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03 abril 2006

De "Lawrence" e dos abusos atuais



Revendo Lawrence da Arábe no disquinho, de David Lean, em lançamento para colecionador, senti a força dessa grande obra. Na época, início dos anos 60, somente se pensava em Godard e na `desconstrução´ do espetáculo, e Lawrence da Arábia, por ser narrativo, não foi ressaltado como devia pela crítica especializada. Num dos extras do DVD, há uma entrevista com Steven Spielberg na qual ele conta o impacto que sofreu quando, adolescente, viu pela primeira vez o filme de David Lean. Décadas mais tarde, quando soube que o negativo estava se deteriorando na Columbia, decidiu investir milhões de dólares para salvá-lo. O DVD apresenta a cópia restaurada no seu cinemascope original e uma versão mais longa do que a imaginada por David Lean.

Nos documentários dos extras, sentimos como as filmagens foram difíceis, pois uma boa parte filmada em pleno deserto escaldante da Jordânia. Quando vemos aqueles milhares de beduínos correndo em disparada pelo deserto, não há nenhum truque. Assim como as batalhas, tudo foi rodado in loco, e, por isso, os negativos derretiam sob o imenso calor - solucionado com uma capa inviolável, e os atores tiveram que aprender a montar camelos
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Nada se compara aos efeitos especiais de hoje, que reduzem muito o poder de verdade do que se está a ver. O próprio Spielberg disse mesmo que seria impossível, atualmente, fazer Lawrence da Arábia com a alta tecnologia que o cinema dispõe. Por incrível que pareça, não teria o mesmo impacto.

Christopher Lee, ator do proscênio britânico, e que já trabalhou muito em cinema, principalmente em filmes de terror da produtora inglesa Hammer (O vampiro da noite/Horror of Dracula, 1958, de Terence Fischer, é um clássico), convidado por George Lucas para um recente episódio de Guerra nas Estrelas, ficou furioso quando foi colocado no set para dialogar com uma luz azul. Lee reclamou, afirmando que somente poderia trabalhar com alguém, com uma pessoa de carne e osso. Mas Lucas insistiu e disse que depois, no computador, criaria um personagem naquela luz azu
l.
Creio que os efeitos especiais têm sido usados com certo abuso, prejudicando o espetáculo cinematográfico. Mas é a novidade que anima os produtores. O tempo, porém, juiz implacável, vai deixar na lixeira o que é supérfluo, e fazer com que os realizadores usem os efeitos de maneira parcimoniosa. Não se agüenta mais, esta a verdade, o abuso de tanta tecnológica posta a serviço de espetáculos amorfos, que não possuem aquele poder de verdade que tinha, por exemplo, Lawrence da Arábia. Mas aqui, também, havia um David Lean, um roteiro enxuto, de Robert Bolt, grandes construções de personagens, como a ambigüidade de Lawrence, interpretação inexcedível de Peter O´Toole.

Mas falando ontem sobre o documentário incluso na edição especial do DVD de Bullit, vale ressaltar que detesto a estética da tesourinha vigente na atualidade. Mas isso, como dizia Moustache, personagem de Irma La Douce, de Billy Wilder, é outra história.

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