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03 julho 2007

Da santa ignorância


Interessante observar que os grandes críticos de cinema do passado (vale para Paulo Emílio Salles Gomes, Walter da Silveira, entre tantos!, excetuando-se, talvez, Moniz Vianna e, principalmente, José Lino Grunewald, entre poucos) apenas se reportavam em seus ensaios, em suas críticas, aos grandes cineastas (Eisenstein, Orson Welles, Griffith, Dreyer, etc), aos movimentos e escolas que instauraram novos tempos (neo-realismo italiano, a avant-garde, o realismo poético francês...), relegando certos filmes e certos realizadores ao completo esquecimento. Muitas vezes davam valor ao filme por seu tema nobre, confundindo o elo semântico com o elo sintático. O saber distinguir estes dois elos, tão caro à crítica de Grunewald, como se pode ver no livro que reúne seus melhores momentos organizado por Ruy Castro, foi fundamental para a compreensão do cinema. Ainda hoje, neste tempo de contemporaneidade imbecil, há pessoas que se dizem cultas e consideram bons filmes aqueles que tratam de temas sérios e nobres. A ignorância é imensa. Conheço um cineclube - não posso citar o nome - que, embora organizado, eficiente, bem administrado, cultiva a ignorância em termos cinematográficos, considerando que quase todos os seus membros não sabem fazer a diferença entre o elo sintático e o elo semântico. A programação é estruturada com a exibição de um filme seguido de debate, quando é convidado algum especialista. Por exemplo: quando exibiram Psicose, de Hitch, convidaram um psiquiatra, quando mostraram Testemunha de acusação, de Wilder, o palestrante foi um advogado, e assim por diante. Santa ignorância. Nada a ver com nada. Uma vez, convidado para um debate sobre Laranja mecânica, de Kubrick, quase fui agredido por um psiquiatra porque ele teimava em afirmar que a compreensão do filme estava no problema da esquizofrenia do personagem de Alex enquanto eu queria mostrar que o cinema, sendo uma estrutura audiovisual, devia ser pensado e analisado nestes termos e, no caso em questão, o problema maior, para Kubrick, seria o tolhimento do livre arbítrio do homem.


Mas gostaria de dizer que um dos melhores filmes que já vi em minha vida de cinéfilo foi Se meu apartamento falasse (The apartment, 1960), de Billy Wilder. Não se sabe por que não saiu ainda em DVD. É uma obra mais que prima: primíssima.

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