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29 fevereiro 2008

Polvo coloca a crítica da web em cena







Um dos melhores sites de cinema que conheço é o Filmes Polvo, que, ao completar um ano, remodelou a sua página na internet a lhe oferecer um visual completamente novo e, mais importante, colocando-o no mesmo nível das outras revistas eletrônicas de cinema do espaço virtual, a exemplo da Contracampo, sempre uma referência, e a da Cinética. Mais: o aniversário está a ser comemorado com uma mostra em Belo Horizonte, que vai até domingo, cujo cardápio oferece, além do tradicional polvo ao vinagre virtual, exibição de filmes e um seminário pioneiro onde se está a discutir a importância das revistas eletrônicas de cinema que apareceram na web. Há uns quatro anos atrás, Carlos Reichenbach, o indefectível Comodoro, homem erudito (talvez quem possua a maior bagagem filmográfica no território brasileiro), autor de obras consagradas como Filme Demência, Anjos do arrabalde, Liliam M, entre outras, promoveu um concurso para a eleição dos melhores sites cinematográficos que existiam na internet. Tive a honra de ser convidado para fazer parte do júri, mas, infelizmente, não pude comparecer à entrega dos prêmios. A mostra de Beagá é uma iniciativa pioneira e de importância indiscutível. O crítico Marcelo Miranda, cujo ensaio sobre Tropa de elite, constituiu-se no melhor exemplo de lucidez e coerência sobre o premiado filme de José Padilha ganhador do cobiçado Urso de Ouro no Festival de Berlim, é um dos organizados do evento belorizontino e um dos principais colaboladores do Polvo.


Teve início ontem, quinta-feira (28), a I Mostra Filmes Polvo de Cinema e Crítica, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. O filme Crítico, de Kleber Mendonça Filho, abriu oficialmente o evento, que exibe longas, curtas e documentários e promove debates até domingo (2), no Cine Humberto Mauro.Realização da revista eletrônica Filmes Polvo e o Café com Letras, o evento tem como foco principal a discussão sobre o papel da crítica de cinema, além de comemorar o primeiro ano de existência da revista eletrônica.Confira a programação Fazem parte da programação curtas e longas-metragens de cineastas que atuam (ou já atuaram) na área crítica do cinema. Toda a programação é aberta ao público gratuitamente. Para endossar a Mostra, haverá também a formação de três mesas redondas, com o objetivo de abrir discussões sobre as obras, o tema do evento e a relevância da reflexão no cinema atual. Uma das três áreas de debate vai ser composta por editores dos principais sites de cinema do país, e as outras duas serão preenchidas por cineastas, críticos e estudiosos de cinema de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.

Mas creio dever citar toda a equipe do Filmes Polvo. O editor é Rafael Ciccarini. E o Conselho Editorial está assim constituído: Gabriel Martins, Leonardo Amaral, Mariana Souto, Úrsula Rösele. E como redatores: João Toledo, Leonardo Cunha, Marcelo Miranda, e Nísio Teixeira. Ia já me esquecendo de colocar, aqui, o link para que vocês, leitores deste blog, tenham a oportunidade de visitar (e a visita se faz obrigatória para quem gosta de cinema) o site:
www.filmespolvo.com.br
As três imagens mostram um polvo, as legendas do excelente quadro de cotações do site Filmes Polvo, e Marcelo Miranda, uma das grandes revelações da crítica cinematográfica da internet, embora também trabalhe no jornalismo impresso. Na oportunidade em que se realiza um seminário sobre as revistas eletrônicas, não se pode deixar de registrar que elas deram novo vigor à crítica cinematográfica, principalmente quando os jornais apequenaram os textos, condicionando aquele que quer fazer uma crítica a se espremer, como um polvo em restaurante de Belém do Pará, em resenhista, ainda que tenha talento para o comentário de cinema. Pode se dividir a chamada crítica de cinema nos seguintes patamares: o ensaio, uma relação sem eruditice com o leitor, e que requer conhecimento, mas sem a camisa-de-força acadêmica, a crítica em si, o comentário e a resenha. Mas todos que escrevem sobre a chamada sétima arte, infelizmente, gostam de ser críticos de cinema de tal maneira que a expressão se vulgarizou. Críticos pensam ser todos, assim como todos os brasileiros se acham técnicos de futebol. Marcelo Miranda, porém, é um crítico na expressão da palavra já a se preparar para o vôo ensaístico. É esperar para ver.

28 fevereiro 2008

Não há cidades para homens velhos

Antes de comentar Onde os fracos não têm vez, e ainda a lembrar a festa do Oscar, uma grande decepção foi o apresentador Jon Stewart (aliás não sei nem de quem se trata). Concordo com a opinião do Comodoro expressa em artigo para a Folha de S.Paulo, quando diz que o apresentador do Oscar é muito importante para o êxito da festa. E um medíocre como Jon Stewart somente contribui para acabar com o espetáculo. Gostava do Billy Cristal que era, realmente, espirituoso e engraçado.
Eleito pela Associação dos Críticos Cinematográficos dos Estados Unidos como o melhor filme de 2007 (aqui no Brasil, lançado em 2008, será, provavelmente o deste ano, ou Sangue negro, de Paul Thomas Anderson)), e o grande vencedor da festa do Oscar, Onde os fracos não têm vez (No country for old men), de Joel e Ethan Coen, reafirma, mais uma vez, a condição destes de grandes realizadores cinematográficos num momento de crise aguda para a invenção e a criação da arte do filme. A indústria cultural hollywoodiana expõe, a cada semana, uma produção sistemática de lixo, mas, apesar de tudo, ainda resta a esperança de poder encontrar na tela grande um filme dos irmãos Coen, ou um filme de Paul Thomas Anderson, ou um exemplar da lavra de um Clint Eastwwod. Seria o caso de se dizer: pérolas ainda podem ser encontradas no lamaçal fílmico da contemporaneidade. E No country for old men é uma pérola.

Este décimo-segundo longa de Joel e Ethan Coen está a disputar oito indicações para o Oscar, incluindo filme e direção. Baseado em romance de Cormac McCarthy, Onde os fracos não têm vez faz referência, no título, a um lugar onde poucos são aqueles que conseguem envelhecer, e muitos os que, por causa da extremada violência, encontram a morte ainda jovens. Daí porque "no country for old men". Achei muito acertado o final repentino que, inclusive, surpreende os desatentos, que, atônitos, ficam mais atônitos ainda com a subida dos créditos. Vale notar, também, a maestria dos irmãos na utilização do silêncio e dos ruídos.

Poucos os filmes desta chamada contemporaneidade que conseguem me entusiasmar, como ocorria, quase sempre, no passado. Considerando que é do assombro que nasce o pensar, a visão de No country for old men deixa, no espectador, um impacto capaz de lho acompanhar muito tempo depois da saída da sala exibidora. A raridade do acontecimento faz com que este filme seja uma obra de visão obrigatória para todos aqueles que ainda gostam do bom cinema - e não do cinema que aí está no mercado. O bom cinema de um tempo que o vento levou. Assim, o filme de Joel e Ethan Coen quase que faz redimir a cinematografia contemporânea acusada de não fazer mais nada que preste.

A ação se localiza em 1980, o que se poderia dizer que se trata de um western anacrônico. Um homem desiludido com a sua condição existencial (Josh Brolin), encontra, no deserto, paisagem árida (bem explorada pela luz pungente de Roger Deakins, iluminador constante na filmografia dos cineastas), uma valise a conter milhões de dólares. A sorte, porém, lhe será madrasta, pois passa a ser perseguido por um psicopata assassino (interpretação inexcedível do espanhol Javier Bardem), que mata como se joga cara ou coroa, sem nenhum vestígio de contração emocional. E, além do mais, a caça ao homem se faz dupla quando entra na jogada o xerife local (Tommy Lee Jones, a se destacar como um dos maiores atores do cinema americano atual).

O cinema é que tem vez nos filmes de Joel e Ethan Coen. É a partir da articulação dos elementos da linguagem cinematográfica (nunca é demais repetir) que se estabelece a produção de sentidos nas suas brilhantes "mises-en-scènes". Um movimento de câmera a perscrutar a geometria da ação, os planos de detalhes que transformam os objetos retratados em elementos da fabulação, o silêncio como transformador estético da atmosfera e da criação de clima. Realizadores que procuram fazer uma revisão e uma reflexão do cinema de gênero, encontram-se sempre a oferecer uma leitura nova, a provocar, com a narrativa, o sentimento da emoção e da estesia. Nunca meros fabuladores, contadores de histórias, mas realizadores que procuram, através destas, o enunciado, o princípio do cinema, e, por extensão, da "mise-en-scène" criadora. Importante se observar o comportamento da câmera em relação ao comportamento dos personagens em ação. A fábula aqui, em Onde os fracos não têm vez, assim como nos seus outros filmes, é um pretexto, por assim dizer para a emergência narrativa.

Desde o primeiro longa dos fratelli Coen, uma revisão do film noir, Gosto de sangue (Blood simple, 1984), um estilo revelador, o surgimento, na condução da trama via procedimentos específicos do cinema, da “alta tensão” de seus silêncios, de suas pausas. A seguir, uma outra forma de expressão, a da “screwball comedy”, em Arizona, nunca mais (Raising Arizona, 1987), com seus planos-seqüências devastadores a fazer reviver os bons tempos da comédia americana. Três anos se passaram até o surgimento de uma homenagem aos filmes de gangsteres: Ajuste final (Miller’s crossing, 1990). Já um estilo “desenhado”, já uma maneira particular de expressão cinematográfica que viria a se cristaliza em Barton Fink (1991), uma metaficção, um filme inesperado e asfixiante dotado de síndromes inovadoras e surtos irônicos e insólitos.

Tenho particular admiração por um Coen menos celebrado: Na roda da fortuna (The Hudsucker proxy, 1994), um Capra redivivo com salpicos de Billy Wilder. Toda uma tradição de um específico gênero cinematográfico realizado com engenho e arte e graça insuperável. Mas em 1995 apareceu Fargo para a consagração definitiva (como não estivessem já consagrados) dos irmãos Coen. E mais, muito mais.

André Bazin escreveu certa ocasião: “Quanto mais fácil for se contar, pela narrativa oral, um filme, menos cinematográfico ele é; quanto mais difícil for se contar um filme, pela narrativa oral, mais cinematográfico ele é”.

Onde os fracos não têm vez é cinema puro. E, portanto, difícil de ser contado.

27 fevereiro 2008

Fotos tenras e candentes de "Revoada"





Sangue nas nuvens de "Revoada"




O cineasta baiano José Umberto descansa num intervalo das filmagens de Revoada, seu segundo longa (o primeiro: O anjo negro, 1972), que se encontra sub judice por causa do seqüestro do qual foi vítima o material filmado para ser montado à revelia de seu autor. A julgar pelas fotos, o filme é bastante violento e não recomendo a cardíacos e a pessoas nervosas, como era comum, antigamente, esta recomendação nas portas dos cinemas quando eram exibidos filmes de terror. No lançamento de O vampiro da noite (Horror of Dracula, 1958), em 1961 (três anos de atraso), o exibidor teve uma idéia genial: colocou o aviso a que me refiro e uma ambulância na porta.
Mas a violência de Revoada é a violência do cangaço. José Umberto, no entanto, acha que tudo não passa de sangue nas nuvens. Acima (devia ser abaixo, mas houve erro na edição) as fotos do filme. O que é que você acham? Ou tudo não passa de tintura vermelha?

"Oito e meio" ganha, apertado, a parada



Quarenta leitores votaram na enquete sobre qual o maior Fellini. Na minha opinião, Otto e mezzo é, disparado, o seu melhor filme e um dos maiores de toda a história do cinema. Poderia dizer mesmo que o cinema se divide em antes de depois de Otto e mezzo. Mas fiquei com receio que o escolhido fosse Amarcord, a considerar que se pensou fosse ultrapassar a obra-prima de Federico Fellini em determinado momento da enquete no ar. Sobre ser um belíssimo filme, Amarcord é, segundo ainda meu ponto de vista, inferior a 8 1/2. Dezesseis votantes quiseram ver este no topo da lista, felizmente, mas catorze optaram por Amarcord. Já A doce vida (La dolce vita), que despertou tanta celeuma quando do seu lançamento, admirado e exaltado por muitos, e visto de soslaio por outros menos fellinianos, teve a metade dos votos do vencedor. Apenas 8. A estrada da vida conseguiu, a fórceps, dois votos, mas Os boas-vidas (I vitelloni) não obteve votos. Mas houve, devo confessar, uma falha na enquete: faltou As noites de Cabíria (Le notti di Cabiria), que para muitos é o melhor filme de Fellini. A falha é do bloguista ou blogueiro. Peço desculpas àqueles que adoram o filme maravilhosamente interpretado por Giulietta Massina em performance de clown chapliniano. Mas o que é que se pode fazer?

25 fevereiro 2008

O grande vencedor do Oscar



Muito mais do que ser um sistema de aferição do valor cinematográfico de um filme, o Oscar premia aquelas obras que ajudam à consolidação da indústria. É um grande espetáculo, sem dúvida, mas uma festa do cinema americano. Neste ano, porém, a surpreender incrédulos, vários filmes de excelente qualidade foram indicados e o grande vencedor da noite de ontem foi Onde os fracos não têm vez (No country for old men), de Joel e Ethan Coen, que ganhou também mais outras três estatuetas: a de melhor ator coadjuvante para o espanhol Javier Bardem (foto ao lado), a de roteiro adaptado, e a de diretor (no caso, dois, pois os fratelli Coen). Sangue negro, que é também muito bom, deu a Daniel Day-Lewis o cobiçado Oscar de melhor ator (e se não ganhasse seria grande injustiça).

O apresentador Jon Stewart, ainda que esforçado e simpático, deixou a desejar. Gostava de Billy Cristal. O grande momento da noite foi a entrega do Oscar honorário para Robert Boyle, desenhista de arte de obras-primas da história do cinema, a exemplo de Intriga internacional, Marnie, e Os pássaros, todos de Hitchcock, além de muitas outras. Perto de um século de existência (está com 98), compareceu à cerimônia e falou bem, firme e forte. Um grande homem e um grande artista.

24 fevereiro 2008

Supercalifragilisticexpialidocious



Romero Azevedo, crítico e professor que reside em Campina Grande (Paraíba), é um dos mais astutos conhecedores dos labirintos da sétima arte. Passou um tempo em Salvador nos já distantes anos 70 para fazer um curso de cinema no qual pontificavam Jean-Claude Bernardet, Jurandyr Passos de Noronha, José Mauro (filho de Humberto), Frade, Peter Przygodda (montador da maioria dos filmes de Wim Wenders e de grande parte do chamado novo cinema alemão), entre outros. Fiz também este curso (naquela época não estava na moda se intitular qualquer curso de oficina como agora), mas não o conclui. Foi nele que conheci Romero. O artigo que vai abaixo é de sua autoria. O título é esquisito, mas ele explica logo de entrada. Abrindo logo as imprescindíveis aspas:

"Essa incrível palavra de 34 consoantes e vogais poderia ser o título de uma exposição de Andy Warhol, ou de um livro de Paulo Leminski, ou talvez de um happening de Paulo Brusk, ou uma escrita de André Breton, ou mais ainda o título de um rock de Frank Zappa, caberia também numa música de Smetak ou num poema de Augusto de Campos. Mas não é nada disso. Trata-se de uma canção inserida na trilha-sonora do filme Mary Poppins (baseado no livro homônimo de Pamela Travers), produção de Walt Disney de 1964. O filme em si já deixa qualquer narrativa de realismo fantástico no chinelo: a personagem título voa com o auxílio de sua elegante sombrinha (ação de fazer inveja a qualquer Garcia Márquez), liberta os cavalinhos de um carrossel e sai por aí disputando uma corrida com eles como se nada tivesse acontecido; noutro momento o Tio Albert (outro personagem) desafia a gravidade newtoniana levitando às gargalhadas. Acharam pouco? Pois tem mais: muito antes de Kurosawa fazer um personagem seu entrar num quadro de Van Gogh (no filme Sonhos, de 1990), Mary Poppins, acompanhada das duas crianças das quais é governanta mais o amigo pintor Bert, penetram numa pintura feita pelo amigo. A partir daí os personagens de carne e osso passam a interagir com desenhos animados...
Não quero falar sobre Mary Poppins especificamente, essa introdução foi só para lembrar um dos cineastas mais avançados que surgiram nesse pouco mais de um século de história do cinema, me refiro a Walt Disney. Chamá-lo de gênio é cair no lugar comum e, pior, dizer pouco. Disney foi um dos pouquíssimos homens de cinema que enxergou com rara lucidez as potencialidades do novo meio que surgia. Ainda nos anos 20, quando as imagens em movimento assombravam as platéias pela capacidade de imitar a vida real, Walt radicalizou e partiu para experimentos no campo do desenho animado. Aí ele criou seu próprio universo, com árvores falantes e um bestiário que incluía ratos, patos, ursos e cachorros inteligentes que nada ficavam a dever aos seres humanos. Pena que o extremismo político dos anos 60-70 tenha induzido a uma interpretação maniqueísta da obra desse extraordinário artista (especialmente no livro Para Ler o Pato Donald, de Ariel Dorfman e Armand Mattelart, publicado no Chile em 1970), fazendo com que gerações de leitores confundissem o artista com as produções mantidas pela empresa que leva o seu nome (não custa lembrar que Disney morreu em dezembro de 1966). Uma visão mais aprofundada dos filmes de Disney, notadamente os que foram dirigidos ou supervisionados diretamente por ele, vão revelar muita coisa além da nossa vã ideologia. Vamos descobrir, por exemplo, como ele já antecipava muitas questões que estão em voga hoje nas melhores cartilhas políticas de qualquer país do planeta, como a necessidade de um diálogo racional com a natureza já que o enfrentamento selvagem que promovemos até agora só tem produzido resultados catastróficos. Nos desenhos de Disney os homens conversam, cantam e dançam com os seres dos reinos vegetal e animal, maior integração impossível! (em Alice no País das Maravilhas, de 1951, essa interpenetração é potencializada ao nível do que Freud chamou de inconsciente). Mesmo com as limitações impostas pela bi-dimensionalidade da tela cinematográfica, Disney criou uma arquitetura original para prover espaço para suas inimagináveis criações, para isso ele rompeu em seus filmes com a tridimensionalidade euclidiana e penetrou na quarta e quinta dimensões. Em Fantasia (de 1940, mas só compreendido em 1990), ele uniu música e pintura numa combinação transcendental.
Num momento em que a Física de partículas avança na descoberta de novas realidades ocultas nos prótons e elétrons, saindo do mundo celular atômico e penetrando pouco a pouco no mundo molecular eletrônico, o cinema de Walt Disney se coloca na vanguarda desse novo olhar, pois profetizou, ainda no século 20, a realidade quântica que se projeta para este século que engatinha agora. Pena que a estreiteza do nosso pensamento, ainda preso à lei da gravitação dos corpos no espaço, ainda vai precisar consumir esses 92 anos que nos separam do século 22 para poder penetrar livremente, sem nenhum tipo de amarra física ou psíquica, no hiper-espaço criado por esse cineasta que precisa urgentemente de uma reavaliação de sua magnífica obra, o Cidadão do Mundo, nascido em Chicago, USA, no dia 5 de dezembro de 1901, Walt Disney."

O mais belo animal do mundo



Ava Gardner foi considerada o "mais belo animal do mundo". Era uma mulher belíssima, mas aproveitou pouco da vida (1922/1990), pois no final, alcóolatra, mas ainda em boa idade, já demonstrava no rosto os sinais exteriores da decadência, como se pode ver em 55 dias em Pequim, de Nicholas Ray. Sua beleza foi fulgurante, abateu duramente Frank Sinatra, que, abandonado por ela, tentou o suicídio. Aqui ao lado a vemos ainda no auge, em 1954, como Maria Vargas, em A condessa descalça (The barefoot contessa), de Joseph L. Mankiewicz. Grande cineasta, talvez o mais intelectual dos realizadores americanos, um mestre nos diálogos. Um de seus filmes mais famosos, A malvada (All about Eve, 1950) está sendo exibido pelo híbrido Telecine Cult em versão colorizada, e, na página da programação, ainda se tem a desfaçatez de colocar que o filme é "colorido". Há possibilidade de se processar o canal? Não, Marcelo Janot, você não tem nada com isso. Mas Mankiewicz, que tem muitos filmes bons, tem um meio esquecido, um western, que considero magnífico: Ninho de cobras (The was a crocked man, 1970), que reúne, pela primeira vez, Henry Fonda (soberbo!) e Kirk Dougas. Antológia a seqüência na qual os dois tomam banho em banheiras de madeira. Creio que não existe DVD deste filme. Cineasta dos diálogos e dos espaços fechados, a exemplo de Jogo mortal (Sleuth, 1972), sua despedida do cinema com chave de ouro, a reunir dois monstros, Laurence Olivier e Michael Caine, quando anunciou que iria fazer um western, achou-se que não seria o gênero, como se diz agora, sua praia. Mas se saiu com elegância e perfeito equilíbrio em Ninho de cobras. Há filmes que, exibidos, desaparecem da memória. Ontem, de repente, vi a parte final de O último tango em Paris, de Bernardo Bertolucci, que tanto escândalo causou nos anos 70. O canal MGM, no entanto, cortou a cena da dança final na qual Marlon Brando baixa as calças. Uma intromissão que abala profundamente a integridade da obra cinematográfica. Além do mais, a MGM passa muito filme dublado e tem o péssimo hábito de fazer intervalos durante a exibição dos filmes, o que afasta sobremaneira a possibilidade de um contato cinéfilo.

Chaplin: o tempo, implacável, o esqueceu

Antes de falar de Chaplin, motivo deste post, um parentesis:
Este negócio de chamar Tropa de elite de fascista não tá com nada. Em entrevista à Folha de S.Paulo, o realizador Walter Salles, que há 10 anos atrás recebeu o mesmo urso dourado dado ao filme de José Padilha, com Central do Brasil, assim respondeu (o que concordo em gênero, número e grau).
Folha - O filme foi acusado de "fascista". Você achou surpreendente que um festival presidido por um cineasta de esquerda, como Costa-Gavras, premiasse "Tropa"?
Salles - Uma das características mais interessantes do filme é justamente a de embaralhar esses conceitos. Um exemplo: dois críticos tão respeitados quanto Cássio Starling Carlos, da Folha, e Thomas Sotinel, do "Le Monde", leram o mesmo filme de forma inteiramente diferente.
Mais mudando de alhos para bugalhos, o fato é que o velho e bom Charles Chaplin anda mesmo muito esquecido. Fiz ligeira pesquisa em locadoras e verifiquei que o grande artista, ícone do século XX, não é procurado pela nova geração. Chaplin é conhecido pela sua figura estampada em camisetas, posters, citações, mas seus filmes não são vistos, estão esquecidos. O relançamento, há alguns anos, de O grande ditador, na tela grande do cinema, não foi bem no box office. Poucos aqueles que se atreveram a sair de casa para ver esta obra-prima. E todos os filmes do clown foram lançados em excelentes cópias em DVD patrocinadas pelo espólio do cineasta e vigiadas pelos seus descendentes. Cada filme tem extras fantásticos com um grande realizador a proceder uma análise cuidadosa de cada obra. Bernardo Bertolucci, a falar de Luzes da ribalta (Limelight, 1953), por ocasião de sua apresentação em uma cidade italiana, quando fez, em 2003, 50 anos desde a sua realização, chega a chorar. Claude Chabrol faz observações bem instigantes a respeito da maestria de Monsieur Verdoux. Emir Kusturica fala de O circo. E mais, muito mais. Vou fazer a próxima pesquisa, para os gatos pingados que ainda têm coragem de ler este blog, sobre Chaplin. Desde já, porém, devo dizer que o meu Chaplin favorito é Luzes da cidade (City lights, 1930), embora goste muito de todos. Segundo os historiadores, o mais cotado é Em busca do ouro (The gold rush, 1925) por se constituir, talvez, na mais emblemático, um modelo clássico da comédia chapliniana. Mas fico ainda estarrecido pela poesia de Luzes da ribalta e pelo humor negro de Monsieur Verdoux, o Chaplin pelo avesso no dizer de Walter da Silveira em seu imprescindível Imagem e roteiro de Charles Chaplin. Se não me engano, foi Jonga Olivieri quem viu mais de dez vezes Tempos modernos. Talvez esteja enganado.
Chaplin, assim como Kubrick, levava muitos anos entre um filme e outro. Lançado Luzes da cidade, em 1930, somente seis anos depois, em 1936, veio a apresentar Tempos modernos (Modern times). E O grande ditador somente foi dado ao público em 1941. Cinco anos se passaram para a emergência de Monsieur Verdoux, em 1946, e mais sete para o aparecimento de Luzes da ribalta. Centenas de livros foram escritos pelos mais gabaritos intelectuais do século sobre o fenômeno chapliniano, a se destacar, entre muitos, os de George Sadoul e Elie Faure. O público ficava ansioso a aguardar "o próximo Chaplin". Impressionante se constatar, num documentário que faz parte dos extras de Limelight, as filas quilométricas para a sua avant-première londrina (com a presença da recém-empossada Rainha Elizabeth). Chaplin tinha acesso direto aos maiores estadistas da época para refletir, com eles, os destinos da humanidade.