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06 novembro 2010

A marginalização de Glauber pela patrulha ideológica


Glauber de Andrade Rocha estaria, se vivo estivesse, com respeitáveis 71 anos. Nasceu nos já distantes 1939 (14 de março), quando a Segunda Guerra Mundial estava prestes a explodir, e desapareceu prematuramente em 1981 (22 de agosto), aos 42, tendo, como causa mortis, uma septicemia (infecção generalizada) ao desembarcar, vindo de Portugal, no Rio de Janeiro.

Muito já se escreveu sobre a obra cinematográfica de Glauber Rocha e, também, muito já se falou sobre a sua esfuziante personalidade polêmica por natureza. Há exegeses de todo tipo publicadas sobre a rica filmografia de Glauber Rocha, mas o melhor livro sobre ele, na minha opinião, é o de João Carlos Teixeira Gomes (Joca), Glauber, esse vulcão, editado em 1997 pela Nova Fronteira. Teixeira Gomes era um dos melhores amigos do realizador e participou de sua juventude agitada na província da Bahia nos saudosos anos 50. A amizade, porém, perdurou até o fim da vida do cineasta de Terra em transe. Assim, além da rica parte biográfica, Glauber, esse vulcão, obra fundamental para a compreensão do gênio baiano, faz também uma exegese de sua obra, a contemplar a sua linguagem e a sua estética.

Não vou falar sobre os filmes de Glauber Rocha, pois muitos já o fizeram (inclusive este comentarista). Quero me restringir à sua polêmica volta ao Brasil na década de 70, quando foi colocado à margem por grande parte de seus amigos do Cinema Novo e pela intelectualidade dita de esquerda.

Acontece que, em 1974, na desaparecida revista Visão, Zuenir Ventura encomendou a Glauber um artigo sobre o Brasil. O texto publicado veio a provocar a ira de seus companheiros, porque, nele, Glauber escreveu que a volta do país à democracia não poderia prescindir do apoio dos militares progressistas. E elogiou a abertura, lenta, gradual, de Geisel, chamando o General Golbery do Couto e Silva de “gênio da raça”.

Na sua volta, ao invés de uma aclamação, recebeu a indiferença (e, segundo William Shakespeare, "a indiferença também é crime" - "Hamlet") e viu negada a publicação de seus escritos em jornais alternativos como Movimento, Opinião e até em O Pasquim. O Partidão emitiu ordem no sentido de que se espalhasse que Glauber estava completamente maluco (na acepção psiquiátrica). Pessoa muito emocional, sentimental, Glauber amargou o desespero. Não se apaga fatos históricos (como Stalin pretendeu fazer em Outubro [1927], de Sergei Eisenstein, quando mandou tirar as imagens de Trotsky).

Em 1977, quando da morte de Di Cavalcanti, Glauber adentrou o velório, ao lado do fotógrafo Mário Carneiro, e passeou, com sua câmera, o corpo defunto do famoso pintor - a família deste, depois, entraria com um processo na justiça para impedir a circulação do filme, que, apresentado em Cannes, ganhou a Palma de Ouro de melhor curta metragem. Mas, antes da proibição (que perdura até hoje), Di Cavalcanti teve negada a sua exibição numa jornada baiana em 1977. O impedimento de o filme ser mostrado tem como causa a ordem partidária emitida pelo Partidão em função da marginalização do cineasta. Enfurecido, ao saber da recusa, o realizador ataca furiosamente o organizador da jornada e estabelece uma polêmica em jornais que foi esquecida propositadamente, mas que vale, agora, ser lembrada.

Nada tenho contra o Partidão, mesmo porque, ainda que nunca fazendo parte de seus quadros, era, na época, um jovem de pensamento de esquerda, simpatizante dos comunistas, inclusive. Mas aqui se trata da constatação de fatos.

A partir de 1978, começam os preparativos para a realização de A idade da terra, todo financiado pela Embrafilme, com os maiores recursos da empresa no financiamento de um filme brasileiro. Falou-se, na época, que houve intervenção de Golbery para a liberação das verbas. O fato é que Glauber filmou a vontade, e o resultado foi um copião de 40 horas. Como montar o filme e retirar, no mínimo, 37 horas e meia para ajustá-lo às 2 horas e mais (como ficou o tempo de duração na cópia final)?

Amigo e companheiro de Glauber desde os seus primeiros filmes, Roque Araújo foi presenteado pelo amigo com as 37 horas e meia de celulóide para que as vendesse para uma fábrica de vassouras em Niterói. Roque, sempre atento, desistiu e guardou tudo em seu apartamento. Morto o cineasta no ano seguinte, Roque aproveitou o rico material excedente e realizou um documentário precioso como documento histórico: No tempo de Glauber, no qual estão registrados os bastidores das filmagens de A idade da terra, inclusive a célebre briga entre Glauber e Valentin Calderon de La Barca, então diretor do Museu de Arte Sacra dentro do qual Glauber queria filmar um ritual dançado por freiras desabusadas.

A irritação pegou foto quando Glauber, já a morar em Portugal, abraçou efusivamente o General João Figueiredo quando este estava a visitar o país. O abraço, no entanto, é simbólico. Figueiredo, presidente, representava o Brasil e promovia a abertura. Já tinha sido promulgada a lei da anistia, a censura se encontrava branda, e Glauber, neste ato simbólico, o que queria, na verdade, era abraçar o Brasil. Mas a esquerda não o perdoou. A morte de Glauber talvez tenha muito a ver com esta marginalização que sofreu de seus companheiros de luta. Falou-se, na época de sua morte, de um assassinato cultural.

Em Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, documentário de Sílvio Tendler, as cenas do sepultamento de Glauber – proibidas de serem veiculadas por mais de vinte anos por sua mãe, Dona Lúcia Rocha – mostram todos seus companheiros e amigos do peito do Cinema Novo. Todos se encontram emocionados, tristes, muitos a chorar. Lágrimas de crocodilo? Parece que não. Aqueles que fizeram de tudo para marginalizá-lo estavam todos lá, contritos. A morte funcionou como uma redenção. Glauber foi sacralizado. E mostras e homenagens foram realizadas por muitos que o chamaram de maluco e coisas que tais.

03 novembro 2010

A decadência dos 'trailers'


A decadência do cinema contemporâneo se reflete também nos trailers, que se caracterizam por uma pulsação de imagens rápidas que não oferecem nenhuma possibilidade de contemplação. Falo dos trailers dos filmes oriundos da indústria cultural de Hollywood. A estética do videoclip, que tanto mal está a fazer ao espetáculo cinematográfico, está também inserida nos trailers.

Gostava muito de ver trailers e, muitas vezes, ficava para a outra sessão apenas para vê-los novamente (num tempo em que era permitido se ficar para quantas sessões se quisesse - o cinéfilo podia entrar duas da tarde e sair meia-noite depois da última sessão). A velocidade, que castiga sobremaneira a contemplação, leva tudo de roldão. Não há, no chamado cinemão, mais espaço para a reflexão e a contemplação, exceção se faça a alguns filmes privilegiados com a vida inteligente atrás das câmeras, a exemplo de A troca e Gran Torino, ambos de Clint Eastwood, Sangue negro, de Paul Thomas Anderson, as fitas dos fratelli Coen, os filmes de Martin Scorsese, Antes que o diabo saiba que você está morto, de Sidney Lumet, entre poucos.

Mas nem tudo está perdido, pois ainda restam realizadores competentes como Sidney Lumet, cujo Antes que o diabo saiba que você está morto foi um dos melhores filmes apresentados no circuito há alguns anos. E há, bissextamente, delicatessens, como Medos privados em lugares públicos, do mestre supremo Alain Resnais. E o recente Ervas daninhas (Les herbes folles), que já saiu em DVD.

Mas estava a falar dos trailers. Antes do atual "tsunami" da "videoclipação", os trailers eram pensados como se fossem um curta-metragem e possuíam estilos, ritmos, e, em alguns casos, uma marca pessoal muito forte, como os trailers dos filmes de Alfred Hitchcock, que eram todos dirigidos por ele. O mestre aparecia a comentar, a fazer piadas, a anunciar o filme de maneira surpreendente e genial. Em Anatomia de um crime, de Otto Preminger, este, que não trabalha no filme, aparece no tribunal vazio a chamar, um por um, os atores do filme. Na atualidade, porém, os trailers se descaracterizaram, e são praticamente todos iguais feitos pela "linha de montagem" dos estúdios, a perder, com isso, a originalidade que possuíam.

E por falar em trailers, é absolutamente insuportável a quantidade destes que algumas distribuidoras de DVDs colocam antes do filme propriamente dito. A finalidade, que seria a de promover os filmes, para mim surte efeito contrário. E dá trabalho avançar para não vê-los e cair diretamente no filme.

Mas o público pouco ou quase nada está a ligar para isso. Seria interessante se fazer uma mostra de como eram os trailers de antigamente para se ter uma idéia da engenhosidade com que eram feitos. O trailer original de Cidadão Kane, que pode ser encontrado no DVD distribuído pela Warner (o da Continental não deve ser visto, pois a cópia, como de hábito nesta distribuidora, é muito ruim), é muito original, e tem um microfone como condutor de sua realização. Aliás, Kane, de Welles, é um filme bem radiofônico (Rogério Sganzerla aproveitaria o "gancho" em O bandido da luz vermelha, que é um filme radiofônico sem deixar de ser extremamente cinematográfico).

Na época em que as imagens em movimento estavam restritas às salas exibidoras e, para vê-las, tinha-se que pagar um ingresso (hoje as imagens podem ser vistas em diversos suportes e a criança já nasce vendo a televisão ligada no quarto da maternidade), havia uma maior magia, um maior encantamento. Na época em que os cinemas tinham quase dois mil lugares, cortinas, e a abertura de uma sessão se fazia de forma pomposa, com gongos, luzes de variadas cores que se acendiam e apagavam, a cortina que se abria com cerimônia. Um programa cinematográfico, por exemplo, “circa 1960”, comportava primeiro o cine-jornal de atualidades (Canal 100, Atualidades Atlântida, Herbert Richers, etc), e, logo a seguir, dois “trailers” (não mais que isso). E as sessões eram sempre em horários certos: 14, 16, 18, 20 e 22 horas. Quando acontecia de o filme ter metragem maior: 14, 16.30, 19 e 21.30. Neste caso, para preencher o horário, além do cine-jornal e dos dois “trailers”, havia um documentário chato (geralmente de I. Rozemberg, Primo Carbonari, entre outros). Havia também um cine-jornal estrangeiro, e quem ia ao cinema nos anos 50 e 60 deve estar lembrado das Atualidades Francesas, principalmente, e O Mundo em Notícia, de Gunter Bohm.

Os cine-jornais desapareceram com o advento do jornalismo televisivo, porque, em tempos idos, quando as emissoras televisivas ainda não possuíam um jornalismo eficiente, a única maneira de se ver as celebridades e as personalidades da política e da sociedade era através das atualidades. Conhecia-se, por exemplo, os presidentes da República por elas. Havia, no final, sempre um jogo de futebol, que era apresentado um mês depois de sua realização.

Os “trailers” que vemos atualmente nos cinemas é um pálido reflexo daqueles do passado.

01 novembro 2010

"O Homem do Prego", de Sidney Lumet

Vi O Homem do Prego (The Pawnbroker), de Sidney Lumet, na adolescência dos meus 16 anos no primeiro semestre de 1967 no antigo cine Popular em Salvador. E fiquei impressionado. Impressionando pela performance magistral de Rod Steiger, ainda que um pouco over demais, influência do Actor's Studio, mas plenamente convincente. Impressionado pela direção de Lumet com a montagem de lances de memórias e o uso funcional da câmera lenta, que, na época, constituíam-se em novidades. A rede Telecine está a apresentar, no seu canal Cult, vários filmes do cineasta e, entre eles The Pawnbroker. A visão recente do filme, se, por um lado, não desperta a estupefação, por outro deixa uma excelente impressão como um filme maduro e bem articulado. Lumet sempre gostou das filmagens in loco, dando preferência a rodar seus filmes em Nova York. Rod Steiger, caracterizado, anda por suas ruas no meio da multidão anônima. Há, pelo menos, dois momentos dramatúrgicos de rara eficiência: quando conversa num parque com uma senhora e quando explica a seu funcionário o que é ser judeu. A câmera lumetiana é sempre muito ágil, e a montagem não deixa margens para a queda do ritmo. É também impressionante o momento em que Steiger, desesperado, fura sua mão em um close up exasperante de dor.

Lumet, que está na enquete deste blog, tem perfeito domínio da mise en scène. Sua filmografia, ainda que irregular, tem momentos grandiosos que perdoam os filmes considerados menores.

31 outubro 2010

Copacabana me engana

Primeiro longa metragem de Antonio Carlos Fontoura (A rainha Diaba), Copacabana me engana, em 1968, traduziu-se numa revelação para o cinema brasileiro. Filmado com lente anamórfica (cinemascope), mas sempre apresentado no Canal Brasil em horrenda tela cheia (full screen), o filme é um retrato da geração de jovens do bairro de Copacabana na década de 60. O elenco é ótimo: Carlo Mossy, que então se encontrava na sua primeira experiência cinematográfica, Odete Lara, Paulo Gracindo, Cláudio Marzo, Joel Barcellos, entre outros.