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10 abril 2007

Matar ou morrer


Muito mais que um western, este filme, segundo Claude Beylie, ensaísta francês, pretende ser uma parábola sobre a coragem individual diante da covardia coletiva. Faroeste com rosto humano, Matar ou Morrer (Hign Noon, 1952) pode ser considerado, também, uma paráfrase do horror macartista na sociedade americana da época, quando o senador Joseph McCarthy tenta caçar todos os “comunistas” de Hollywood. Fred Zinnemann, diretor austríaco instalado nos Estados Unidos, aproveitando um roteiro de Carl Foreman, faz do western um veículo para a sua visão da sociedade americana. O xerife de uma localidade do oeste, Will Kane (Gary Cooper no auge de sua carreira), procura ajuda entre a população para combater uns marginais que se preparam para atacá-la. Todos, no entanto, lhe negam o apoio e ainda aconselham a se retirar da luta a fim de evitar um derramamento de sangue. Contra a opinião de sua esposa (Grace Kelly), Kane não desiste e, só contra todos, espera, angustiado, a chegada dos assassinos.Zinnemann (A um passo da eternidade, Julia, O dia do Chacal, Espíritos indômitos...) estrutura a sua narrativa com absoluto respeito à unidade de tempo - que serve para potencializar o suspense à medida que a hora fatal vai chegando. Matar ou morrer é um western sólido, sóbrio e bem construído, que, contrariando os cânones tradicionais do gênero, não se apóia na ação física - uma constante do western tradicional. A dimensão psicológica dos personagens adquire, aqui, capital importância: a descrição minuciosa da conduta de cada um, a crescente angústia do xerife situado entre a obrigação moral e o instinto de conservação. Foreman e Zinnemann pretendem refletir uma época na qual muitos setores do país ficam paralisados pelo medo ao contrário de uns poucos que assumem sozinhos suas graves responsabilidades morais. Desde No tempo das diligências (Stagecoach, 1939), de John Ford, western paradigma e emblemático, o gênero, sempre baseado mais na ação física, evolui para sobreviver aos tempos, rompendo, com a ajuda de cineastas como William A. Wellman, Samuel Fuller, Delmer Daves (Flechas de fogo), Howard Hawks, John Sturges, Nicholas Ray, John Ford e Anthony Mann, os estereótipos de outrora. O western humaniza-se, torna-se poético, adulto, adquire status como veículo para a análise de comportamentos e da condição humana (Rastros de ódio, de John Ford, Winchester 73, de Anthony Mann, Johnny Guitar, de Nicholas Ray, Conspiração do silêncio, de John Sturges, Onde começa o inferno/Rio Bravo, de Howard Hawks...).Matar ou morrer representa um divisor de águas no gênero (entende-se por gênero um conjunto de filmes que possuem o mesmo conteúdo narrativo e seguem o mesmo esquema para explicitá-lo) que se intelectualiza a partir deste filme de Zinnemann. Há cada vez mais psicologia e drama de consciência nos personagens, como neste High noon, e em Um homem solitário, de Ray Milland, 1954, não faltando mesmo a nota freudiana, como no insuperável Rastros de ódio, de Ford, e Gatilho relâmpago, de Robert Rouse, 1957. Mas a alegoria do bem e do mal ressurge com força de tragédia grega em duas obras-primas: Madrugada da traição, de Edgar Ulmer, 1956, e Crimes vingados, de Charles Haas, 1957. E a legenda do herói romântico que chega ao povoado, distribui a justiça e vai-se embora como um desconhecido, é retomada em Os brutos também amam (Shane, 1953), de Georges Stevens.
Em Matar ou morrer, Zinnemann respeita a unidade de tempo, isto quer dizer: o tempo físico é igual ao tempo dramático. Com uma duração de 89 minutos, tempo tomado pela projeção do filme, High noon tem sua ação dramática compreendida neste mesmo tempo, ou seja: a compreensão do tempo levado pelos acontecimentos narrados. Assim, Gary Cooper espera os malfeitores durante um tempo igual ao da projeção do filme. Para sinalizar o avanço temporal, é mostrado sempre um plano de detalhe de algum relógio onde se encontre o personagem. Procedimento igual, entre muitos outros, fazem Robert Wise em Punhos de campeão (The set up) e Alfred Hitchcock em Festim diabólico (Rope, 1948). High noon tem uma iluminação bastante funcional de Floyd Crosby, inserida nas solicitações dramáticas, assim como a partitura de Dimitri Tiomkin, cujo tema principal se torna um clássico da música para cinema. E fica no ouvido da gente.
Ao psicologismo reinante, Howard Hawks respondeu com o classicismo de Onde começa o inferno, que se poderia dizer obra mais que prima. Se uma obra é mais que prima, como poderia ser classificada?

4 comentários:

Saymon Nascimento disse...

Pessoalmente, prefiro a resposta de Hawks, e não sou muito admirador deste aí, embora necessite revê-lo. De Zinnemann gosto mais do super-acadêmico O Homem Que Não Vendeu Sua Alma e do brilhante thriller O Dia do Chacal, que é este mesmo Matar ou Morrer, um filme sobre o tempo, melhor realizado.
Ia me esquecendo: bem bom também é Uma Cruz à Beira do Abismo, com Audrey Hepburn.

André Setaro disse...

Você, caro Saymon, que sei um grande conhecedor de cinema, tem uma certa 'birra' com 'Matar ou morrer'. Mas o que se há de fazer? Por falar em Zinnemann, gosto muito de 'O dia do Chacal', que, concordo, é um filme, na verdade, sobre o tempo, sobre a urgência, mas tem um dele que não se fala e que tenho grata recordação: 'A voz do sangue', de 1963, cujo título original é 'Behold a pale horse', com Omar Shariff e Gregory Peck.

Jonga Olivieri disse...

Ia dizer isso mesmo.
"A Vos do Sangue" é um filme marcante com um Gregory Peck corretíssimo em seu papel
Quanto a "Matar ou Morrer", cuja tradução é péssima (em Portugal foi pior: "E o Comboio apitou três vezes"), é um clássico e tem na sua seqüência final um dos momentos mais bem narrados da história do cinema.
Uma aula de gramática cinematográfica.

André Setaro disse...

Tá vendo Saymon: 'Matar ou morrer', na sua seqüência final, é uma demonstração inconteste da solidez do diretor citado como 'regista'.