Antes de comentar Onde os fracos não têm vez, e ainda a lembrar a festa do Oscar, uma grande decepção foi o apresentador Jon Stewart (aliás não sei nem de quem se trata). Concordo com a opinião do Comodoro expressa em artigo para a Folha de S.Paulo, quando diz que o apresentador do Oscar é muito importante para o êxito da festa. E um medíocre como Jon Stewart somente contribui para acabar com o espetáculo. Gostava do Billy Cristal que era, realmente, espirituoso e engraçado.
Eleito pela Associação dos Críticos Cinematográficos dos Estados Unidos como o melhor filme de 2007 (aqui no Brasil, lançado em 2008, será, provavelmente o deste ano, ou Sangue negro, de Paul Thomas Anderson)), e o grande vencedor da festa do Oscar, Onde os fracos não têm vez (No country for old men), de Joel e Ethan Coen, reafirma, mais uma vez, a condição destes de grandes realizadores cinematográficos num momento de crise aguda para a invenção e a criação da arte do filme. A indústria cultural hollywoodiana expõe, a cada semana, uma produção sistemática de lixo, mas, apesar de tudo, ainda resta a esperança de poder encontrar na tela grande um filme dos irmãos Coen, ou um filme de Paul Thomas Anderson, ou um exemplar da lavra de um Clint Eastwwod. Seria o caso de se dizer: pérolas ainda podem ser encontradas no lamaçal fílmico da contemporaneidade. E No country for old men é uma pérola.
Este décimo-segundo longa de Joel e Ethan Coen está a disputar oito indicações para o Oscar, incluindo filme e direção. Baseado em romance de Cormac McCarthy, Onde os fracos não têm vez faz referência, no título, a um lugar onde poucos são aqueles que conseguem envelhecer, e muitos os que, por causa da extremada violência, encontram a morte ainda jovens. Daí porque "no country for old men". Achei muito acertado o final repentino que, inclusive, surpreende os desatentos, que, atônitos, ficam mais atônitos ainda com a subida dos créditos. Vale notar, também, a maestria dos irmãos na utilização do silêncio e dos ruídos.
Poucos os filmes desta chamada contemporaneidade que conseguem me entusiasmar, como ocorria, quase sempre, no passado. Considerando que é do assombro que nasce o pensar, a visão de No country for old men deixa, no espectador, um impacto capaz de lho acompanhar muito tempo depois da saída da sala exibidora. A raridade do acontecimento faz com que este filme seja uma obra de visão obrigatória para todos aqueles que ainda gostam do bom cinema - e não do cinema que aí está no mercado. O bom cinema de um tempo que o vento levou. Assim, o filme de Joel e Ethan Coen quase que faz redimir a cinematografia contemporânea acusada de não fazer mais nada que preste.
A ação se localiza em 1980, o que se poderia dizer que se trata de um western anacrônico. Um homem desiludido com a sua condição existencial (Josh Brolin), encontra, no deserto, paisagem árida (bem explorada pela luz pungente de Roger Deakins, iluminador constante na filmografia dos cineastas), uma valise a conter milhões de dólares. A sorte, porém, lhe será madrasta, pois passa a ser perseguido por um psicopata assassino (interpretação inexcedível do espanhol Javier Bardem), que mata como se joga cara ou coroa, sem nenhum vestígio de contração emocional. E, além do mais, a caça ao homem se faz dupla quando entra na jogada o xerife local (Tommy Lee Jones, a se destacar como um dos maiores atores do cinema americano atual).
O cinema é que tem vez nos filmes de Joel e Ethan Coen. É a partir da articulação dos elementos da linguagem cinematográfica (nunca é demais repetir) que se estabelece a produção de sentidos nas suas brilhantes "mises-en-scènes". Um movimento de câmera a perscrutar a geometria da ação, os planos de detalhes que transformam os objetos retratados em elementos da fabulação, o silêncio como transformador estético da atmosfera e da criação de clima. Realizadores que procuram fazer uma revisão e uma reflexão do cinema de gênero, encontram-se sempre a oferecer uma leitura nova, a provocar, com a narrativa, o sentimento da emoção e da estesia. Nunca meros fabuladores, contadores de histórias, mas realizadores que procuram, através destas, o enunciado, o princípio do cinema, e, por extensão, da "mise-en-scène" criadora. Importante se observar o comportamento da câmera em relação ao comportamento dos personagens em ação. A fábula aqui, em Onde os fracos não têm vez, assim como nos seus outros filmes, é um pretexto, por assim dizer para a emergência narrativa.
Desde o primeiro longa dos fratelli Coen, uma revisão do film noir, Gosto de sangue (Blood simple, 1984), um estilo revelador, o surgimento, na condução da trama via procedimentos específicos do cinema, da “alta tensão” de seus silêncios, de suas pausas. A seguir, uma outra forma de expressão, a da “screwball comedy”, em Arizona, nunca mais (Raising Arizona, 1987), com seus planos-seqüências devastadores a fazer reviver os bons tempos da comédia americana. Três anos se passaram até o surgimento de uma homenagem aos filmes de gangsteres: Ajuste final (Miller’s crossing, 1990). Já um estilo “desenhado”, já uma maneira particular de expressão cinematográfica que viria a se cristaliza em Barton Fink (1991), uma metaficção, um filme inesperado e asfixiante dotado de síndromes inovadoras e surtos irônicos e insólitos.
Tenho particular admiração por um Coen menos celebrado: Na roda da fortuna (The Hudsucker proxy, 1994), um Capra redivivo com salpicos de Billy Wilder. Toda uma tradição de um específico gênero cinematográfico realizado com engenho e arte e graça insuperável. Mas em 1995 apareceu Fargo para a consagração definitiva (como não estivessem já consagrados) dos irmãos Coen. E mais, muito mais.
André Bazin escreveu certa ocasião: “Quanto mais fácil for se contar, pela narrativa oral, um filme, menos cinematográfico ele é; quanto mais difícil for se contar um filme, pela narrativa oral, mais cinematográfico ele é”.
Onde os fracos não têm vez é cinema puro. E, portanto, difícil de ser contado.