haja uma produção sistemática e continuada, além de características comuns capazes de configurá-la como tal. A rigor, portanto, não se pode falar em cinematografia baiana sob pena de se estar incorrendo em erro conceitual, pois não existem os pré-requisitos que possam tipificá-la, a exemplo de uma produção sistemática e continuada.
Para que exista uma cinematografia é necessário que haja uma produção sistemática e continuada, além de características comuns capazes de configurá-la como tal. A rigor, portanto, não se pode falar em cinematografia baiana sob pena de se estar incorrendo em erro conceitual, pois não existem os pré-requisitos que possam tipificá-la, a exemplo de uma produção sistemática e continuada.
Fazem-se filmes na Bahia de vez em quando e ao sabor dos editais governamentais, os únicos que podem proporcionar a realização de longasmetragens, porque o cinema exige altos recursos e somente o Estado tem a capacidade de socorrer os cineastas ditos baianos, que vivem à sua mercê.
Se não existe uma cinematografia baiana por que, então, fala-se tanto em cinema baiano? A generalização do vocábulo audiovisual para toda obra que contenha imagens em movimento é que está a gerar a confusão, a fazer com que alhos sejam confundidos com bugalhos. Teria o mesmo status, por exemplo, aquele que trabalha na bitola 35 mm, e faz longas, daquele que se expressa pelas imagens em movimento registradas no seu celular? A tendência, ainda que possa espantar, é misturar tudo na palavra audiovisual, gerando, com isso, a confusão e a panacéia. A tal ponto que se não pode mais falar de uma linguagem cinematográfica, mas, sim, de uma linguagem audiovisual.
Também se poderia distinguir entre aqueles que trabalham com o digital e aqueles que trabalham com o celulóide. Se a linguagem pela qual expressam suas idéias é igual, a prática é muito diferente. Assim, contrariando a tendência generalista, o fato é que há uma necessidade de se separar o cineasta do celular e da fita magnética daquele que enfrenta o registro nas bitolas de 16 mm ou 35 mm. Estes últimos fazem cinema verdadeiro – pelo menos do ponto de vista do processo de sua realização, abstraindo-se, aqui, juízos valorativos.
Mas, então, como chamar os outros, os dos celulares, os das máquinas digitais apressadas, ou os da fita magnética, videográfica? Narradores audiovisuais? Verdade seja dita: cinema, com C maiúsculo, é que não fazem, apesar da mentalidade corporativa reinante, apesar do sistema defensivo natural que impele os realizadores baianos a jogarem no mesmo saco alho e bugalho.
A iniciativa privada não acredita em cinema baiano e dificilmente, mesmo havendo a lei de incentivo fiscal, patrocinaria qualquer empreitada com vistas à imagem em movimento. Os cineastas baianos, por outro lado, por não serem milionários, são mendigos da boa vontade oficial. Os filmes são feitos quando ocorrem os tais concursos, não havendo, aqui, portanto, uma continuidade de produção capaz de dar emprego a um profissional de cinema (montador, iluminador, técnico de som, etc., etc.).
Assim, não pode haver uma cinematografia.
Na verdade, a única tentativa (e veja-se bem: tentativa) de se fazer um cinema continuado e sistemático no Estado foi quando do efervescente Ciclo Baiano de Cinema, entre 1959 e 1963, quando houve realmente um projeto nesse sentido com a proliferação de empresas produtoras (Iglu, Winston, Sani etc.), e produtores dispostos a bancar obras cinematográficas, sendo o principal deles Rex Schindler, coadjuvado por David Singer, Álvaro Queiroz, Braga Netto, entre outros. Além da produção genuinamente baiana, havia também filmes que se queriam baianos, mas realizados por cineastas sulinos, a exemplo de O Pagador de Promessas, produzido pelo paulista Oswaldo Massaini e dirigido por Anselmo Duarte. Ou Bahia de Todos os Santos, de Trigueir inho Netto. E há, neles, um denominador comum no que se refere à procura temática: todos se encontram centrados na apreensão dos problemas decorrentes da estrutura social injusta que leva à dramatização das ocorrências vividas pelo povo.
A ausência de recursos, notória, não contribuiu para o incremento criativo.
Mas, e se se considerar o ano de 80 como o ponto final da tentativa longa-metragista no espaço geográfico baiano, passaram-se duas décadas sem nenhum filme de longa duração, com uma dieta restrita aos curtas quase todos destituídos do vigor criativo que seria de se esperar daqueles que se lançam na aventura do cinema.
Vinte anos depois, tempo de uma geração, é que aparece, emendado a durex, 3 Histórias da Bahia, saudado e reverenciado pelos baba-ovos de plantão, que o viram como a redenção do chamado cinema baiano (que não existe, e, com isso, quase condicionando a emergência de um verdadeiro teatro do absurdo).
Mas para além dos filmes, o que se precisa constatar é a regressão que se abateu sobre a cultura baiana nos últimos trinta anos. Se a Bahia já foi um centro de excelência nas artes e já chegou a se falar até numa avant-gard e, como a referência explícita do livro de Antonio Risério, é de se perguntar que tragédia se abateu sobre a cultura baiana, considerando que somente se dá a perceber cacos de um pretérito? E, tangenciando a egolatria, Araripe, surpreendentemente, investe em Esses Moços, na simplicidade da gente humilde em obra sincera e destituída de arroubos, mas, no frigir dos ovos, com defeitos estruturais e ausência de dínamo narrativo. Mas o que dizer dos filmes que estão por aparecer? Ainda que produção sulina, mas com motivação baiana, Ó, Paí, Ó, de Monique Gardenberg, assustou pela mediocridade, e quase instalou o pânico na sensibilidade; mas, a rigor, é documento sociológico da miséria na qual está imersa a cultura baiana.
Crê-se que o que está por vir reflete muito a miséria cultural ou, se se quiser, a tragédia que se abateu sobre a cultura baiana. Terão esta tragicidade Cascalho, de Tuna Espinheira, O Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro, Pau-Brasil , de Fernando Beléns, Revoada , de José Umberto, Esses Moços, de Araripe, Cidade das Mulheres, de Lázaro Faria? Ou será o articulista que está a delirar diante de tanta miséria, de tanta falta de criatividade, de tanta ausência de imaginação? Contemplar a efígie de um suposto cinema baiano é a tarefa para a decifração do trágico.
5 comentários:
rapaz se aí tá essa pobreza, imagine aqui no PIAUÍ, que só tem registro de um longa metragem!!! ô, coitado... é, meu velho, se a coisa aí tá ruim, aqui tá pior.
A Bahia foi, sem dúvida alguma, um dos expoerntes da cultura brasileira, principlamente no período supracitado em que surgiram, por sinal, o brilhantismo de Glauber Rocha e a sua participação na música em momento de grande riqueza da cultura nacional.
Esta, porém está em crise geral.
Não se apontam mais expressões que façam juz ao termo.
A nossa cultura, e a cultura do mundo inteiro, mercantilizou-se, visando apenas o comércio, com raras excessões. Excessões essas que ficaram underground no cenário geral...
Concordo, apoio e choro.
*Sou estudante do curso de Cinema e Vídeo na FTC.
Espero que o nobre amigo, primo e crítico de cinema tenha se saído bem de alguns problemas gerados por esta crônica. É que a verdade dói, sempre dói...
Discordo apenas do comentário a respeito do uso do digital. Eu sempre fiz cinema, mesmo em digital, pois são estas as minhas referências, este o meu modo de filmar. Acredito que é mais uma questão de estética do que de equipamento. Tirando isso, o texto é de uma verdade trágica. E tapar o sol com a peneira (ou com os coqueteis de babação de ovo) não vai adiantar de nada. "No frigir dos ovos", como você mesmo disse, é preciso que haja filmes, e eles precisam ser bons. Simples assim.
Postar um comentário