Seguidores

12 julho 2012

Cineastas baianos contestam Secretário de Cultura

Tuna Espinheira
Henrique Dantas
Em recente entrevista dada por Albino Rubim, Secretário de Cultura do Estado da Bahia, que pode ser lida em http://cabinecultural.com/2012/07/03/entrevista-secretario-de-cultura-albino-rubim-parte-um/, dois cineastas baianos fazem reparos em alguns de seus pontos fundamentais: Henrique Dantas, diretor do aclamado Os filhos de João e Ser tão cinzento, e o veterano Tuna Espinheira (autor de Cascallho e de mais de duas dezenas de curtas metragens).

Henrique Dantas respondeu:
"Acredito que o secretário, comete alguns equívocos…. Em primeiro lugar a APC não defendia apenas o edital de cinema de longa metragem em 35 mm, basta conferir o documento com a proposta de edital que encaminhamos para ser estudada junto a secretaria,. Em segundo lugar, o secretário teve acesso a e-mails internos trocados entre os associados, onde tivemos alguns e-mails pessoais que podem não ter o agradado, mas que em momento algum foi a posição da associação, que estava construindo um diálogo que foi atirado contra o muro. A grande maioria dos associados não sabia que esses e-mails seriam apresentados ao secretário, o que gerou essa precipitada e imatura interpretação. Tanto as pessoas da APC, quanto as pessoas da ABCV (inclusive somos muitos associados as duas associações) estão tentando construir uma política para o audiovisual, talvez com mais experiiência acumulada do que a secretaria e deveríamos ter sido ouvidos principalmente antes da decisão sobre os editais, que acreditamos que seja repletos de falhas e que a secretaria deveria consultar o edital de audioviisual de Pernambuco para aprender com nossos vizinhos conceitos mais próximos da realidade de quem produz cinema e audiovisual e que sabem, que apesar do cinema ser audiovisual, o cinema é cinema antes de tudo e sendo curta ou longa, tem um papel fundamental no desenvolvimento de linguagens….. Espero que tenhamos um crescimento e amadurecimento desse diálogo e que eu como associado, não tenha acesso a e-mails trocados entre os funcionártios da Secult, por favor"

Tuna Espinheira:
 "A zanga do Secretário (Secult), para assombro geral, não se deve pelo contraditório, entre o que pensa a APC-BA, em relação a sua política cultural destinada ao cinema baiano. Seu aborrecimento, que o levou a anunciar um rompimento do dialogo com a referida Associação, e sim, devido a alguns e-mais trocados por associados, julgados por ele como ofensivos a sua pessoa. Ora, como afirmou o Henrique (acima), nada oficial da APC, nem matéria de alcance público. Eram e-mails de circulação restrita. Mesmo assim alguém resolveu incrementar o lamentável "disse-me-disse", amarrou nas fraldas e municiou o Gestor. O dialogo foi cortado! Nosso projeto é muito mais abrangente que a defesa dos editais para longa metragem, embora tenhamos frisado a importancia destes, como um acontecimento anual, referendando uma tradição exitosa começada na "herança Maldita", quando os concursos tinham o respaldo de um edital com Juízes de Notório Saber. Aqueles editais redundaram em filmes honestos, bem realizados, de alto nível. Não se apaga a história do que deu certo. Também não foi por falta de dinheiro que o longa metragem foi alijado. Havia recurso, sim. Mas, apesar de ter sido dito (pelo próprio Gestor), em reuniões com a classe, que havia menos de cinco milhões para ser dividido com todos os segmentos ligados à SECULT. Eis que, a merreca anunciada, por um passe de MILAGRE, em 18 milhões e quebrados, quando do resultado do primeiro edital. Este pode ser listado em mais um absurdo típico da Bahia (como disse um dia o Governador Mangabeira). A vasta maioria dos concorrentes ficou abismado com este MILAGRE. Esta surpresa, em tempos eleitorais, deixou de fora muitos que não se arriscaram ao concurso, por conta de uma verba tão curta. A Secretaria jamais informou da decisão do MILAGRE. Pior de tudo, o julgamento coube ao pessoal da burocracia do Fundo de Cultura, e alguns gatos pingados, sendo que a maioria, sem competência e outros lastros, para darem veredictos sobre tão diversos projetos, de tantas linguagens. Com tudo isto, foi o Secretário que ficou zangado! E trouxe de volta, as esquecidas brigas de bairro."

10 julho 2012

Mulher à tarde - Apreciação


Quem vai ao cinema para ver uma trama in crescendo, que segue a lei de progressão dramática no modelo narrativo griffithiano (de David Wark Griffith), é bem provável que não vá gostar de Mulher à tarde, de Affonso Uchoa - em cartaz no CineCena Unijorge às 20 horas - hoje, terça, e amanhá, quarta, também às 16 horas. Aquele espectador que anseia por um filme no qual possa acontecer alguma coisa não terá resposta por parte da obra cinematográfica de Uchoa, que, ao contrário, é um convite para que ele, espectador, participe do tédio das personagens. O que faz lembrar o cinema antinarrativo de Michelangelo Antonioni (em particular: A aventura, A noite, e O eclipse) e, de certo modo, o cinema do grego Theo Angelopoulos, no sentido em que é a contemplação do que está dentro da tomada que importa em Mulher à tarde, e uma contemplação também no sentido pictórico, porque os enquadramentos do filme procuram estabelecer uma espécie assim de tableaux mouvants - à maneira de um Carl Theodor Dreyer. Claro que Mulher à tarde não atinge a grandeza dos realizadores citados, mas é uma tentativa estilística nessa direção.

Realizado com poucos recursos, e em digital,  Mulher à tarde tem uma distribuição marginal e não contou com o marketing dos filmes destinados às salas exibidoras mais influentes do circuito. O filme, que está sendo lançado em muitas capitais brasileiras, aqui recebeu o abrigo no CineCena Unijorge, que fica no segundo piso do Shopping Itaigara, e os contatos estão sendo feitos pelo próprio realizador através das redes sociais, de e-mails para críticos e conhecidos, além do site na internet.

Confinados numa casa, três jovens mulheres, sobre morarem juntas no mesmo lugar, vivem, porém, separadas em suas existências, pois cada uma tem seu mundo próprio, particular. Uma delas tem o desejo de se evadir, sentir o mundo em toda a sua intensidade exterior. Outra, marcada por tormentos em passado recente, sente-se presa entre as quatro paredes do espaço, e a terceira tem uma insatisfação com a sua miséria existencial, ansiando por um sentimento idealizado de efervescência. É o mal estar pessoal diante de um mundo adverso. Mulher à tarde, título rohmeriano, se constrói por meio de uma antidramaturgia para observar, como se o cineasta fosse um voyeur, as conversas miúdas e os pequenos gestos dessas criaturas.

Affonso Uchoa escreveu assim sobre o seu filme: "O pictórico se faz presente também na estrutura narrativa do filme. Mulher à tarde se divide em blocos de situações que conduzem a “quadros” – imagens estáticas que concluem esses blocos. Ao princípio de cada um deles há letreiros que se assemelham aos títulos de quadros que retratam figuras femininas na pintura ocidental: Mulher com a cabeça entre as mãos e Mulher deitada enquanto a noite cai são alguns exemplos. A cena final dos blocos é uma ilustração do escrito nesses letreiros, de modo que os escritos são como títulos dos quadros finais de cada bloco. E nesses quadros, nessas imagens de conclusão das cenas, podemos ver a imobilidade que figura o rosto e o mundo de cada uma. A imobilidade de uma vida oprimida em meio à necessidade de mudanças, e a dificuldade em dar o primeiro passo de transformação (...). O princípio narrativo do filme é fundado nas histórias mínimas, cotidianas. Numa espécie de anti-dramaturgia sem grandes acontecimentos e reviravoltas. Sem trama e sem drama. A pintura, em geral, vem em contraste ao banal: pintar significa elevar, dotar de dignidade. Só o que é grande o suficiente pra ser eternizado, merece ser pintado. Mulher à tarde é um filme que pinta os pequenos momentos. Um filme que traz pra imagem e se dedica a eternizar o comum e a vida cotidiana. Ao pintar a vida dessas 3 mulheres perdidas entre suas questões existenciais e as tarefas cotidianas, o filme afirma sua crença no poder de permanência do pequeno gesto e na grandeza das histórias mínimas.”

Mulher à tarde é um filme feito em HD (digital) e no esquema BO (Baixo Orçamento). E o evento de Tiradentes, que acontece na cidade do mesmo nome em Minas Gerais, desde o ano passado, está prestigiando os filmes feitos neste formato por cineastas estreantes na Mostra Aurora. Mulher à tarde concorreu em 2011, mas, apesar de não ter levado o grande prêmio, foi um dos filmes mais absorventes do certame. E o nome de Affonso Uchoa deve ser, de agora em diante, anotado, pois poderá vir a se tornar um dos mais interessantes diretores do cinema brasileiro que não cede à usura da bilheteria. É o reverso da medalha do que estamos acostumados a ver. Não poderíamos deixar de destacar a bela atuação do trio que faz as mulheres: Renata Cabral, Luisa Horta, e Ana Carolina Oliveira.

 A julgar assim pelo que se está a ler, Mulher à tarde pode parecer um convite à aporrinhação, mas, na verdade, não o é. Trata-se de uma obra insólita no panorama medíocre do cinema brasileiro atual que se destaca pelo apuro na composição e por uma solidariedade que vai sendo construída, aos poucos, em relação aos dramas individuais das mulheres. Necessário, no entanto, que o espectador tenha outra atitude na contemplação da obra cinematográfica e se ponha à disposição para contemplar o que está a ver sem o condicionamento imposto pelo cinema de histórias. Por que se exige do cinema sempre uma trama crescente, um enredo mastigado? Mulher à tarde é um filme antípoda de tudo isso e, portanto, um diferencial no grosso da produção industrializada do cinema contemporâneo. O mais importante, entretanto, é que há, em Mulher à tarde, poder de verdade e poder de convencimento, e um apuro por parte de Uchoa na construção de seu antiespetáculo, mais familiarizado com um cinema de grandes realizadores reflexivos. O que se pode concluir: Mulher à tarde é uma reflexão sobre a angústia da existência. 
Cliquem nas imagens!!

08 julho 2012

"Rio Bravo", de Howard Hawks

Dean Martin, Walter Brennan, e John Wayne em Onde começa o inferno (Rio Bravo, 1959), de Howard
Hawks
No ocaso dos anos dourados, houve um boom de filmes inovadores que, muitos deles, tornaram-se filmes-faróis, a contribuir sobremaneira para a evolução da linguagem cinematográfica. O cinema francês se modificava, a apontar novos caminhos, novas possibilidades expressivas, com a explosão de Nouvelle Vague. O italiano renovava o modelo narrativo pela introdução da desdramatização e da antinarrativa, principalmente na famosa trilogia de Antonioni composta por A aventura, A noite e O eclipse. Resnais, com Hiroshima, mon amour, mudou completamente o cinema, passando a existir um cinema antes de Hiroshima e outro depois dele. Mas, nesta coluna, vamos nos deter em um filme carismático e de particular intensidade: Onde começa o inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks.

Em Onde começa o inferno (Rio Bravo), resposta desse grande mestre ao 'western' psicológico que então emergia no cinema americano, há uma cadência que o distingue dos filmes do gênero que foram seus contemporâneos e, de certa forma, o que interessa ao autor é o estudo de comportamentos de homens numa dada situação. Excetuando-se o tiroteio final, e uns poucos tiros aqui e ali, os seus 144 minutos de projeção se concentram num espaço exíguo, a delegacia da qual é xerife John Wayne, com algumas deslocações dos personagens pelas ruas e pelo hotel onde se hospeda a bela Angie Dickinson - uma das pernas mais bonitas de toda a história do cinema. 

Hawks, num faroeste, sempre sinônimo de ação e contínuo corte em movimento, predispõe seu filme - uma obra-prima! - a uma quase inação, podendo se ver, nesta obra, um estilo muito mais próximo de Michelangelo Antonioni do que de um John Ford, por incrível que isso possa parecer. Há uma escrita bem marcada na utilização dos procedimentos cinematográficos, há, em Hawks, uma constância temática e estilística. Daí poder ser considerado um verdadeiro autor de filmes. Mas, na sua filmografia, existe uma diáspora, porque nas comédias a emergência de um non sense, de uma loucura, entra em choque com seus filmes fora desse gênero, como podem servir de exemplo Levada de breca, Bola de fogo, O esporte favorito dos homens, O inventor da mocidade, entre muitos outros.

Um filme brilhante como Hatari! (1962), por exemplo, segue, na sua estrutura narrativa, um mesmo tipo de itinerário. Se em Rio Bravo os personagens esperam e, durante a maior parte do filme nada acontece de significativo, em Hatari!, eles também estão sempre a esperar pela próxima caçada, e é na espera que o cineasta aproveita para estudar a índole comportamental humana. Hatari!, que foi visto como mera fita de aventuras, é, na verdade, uma obra grandiosa, inteligente, e que propicia, ainda, o prazer do cinema, o que tem se tornado um fato raro na mediocridade contemporânea que confunde obscuridade com profundidade. 

Uma vez, Jean-Luc Godard, desconstrutor do cinema nos anos 60, realizador admirado e considerado de vanguarda, respondendo a um repórter acerca do que era o cinema respondeu-lhe: O cinema é Howard Hawks. Anos antes tinha dito que 'o cinema é Nicholas Ray'. Não se viaja na maionese quando se está diante de um filme de Howard Hawks. Em Bola de fogo (Ballfire), desse realizador, que tem Gary Cooper e Bárbara Stanwick nos principais papéis, um grupo de eruditos se encontra há anos trancado numa casa com o objetivo de elaborar a mais perfeita das enciclopédias, quando, de repente, uma mulher, fugindo de uma confusão que envolve gangsteres, encontra nela um refúgio. Esfuziante, bela, termina por se fazer apaixonar por Gary Cooper. A mulher, aqui, é elemento deflagrador de uma reviravolta na vida dos sábios.

Ver Hawks é essencial! Infelizmente existem poucos 'hawks' disponíveis em locadoras, mas nas televisões por assinatura de vez em quando um deles se apresenta para o prazer do cinéfilo. Já Rio Bravo, cujo título em português deve ser desprezado - Onde começa o inferno, tem em dvd e a cópia é das mais luminosas, conservando, como é justo e correto sem atentar contra a integridade da obra cinematográfico, o formato original pelo qual foi visto nos cinemas. Esse filme, uma obra-primíssima, é considerado como um dos maiores filmes de todos os tempos, chegando mesmo, numa lista definitiva solicitada pela Folha de S.Paulo a críticos do mundo inteiro, Inácio Araújo encimá-lo como seu filme preferido. O western em Hawks segue um itinerário, uma trajetória, um percurso: Rio Vermelho (1948), com John Wayne e Montgomery Clift, Rio Bravo, com Wayne e Dean Martin, Eldorado (1965), com Wayne e Robert Mitchum e, como canto de cisne, obra crepuscular, Rio Lobo (1970). Eldorado é uma refilmagem disfarçada de Rio Bravo, mas, mesmo, assim, filme de brilhantismo assegurado, ainda mais quando se tem presente a figura emblemática do 'sonolento' Mitchum, que a crítica tanto desprezou quando atuava, chamando-o de canastrão e não sabendo vê-lo como um tipo, uma personalidade, um emblema.

Quem nunca o viu, deve ir correndo a uma locadora para alugar. Quem já o viu, que o reveja. Ou mesmo, porque vale a pena, compre-o pela internet nos melhores sites do ramo. 

Cliquem na imagem para vê-la ampliada