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29 junho 2007

Tela em transe


Jorge Alfredo, o cineasta do premiado Samba Riachão, entrevista, aqui, outro colega, e também baiano, José Araripe Jr, o realizador de Esses moços, que ainda continua em cartaz no circuito.


- Como se faz para furar o cerco dos americanos e colocar um filme de baixo orçamento no circuitão?
Felizmente ainda existem distribuidores e exibidores preocupados com esse segmento. Mas furar esse cerco pode não significar nada. O que faz um filme brasileiro ser notado é o volume de publicidade investido nele. E isso também pode significar nada. Pois outros fatores são pré-requisitos ferozes: leia-se o mix de valores agregados: atores famosos, efeitos, sexo, violência...
E mesmo assim um filme pode naufragar, se o diretor for um desconhecido ou não agradar a crítica. Em meio a tantos lançamentos festejados é praticamente impossível obter espaço na mídia espontânea. De todos os filmes em cartaz no Brasil hoje, Esses Moços é o filme mais atípico. Nossa qualidade está em sermos diferentes e nesse quadro, só o boca a boca pode fazer o filme ter mais audiência.


- Existe espaço para a critica séria e inteligente no jornalismo brasileiro?
Sim, claro, mas cada vez menos. Infelizmente os formadores de opinião do jornalismo diário, podem condenar um filme à morte antes de sua primeira sessão. Você já observou que já na madrugada de sexta, antes da primeira sessão do filme, é possível ler as sentenças que reduzem um filme à cinzas? Essa é a mesma critica que adora dizer amém aos modismos de hollywood, esses fazem tanto mal ao cinema brasileiro quanto o monopólio dos Blockbusters.


- Esses Moços é uma vítima disso e você estava preparado para receber críticas?
Sim. Independente de falarem bem ou mal, que importa é que a crítica seja uma análise da obra, com alguma coerência ou método. Pois mesmo quando apontam lacunas, falhas e insatisfação demonstram sensibilidade e acuidade, e, naturalmente, é possível enxergar alguma inteligência por trás do teclado.

- Você se refere a que tipo de leitura crítica?
A crise de identidade da crítica se manifesta antes de tudo no gênero. Hoje se mistura tudo: artigo, reportagem, resenha, colunismo social, opinião, resenha... As mais preguiçosas ou preconceituosas normalmente não se sustentam, na maioria das vezes são conotadas por fatores extra fruição. O complicado é que esses escribas ganham autoridade num espaço de comunicação de massa e abusam do poder.

- E que mais lhe irritou na postura da crítica em relação a Esses Moços?
Na estréia do filme no festival do Recife, as mais de duas mil pessoas que lá estavam receberam o filme com muito carinho, interagindo e aplaudindo o filme em cena aberta diversas vezes. Mas, as matérias que se referiram a participação no festival, simplesmente omitiram esse fato. Por acasião do lançamento um mês atrás, fomos vítimas da superficialidade dos resenhistas de Folha, Reuters
e Veja. Criticas preguiçosas que induziam o espectador a não ver o filme. E o papel da crítica não é esse.


- Mas, como você fala, me parece que o filme, realmente não agradou à crítica?
Tivemos algumas críticas ruins, outras boas, onde há leituras que conseguem perceber o filme com sensibilidade, e apontam as qualidades da obra sem benevolência, e os defeitos, sem arrogância.
Por outro lado recebemos dezenas de depoimentos espontâneos via e-mail, ou blogs, de cinéfilos, cineastas e espectadores. Algumas dessas leituras se colocadas lado a lado com as opiniões que menosprezam o filme, no faz refletir de como há um divorcio real entre o olhar leviano da mídia ligeira e o olhar do espectador que apenas sente o que um filme denota.

- No panorama atual, onde predomina o realismo e o documentário social e biográfico, há espaço para um cinema de fábula como o seu?
Quem conhece meus filmes anteriores sabe que sou um fabulador. Meu cinema está mais para o primeiro cinema, para o teatro de variedades. É cinema, mas não é obcecado pela recriação da realidade. Nele há espaço pro cinema mudo, pro circo, pro teatro e para a poesia principalmente. E o que parece ingênuo é planejado. Isso incomoda quem está acostumado a tudo redondinho. E a carga de despojamento e lirismo que os personagens carregam ao mesmo tempo, não costuma freqüentar o realismo de cartilha.

- Para esse tipo de filme não faz falta um outro circuito?
É infelizmente falta. As salas de cinema no Brasil estão virando um gueto de elites. E não apenas da elite que pode pagar. Mas de uma elite de jovens, que desde a infnacia já alugaram o espaço de seus imaginários ao modelo de cinema serial, calcado apenas na velocidade, no superlativo e na pirotecnia. São dois tipos de cinema em conflito: o dominante dos super heróis e um outro: o cinema dos homens comuns. Para esses comuns sobram apenas 20% das salas, onde ainda é possível ver um tipo de cinema de qualidade, mas aí a concorrência é grande também, e a tendência é também o estrangeiro dominar o segmento. O cinema é uma indústria rica, e dedicada a quem tem poder aquisitivo. Faltam circuitos que deveriam levar a 80% da população, cinema com preços populares. Mas só a televisão e leis mais rígidas podem defender o produto brasileiro dessa lavagem cerebral, que é avassaladora. Essa dominação absoluta dos lançamentos estrangeiros, está apontando para se repensar não apenas as leis, mas o papel do jornalismo, que tem usar seu poder para ajudar a deter esse monopólio.

- O que você faria diferente na hora de lançar um filme?
Creio que temos um mercado ocupado e com alguns vícios recorrentes, que todos nós temos que enfrentar quando lançamos um filme. Há os lançamentos de nomes consagrados e há os filmes mais populares, na atualidade quase sempre ligados às majors e a Globo Filmes, que conseguem ser lançados com um bom número de cópias e uma boa divulgação, mas, em contrapartida, sofrem na sua grande maioria também, séria discriminação.

- Os festivais ajudam a carreira de um filme?
Os festivais, sejam eles nacionais ou internacionais, dão prestígio a um determinado tipo de filme e a crítica, em geral, se sente à vontade para recomendar esses filmes. Esses Moços é um exemplo de filme que não tem muito "o perfil para ganhar festival", é popular, e a crítica não sabe se comportar diante de um filme assim. Os festivais no exterior se tornam mais importantes ainda. Mas, é algo difícil para um filme fora do eixo, pois depende de ligações que exigem maior poder de fogo das produtoras. É claro que o filme independente brasileiro que consegue isso, imediatamente é recebido em seu país com outros olhares. Coisa de uma colonização arraigada, que sagra o filme pobre Iraniano e argentino, como cult e criativo, mas esnoba o igualmente criativo cinema brasileiro de baixo orçamento.

- Diante de uma ocupação abusiva dos blockbusters, que chega a um percentual inacreditável de 80% com apenas 3 filmes, está havendo uma reação das associações cinematográficas e de parte da crítica. É a Tela em Transe. O que pensa um cineasta que está lançando seu primeiro longa no circuito com um número ínfimo de cópias?
Só um mobilização ampla pode melhorar esse quadro.É fundamental também que se ocupe anualmente a mídia de massa – principalmente a TV, com campanhas institucionais trimestrais patrocinadas pela estatais, onde possa se juntar as belas imagens de nossos filmes para incentivar e estimular e incentivar o grande público a conhecer os muitos brasis, nosso talentos e nossas historias. Alem disso ampliar a cota de tela, taxar cópia a cópia, criar a cota de trailler e garantir espaço para o merschandesing nos foyers das salas.

- Em 2001, o cinema brasileiro levou um número considerável de público às salas de cinema como há muitos anos não vinha acontecendo. O que houve de lá pra cá, que não conseguimos manter esse avanço? Houve uma contra reação?
Principalmente falta de estratégia de comunicação. Os filmes estão sendo lançados sem apoio de pesquisas para definir a linha de criação da comunicação, e seus verdadeiros públicos alvos. Por outro lado está cansando essa formula do filme TV. Só campanhas cooperadas que reúnam os sem propaganda podem ampliar o posicionamento do cinema brasileiro na mente do espectador. O resto é recrudescer contra o abuso desse quase monopólio. Trabalho de formiguinha, onde nossos heróis desdentados devem agir com inteligência para enfrentar os superpoderosos da américa do norte.

28 junho 2007

Os melhores de todos os tempos



A lista que segue, elaborada pelo American Film Institute (AFI) contempla os filmes americanos. Mas não deixa de ser interessante, pois o instituto é sério. Em 1997, o American Film Institute realizou uma ampla votação entre críticos para elaborar a lista dos 100 melhores filmes de todos os tempos. O grande vencedor foi Cidadão Kane, de 1941. Pois uma década depois o AFI voltou a fazer a pesquisa e a liderança permaneceu com o filme dirigido e estrelado por Orson Welles. Tirei do Adoro Cinema que tem o seguinte endereço: http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/cinenews/cinenews.asp Aqui no blog publico apenas os trinta primeiros, mas quem quiser conferir a relação completa pode tê-la no link citado. E para saber detalhes sobre cada filme basta clicar no título que o acesso aos dados é dado imediatamente (inclusive os cartazes originais). Confira logo abaixo a relação completa da nova lista elaborada pela AFI:












12 - Rastros de Ódio


14 - Psicose




18 - A General








26 - A Mulher Faz o Homem



30 - Apocalypse now

27 junho 2007

Introdução ao Cinema (1)



Atendendo a algumas solicitações, tomo a iniciativa de republicar, novamente, em capítulos semanais, a Introdução ao Cinema. Quem já o leu que lhe passe por cima, mas, de qualquer forma, há muitas pessoas que somente tomaram conhecimento do blog muito tempo depois de seu aparecimento. Espero aqui dar o a-b-c do cinema e seu caráter, como sempre enfatizei, é eminentemente introdutório sem veleidades teóricas, excetuando-se nos últimos capítulos, quando trato do cinema enquanto narrativa e fábula.
A partir de hoje, vou tentar apresentar aos leitores os elementos básicos da linguagem cinematográfica com um objetivo precípuo: introduzir o espectador nos meandros desta linguagem, considerando que a maioria das pessoas que vai ao cinema apenas se contenta com a história, desconhecendo por completo que o cinema tem, também, uma narrativa, e esta se expressa pela capacidade do realizador em articular os elementos lingüísticos próprios da arte do filme. Trata-se, na verdade, de uma introdução ao cinema com um cunho didático e com um propósito de esclarecimento. A introdução será feita em partes que serão desenvolvidas através de várias semanas. Para se atingir a especificidade da linguagem cinematográfica, três são os elementos básicos, fundamentais, com os quais o realizador precisa saber articulá-los se quiser obter, no filme, força expressiva. São os elementos determinantes da especificidade da linguagem fílmica: a planificação, os movimentos de câmera e a angulação, havendo um quarto elemento, a montagem, que também determina a especificidade, ainda que, hoje, não possua mais a primazia do passado, quando era considerada a expressão máxima da arte do filme - a introdução das tomadas demoradas (Michelangelo Antonioni, o cinema iraniano atual, Theo Angelopoulos...) a partir dos anos 50 e o advento da profundidade de campo (Orson Welles, William Wyler, etc) tiram da montagem a sua supremacia no processo de criação cinematográfica. Antes dos anos 40, porém, quando do seu auge, é necessário salientar que nem todos os filmes dessa época se submetiam à estética da montagem. Juntamente com a vanguarda francesa, o cinema soviético é, talvez, o único a levar a montagem a seu paroxismo, principalmente com os filmes de Serguei Eisenstein - O Encouraçado Potemkin, 1925, Outubro, 1927, etc. Os elementos componentes da linguagem cinematográfica , apesar de imprescindíveis, não lhe determinam, contudo, a sua especificidade. O roteiro, texto escrito é, ainda, uma peça literária, uma pré-visualização do filme futuro. A fotografia ajuda a compor e a melhor definir o estilo, algumas vezes com função dramática especial - Vittorio Storaro, iluminador de Bernardo Bertolucci (O Último Imperador, O Céu Que Nos Protege...) assume uma função de quase co-autoria , mas, na maioria dos casos, o diretor de fotografia segue os ditames do realizador. A cenografia, ainda que, em raros filmes, surja como elemento deflagrador da evolução temática - Vincente Minnelli em Deus Sabe Quanto Amei/Some Came Running, 1957, usa a cenografia como determinante da explosão dramática, é elemento componente, assim como a parte sonora, os ruídos, os diálogos, a música - casos existem, como em Os Guarda-Chuvas do Amor/Les parapluies de Cherbourg, 1965, e Duas Garotas Românticas/Les Demoisselles de Rochefort, 1966, ambos de Jacques Demy, nos quais a música tem tanta importância quanto a mise-en-scène, chegando mesmo a se falar de uma mise-en-musique para estes filmes. Se a literatura se exprime por meio de palavras, vale dizer, signos arbitrários, e o teatro, além do texto, tem a presença física dos atores, a cenografia e os efeitos de iluminação, o cinema também dispõe dos recursos do teatro e da literatura e ainda de um recurso próprio, importantíssimo, que é a variação do ponto do espaço de onde são fotografadas as imagens exibidas na tela. Assim, toda cena de um filme é formada por muitos instantâneos vistos de diferentes perspectivas e denominados de planos. Chama-se variação do ângulo visual essa particularidade do cinema. Quando alguém vai ao teatro, a cena é vista do mesmo ângulo, o ângulo visual do lugar em que se está sentado. A variação do ângulo visual é, portanto, a base da linguagem e determina a sua especificidade.
O exemplo do espectador do teatro é ilustrativo: este, se quiser ter uma perspectiva diferente do palco, tem que mudar de lugar. No cinema, não, o espectador, ficando no mesmo assento, vê a cena de muitos modos diferentes, porque a câmera cinematográfica se encarrega de mudar de lugar - de ângulo - para ele. O que significa dizer: o espectador vê o filme por intermédio da câmera, vendo sempre aquilo que ela viu na rodagem do filme. Tudo o que se vê na tela - no enquadramento - é o que se chama de realidade profílmica: aquilo que se encontra no campo visual abarcado pela objetiva da câmera. Um cineasta, quando pretende fazer determinada tomada, escolhe um fragmento da realidade, recortando-o através do enquadramento, fixando uma parcela maior ou menor do campo visual. A parcela contida nos limites desse campo visual é o que se denomina quadro fílmico. No filme, o quadro fílmico é a área do fotograma. Na operação de filmagem, o campo da objetiva e, na projeção, a superfície da tela. Assim, conforme a câmera fique mais próxima ou mais distante - ou mais inclinada ou mais à direita - tem-se, no seu visor e, depois, na tela, diferentes aspectos ou enquadramentos da realidade profílmica. Nunca se vê, portanto, uma imagem do mesmo ângulo visual por mais de alguns segundos, pois a câmera sempre muda de lugar., selecionando e enquadrando diferentes parcelas da realidade profílmica. A mais simples das cenas é vista como uma articulação de diversos instantâneos, filmados de diversos ângulos e mostrando aspectos da realidade profílmica, instantâneos que são, precisamente, os planos, os quais possibilitam a extraordinária variedade de pontos de vista oferecida pelo cinema. A conquista da linguagem cinematográfica foi sendo feita aos poucos, ela não nasce com a invenção do cinema em 1895 pelos Irmãos Lumière. Se a projeção de filmes neste ano, em Paris, inaugura o registro das imagens em movimento, o que se descobre, no entanto, é uma técnica foto-reprodutora da realidade, mas a linguagem ainda não existe, desenvolvendo-se aos poucos até que o americano David Wark Griffith sistematiza, em 1914/15, os diversos elementos determinantes da especificidade fílmica em O Nascimento de uma Nação (The Birth of a Nation, 1914) e, também, com maior forca em Intolerância (Intolerance, 1916).
Para não cansar, outra pílula será dada na próxima quarta. Não se trata de Lexotan e o objetivo é didático, procurando, aquele que escreveu o texto, eu, ser claro e objetivo. Se conseguiu, está satisfeito. Não seria necessário dizer que a foto que ilustra o post é de Charles Chaplin.

24 junho 2007

De um cinema que morreu



É impressionante a quantidade de filmes importantes que estão sendo lançados em DVD, vindo a proporcionar, com isso, a oportunidade de se fazer uma verdadeira revisão dos grandes realizadores. A excelente definição da imagem já possibilita se apreciar o trabalho do iluminador, tornando a visão de um filme em disco bastante convincente e, mais importante, substituindo até a sua perda na tela grande. Com os ingressos na estratosfera, a dificuldade de locomoção, os pontos distantes, os ruídos dissonantes da platéia da sala exibidora, que impedem a plena contemplação, a fruição completa, de um filme, entre outros fatores negativos, o DVD está, a cada dia que passa, se firmando como uma nova opção para os amantes do bom cinema. Quem nasceu há mais de 40 anos, vê, no disquinho, uma revolução, pois, na sua época, nunca pensaria poder ter, home, os filmes de sua preferência, pois as imagens em movimento, em tempos não muito remotos, ficavam restritas ao escurinho do cinema e para se ter acesso a elas era preciso que se adentrasse pela sala de uma casa de espetáculos. O cinéfilo mais atento tem, agora, à sua disposição, filmografias completas de grandes autores em cópias remasterizadas e perfeitas, além do mais acompanhadas de extras que ajudam na compreensão do processo de criação artística de alguns cineastas. Quem poderia imaginar, há pouco tempo, ver, em casa, no aconchego do lar, toda a obra de um Federico Fellini, por exemplo? Ou a produção de Chaplin em cópias estalando de novas? Ficávamos, antigamente, ao sabor dos lançamentos e ao sabor das circunstâncias - se, no lançamento de determinado filme, o interessado cinéfilo houvesse de viajar, ou contraísse uma gripe forte, poderia perdê-lo para sempre. E, além do mais, o ir ao cinema, hoje, não é mais igual ao ir ao cinema de épocas pretéritas. A platéia de adolescentes - ou aborrecentes - dá a tônica e não há mais respeito pelo que se está a assistir, predominando a zuada que perturba a contemplação, com os insuportáveis apitos dos telefones celulares (para ser verdadeiro, tive vontade de ma
tar uma pessoa que estava numa sala escura a atender o celular como se fosse uma débil mental), as conversinhas ao pé do ouvido, e a comilança generalizada. Não queremos dizer, no entanto, que o DVD vá substituir o cinema, mas, não podemos fugir da realidade, o disco digital está diminuindo em muito a freqüência às salas exibidoras, deixando estas para os gritos dos vândalos que, nos fins de semana, tomam conta das casas de espetáculos como uma decorrência natural do shoppear. E mesmo que o cinéfilo tenha, em sua residência, um verdadeiro home theater, a imagem na tela grande sempre é insubstituível no impacto que vem a causar, entre outras determinantes, pela própria condição de assistente, membro de uma platéia, o que determina uma comunhão no ato de ver o filme. Mas o vandalismo contemporâneo, por outro lado, está vindo a desestimular e a desfazer esta congregação platéia-filme, deixando ao cinéfilo a solidão, a aporrinhação e a consumição. É verdade que já desde meados do decurso dos anos 80, o videocassete já estava a proporcionar a visão de filmes nos lares. Mas, assim que apareceu, a qualidade das fitas magnéticas deixava muito a desejar e não ameaçava de modo nenhum a ida do cinéfilo ao cinema. No advento do vídeo no Brasil, as fitas eram deficientes, as cores dançavam em cima das pessoas e dos objetos, verdadeiros borrões, que impediam a contemplação fílmica, considerando que um filme não se restringe apenas à sua história, mas é um conjunto harmônico que reúne a manipulação dos elementos da linguagem cinematográfica, fotografia, etc. E nunca em fita magnética vimos tantos filmes distribuídos com o rigor dos que estão sendo lançados em pacotes em DVD - pacote de Pasolini, de Fellini, de Rossellini, de Antonioni, de Hitchcock, e por aí vai.
Lembro-me que, nos anos 60, estando no Rio de Janeiro, naquela época uma verdadeira Cidade Maravilhosa, li, por acaso, no roteiro do Caderno B do Jornal do Brasil, que Ladrões de bicicleta, de Vittorio De Sica, clássico do neo-realismo italiano, estava programado em sessão única na Cinemateca do Museu de Arte Moderna, às 16 horas. Mal chegado ainda à cidade, fui ver esta obra-prima, que nunca tinha visto, mas lido muito sobre ela, e, finda a sessão, uma chuva torrencial, tempestade mesmo, se abateu sobre o Rio, deixando tudo engarrafado. Sem poder tomar táxi, que não aparecia devido à chuva, voltei andando debaixo do toró do Flamengo até Laranjeiras, onde estava hospedado. Dia seguinte, febre alta, e ameaça de brutal pneumonia. Mas estava satisfeito. Tinha visto Ladrões de bicicleta. O que conto acima seria impossível de acontecer nos dias atuais. Tenho, por exemplo, o filme em vídeo, que fica quase aposentado numa prateleira. O fato narrado é de um tempo em que as imagens em movimento se restringiam às salas de cinema. Para não falar nas possibilidades contemplativas das televisões por assinatura e, agora, até a realidade concreta de se baixar tudo que se quiser pela internet.