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19 maio 2007

Dama por um dia

Último filme de Frank Capra, o fabulador de uma América ingênua, justa e esperançosa, Dama por um dia (Pocketful of miracles, 1961) foi realizado trinta anos antes de sua morte somente ocorrida em 1991, com um elenco encabeçado por Bette Davis, que faz uma mendiga alcóolatra, em Nova York, com uma filha que, morando na Espanha, pensa que ela reside em luxuoso hotel. A comunicação entre as duas se faz por cartas, e, numa delas, de repente, a filha comunica à mãe que se casou com um conde e está de malas prontas para desembarcar em Nova York com o propósito exclusivo de visitá-la e a apresentar ao marido. O que fazer? Velho amigo dela, e 'rei' de Nova York quando da Lei Seca, Glenn Ford, que acreditava nos poderes da sorte que as maçãs vendida por Bette Davis lhe davam, decide ajudá-la, transformando-a, de uma hora para outra, numa grande dama.
O cinema americano desta época, visto hoje, exceção se faça aos mestres (Hitch, Hawks, Minnelli, entre tantos), principalmente nos filmes que usam o cinemascope (como este Pocketful miracles) apenas para alargar, se apoia muito nos planos gerais e médios e nos diálogos. Colocados os personagens no quadro fílmico, enquadrando-os devidamente, o que importa é a impressão de continuidade sem, contudo, nenhuma sugestão cinematográfica que seja mais atraente. Tudo parece muito enquadrado, muito preso dentro do enquadramento da tela larga, que funciona como uma camisa-de-força a impossibilitar uma mise-en-scène com mais agilidade e timing. E pensar que este filme foi feito depois de Acossado (A bout de souffle)!
Hope Lange é a noiva de Ford, ator muito presente nos anos 40, 50, e 60, que sempre é um prazer revê-lo, ainda não fosse nunca ninguém mais, nas telas, do que ele mesmo. Arthur O'Connell é outra 'griffe' do período no cinema americano como o Conde Afonso Romero. Mas quem encanta mesmo, e se encontra pela primeira vez atuando em cinema, é Ann-Margret, como a filha de Bette Davis. Peter Falk, o Columbus da série televisiva também comparece. O DVD é distribuído pela Continental, que respeita a integridade do formato original e o filme pode ser visto no cinemascope de origem - uma tirinha bem fina. Quem tem televisor de poucas polegadas não deve usar o 'zoom'. É falta de respeito.

18 maio 2007

Sala de Arte e seu público 'cult'



Já cansei de falar aqui, neste blog, e alhures, acerca do vandalismo que tomou conta das salas de exibição, do comportamento debilóide da platéia dos Multiplex, etc. Mas tal comportamento também se verifica nas chamadas 'salas alternativas', point de encontro da maioria dos pseudo-cinéfilos soteropolitanos, que gostam de desfilar por elas para, como dizia minha avó, 'se amostrar'. Deixo para Victor Scarlato uma observação mais percuciente num texto escrito após ter ido à uma dessas famigeradas salas da cidade, em 9 de dezembro do ano que se findou. Abrindo logo as necessárias aspas:


"Pois bem, iniciarei, mais uma vez, a partir das intempéries do mundo cult. Tratarei, neste pequenino texto, sobre uma grande insatisfação minha para com um locus cult baiano: o Circuito Sala de Arte, mais especificamente, a Sala do Museu de Arte Moderna, MAM, localizado na belíssima Avenida Contorno.

Bem, antes de prosseguirmos com tais considerações, considero proveitoso retomar alguns pontos em relação à postura que possuo para com aqueles que se mostram como indivíduos pertencentes ao mais elevado padrão cultural: o movimento cult. É louvável que estes indivíduos estejam trilhando para suas vidas um caminho movido pela arte, pelo fascínio com o underground, pela espetacularização, por uma postura de "brutal crítica" e "engajamento social", além, é claro, de um demasiado louvor ao escapismo mundano a partir das drogas. Pois bem, meus caros, posso estar sendo exagerado com tais estereotipagens, mas, ainda assim, sabemos que algumas delas estão na formação do ethos cult; permitam-me esta construção típica weberiana. Tendo este cabedal em vista, o que podemos concluir de modo rápido? O público cult realmente é composto por indivíduos apreciadores da arte nobre, ou ainda, da medíocre arte contemporânea, com todas as suas produções rasas e intimamente pobres. Afinal, como sabemos, a arte está em crise, ou não? O que me importa evidenciar é que o discurso cult é um tanto cheio de questões pouco salutares e corroído por falsas problemáticas. Ah, um ponto que acabei esquecendo: além de tudo isso, o movimento cult brasileiro encontra a sua identidade no medíocre British Pop, com aquelas canções igualmente chatas e sem maiores reflexões, ou ainda, identificam-se com os barbudinhos cult do grupo Los Hermanos, sem contar, obviamente, com aqueles que se estabeleceram e ainda permanecem nos anos 60 e 70. Um filme que bem espelha este estereótipo é 9 Canções (9 Songs – filme de 2004, dirigido por Michael Witterbottom), na verdade, um verdadeiro emblema do furor cult. De todo modo, este é um fenômeno nas faculdades de comunicação, de artes e de ciências sociais, o estereótipo Los Hermanos. Desculpem-me pela extensão deste tipo, entretanto, considero-o essencial para a compreensão do que se passa na sala do MAM.

Nesta quinta-feira passada, ocorreu-me de voltar ao MAM e assistir à um filme que chamou a minha atenção e de minha namorada pelos comentários da fatídica crítica e da sinopse (Eu me lembro – filme dirigido por Edgar Navarro, 2006). Pois bem, para a minha lamentação, um filme deveras fraco, mas, isto é algo que comentarei na próxima postagem. Então, pelo que posso recordar, esta quinta-feira passada se constituiu como a minha quarta ida a tal sala de cinema. Como sou uma pessoa que gosta bastante de cinema e dos considerados filmes de arte, ou mesmo, filmes cult, considero-me como uma pessoa que pouco freqüenta este tipo de sala. Ainda assim, este fato é facilmente explicável. O primeiro ponto é que esta sala do Circuito de Arte é nova. No entanto, isso não é justificativa suficiente, desde a primeira vez que fui à sala do MAM, tomei uma ojeriza tão grande que nunca mais quis voltar. O que é algo muito ruim, uma vez que o MAM está situado no melhor sítio de Salvador, um local que possui a mais bela vista da Baía de Todos os Santos, um lugar realmente maravilhoso. Obviamente, devo explicar os fatores que me levaram a tomar certo repúdio por aquela sala de cinema. Em primeiro lugar, o atraso e a confusão que foi criada pela platéia para adentrar a sala, algo incrementado pelo próprio corpo do MAM. Além disso, o que me causou uma imensa indignação foi a educação do público ali presente. O filme que estava sendo exibido, quando fui nesta sala pela primeira vez, era de origem portuguesa, Um Filme Falado (dirigido por Manoel Oliveira, 2003), no qual se passa entre uma professora de história e sua filha num cruzeiro pelo Mediterrâneo. Obviamente, não farei outros comentários, não é um filme excelente, no entanto, é deveras interessante na sua proposta, vale a pena assistir. O que vale evidenciar é que o filme possui vários momentos de reflexão, e que, por parte da platéia, foram acompanhados de risos histéricos, conversas e chacotas. Então, pergunto-me: será este um público deveras diferente daquele que encontramos no “circuito comercial”? Tendo em vista a elevada apreciação cinematográfica e o elevado grau de crítica sobre cinema, considero que este público é ainda deveras ridículo com todo aquele espetáculo ali formado. Aliás, o cult adora a mise en scène barata, de sarjeta. Pois bem, é este o público deveras cult que freqüenta a sala de cinema do MAM.

Já no domingo passado, podemos compreender que os mesmos problemas ocorreram, à exceção do atraso no início do filme, e, pelo menos, não aconteceu, como na primeira vez, o filme não embolou no projetor. Imaginem vocês a deliciosa sensação de estar assistindo ao belíssimo Volver, de Almodóvar, e, de repente, as luzes se acendem e a projeção se apaga. Peripécias de uma sala do Circuito de Arte. Bem, antes de entrarmos propriamente para a sala de projeção, ficamos eu e minha namorada na fila. Como já foi dito anteriormente, eu, como todo bom aspirante a observador, fico de ouvidos atentos para as conversas alheias. E, obviamente, escutei algo que me incomodou muito. Dizia o indivíduo, com toda a indumentária cult ao outro: “Se estivéssemos no Multiplex (circuito comercial de Salvador, localizado no Shopping Iguatemi), estaríamos rodeados com aquelas crianças berrando e aqueles adolescentes ridículos”. Tendo esta fala em mente, resolvi declarar a minha insatisfação e, por conseguinte, evidenciar que nunca tive problemas nas salas do Multiplex (inclusive quando vou assistir às minhas desejadas animações) como os tenho na sala do MAM. Se a ante-sala do Multiplex é deveras barulhenta, com muitas crianças e adolescentes, dentro da sala de projeção, posso presenciar o contrário da palhaçada que presencio na sala do MAM, além de contar com uma projeção melhor, ambientação e conforto infinitamente melhores. Assim, meus caros, como não evidenciar um repúdio com este público medíocre e que se considera acima, a nata intelectual? Bem, para finalizar proveitosamente a semana, foi na quinta-feira que meu pesar com aquele lugar seu deu de modo avassalador. Antes mesmo da projeção, ainda com as luzes acesas, porém, bem fracas, escutei um arroto impressionante, vale observar que a sala estava muito vazia e, que para além dos vestidos como cult, contei apenas eu, minha namorada e mais um casal. Sendo assim, o grande indivíduo educado a dar este arroto foi um cult, uma vez que o outro casal estava à minha frente. Algo deveras cabível, não? Afinal, a onda cult é ser também escrachado. Bem, após as luzes se apagarem, foi difícil assistir ao medíocre filme, Eu me lembro (Edgard Navarro, 2006), por todos os motivos já evidenciados aqui: gritarias, risinhos e conversas intermináveis. Foi uma sensação tão ridícula que tive de pedir silêncio, em uma sala pequena, com poucas pessoas (em sua grande maioria cult) e, obviamente, este pedido se deu mais de uma vez.

Assim, como analisar esta sala de cinema, que já traz no seu nome algo ridículo, Circuito Sala de Arte, como um lugar aprazível? Desculpem-me aqueles que adoram este público cult ou ainda que são cult, considero que os mesmos deveriam rever esta atitude puramente de mise en scène. Pois bem, estas pequenas observações na sala do MAM são insuficientes para dar conta de toda a formação deste público, mas, ainda assim, nos são extremamente proveitosas para imprimir considerações acerca de tal público que me causa tanto repúdio. Afinal, o que importa, de fato, fruição artística ou encencação?"

BRIGITTE PARA SEMPRE BARDOT






















17 maio 2007

Cannes e a inesquecível BB



Enquanto o Festival de Cannes está a fazer seus sessent'anos, fico a pensar, aqui, no meu canto, em Brigitte Bardot, que foi, para mim, o maior mito sexual que o cinema já teve. Vi, recentemente, uma imagem de BB com ela toda enrugada, marcada cruelmente pelo tempo. O lançamento de E Deus criou a mulher (Et Dieu créa la femme), de Roger Vadim, aqui em Salvador, na década de 50, constitui-se num escândalo, principalmente pelo plano no qual ela, esplendorosa, aparece 'secando ao sol', de bruços, sob o olhar delirante de Curd Jurgens. Ficava, adolescente, com inveja de Vadim, principalmente quando soube que ele 'papou', além de BB, Annette Stroyberg, que já foi considerado como 'o mais belo animal humano' - que trabalhou com o marido de ocasião em Ligações perigosas e Rosas de sangue, Catherine Deneuve, e Jane Fonda, sim, esta mesma, que depois viria a se tornar Hanói Jane. O Croisette está iluminado para receber os astros e as estrelas, a reviver todo um delírio de beleza.

15 maio 2007

Relembrando "Spartacus"



Considero Spartacus (1960), de Stanley Kubrick, o melhor épico da história do cinema, ainda que o diretor não tenha tido a oportunidade de concebê-lo na sua integridade, pois, tratando-se de uma produção da companhia de Kirk Douglas, a Byrna (nome em homenagem à sua mãe), o autor de A laranja mecânica somente foi convidado após a desistência de Anthony Mann, que entrou em conflito com Douglas, o poderoso producer, que já tinha trabalhado com Kubrick em Glória feita de sangue (Paths of glory, 1958), e admirado muito o seu trabalho. Com a saída de Mann da direção, Kirk Douglas o convidou para assumir a regência do espetáculo, apesar dos protestos de alguns acionistas de sua empresa produtora, que consideravam Kubrick um imberbe para uma empreitada caríssima como Spartacus. O fato é que o filme, monumental, possui características kubrickianas na maneira de encenar, na composição do enquadramento (a câmera no chão com os gladiadores de corpo inteiro,etc), no sentido peculiar do ritmo, do timing, e da concepção de montagem (Laurence Olivier, como Craso, enquanto fala para sua tropa e Spartacus a falar para seus comandados em montagem paralela extremamente funcional). O melhor de tudo, porém, é a seqüência da batalha final, que somente poderia ter sido dirigida mesmo por um mestre como Kubrick, pois se assemelha, pelo impacto, pela força expressiva, à seqüência da batalha do gelo de Alexandre Nevsky (1938), de Serguei Eisenstein. Se, nesta, a partitura é de Prokofiev, a de Spartacus é de Alex North, músico especializado em grandes temas para cinema e que tem neste filme um de seus momentos de glória. O cinema tem grandes partiturista, verdadeiros gênios como, por exemplo, este sublime Ennio Morricone que esteve no Rio a se apresentar no Teatro Municipal.

Filme de produtor, assim como ...E o vento levou é de David Selznick, Spartacus, ainda que comandado administrativamente por Kirk Douglas, este confiou na capacidade daquele rapaz e lhe deu carta branca para a concepção das grandes seqüências. Este imenso espetáculo, singular na história do cinema, saiu em edição especial cheio de extras em DVD, e pode ser considerada a superprodução hollywoodiana que melhor se conservou com o passar do tempo e, vista hoje, é como se o filme tivesse sido feito agora. A sensação que se tinha, quando do seu lançamento em 1961, aqui em Salvador, era de um filme avançado para a sua época em termos da sua concepção de mise-en-scène, deixando em segundo plano Ben-Hur e Os dez mandamentos, embora estes possam, também, serem considerados espetáculos primorosos dentro das fronteiras de seu gênero. Spartacus, no entanto, ganha de todos eles por sua magnificência, sentido de cinema pulsante, elenco inexcedível. E Laurence Olivier, como Craso, tem, aqui, um de suas performances mais eloqüentes.

Vi Spartacus, pela primeira vez, no velho cine Tupy antes da reforma de 1968. No já distante ano de 1961, quando, com 11 anos, quase que não conseguia entrar, pois, na época, o filme era proibido para menores de 14 anos. Assim, talvez meu entusiasmo pelo filme tenha vindo pelo impacto que provocou no adolescente que estava se formando como cinéfilo impertinente. Mas continuei, pela vida inteira, a ver Spartacus, indo assisti-lo onde quer que estivesse passando. A última vez que foi exibido em cinema, creio, se a memória não falha, foi nos anos 70, no Tupy, em cópia esplendorosa na bitola de 70mm. Depois passou para a fita magnética, em horrendo full screen, e, agora, vem restaurado em edição que respeita a integridade de seu enquadramento, isto é, preservando o cinemascope original.

O fascínio que permanece em Spartacus se deve muito à contribuição de Stanley Kubrick como metteur-en-scène ( que maravilha aquele momento em que Woody Stroode e Douglas, trancados, esperam a sua hora e vez de morrer, olhando um para o outro, pensando...), mas também, pela confiança que Kirk Douglas depositou nele. Produtor de visão, este dispensou a Kubrick a necessária liberdade para conceber o espetáculo, embora com algumas discussões e atritos por causa do temperamento do realizador de Lolita. Spartacus é um filme permanente que, se for ser sincero, o colocaria entre os 10 melhores filmes que já vi. Há, nestas listas de melhores, as listas afetivas e as protocolares, que procuram aferir a importância dos filmes no processo histórico da sétima arte. Posso dizer que após os 11 anos de idade, quando o vi pela primeira vez, naquele Tupy com o teto cheio de teias de aranhas negras, Spartacus permaneceu comigo, fazendo parte, portanto, de minha história de cinéfilo.

O cinema como expressão artística, vim a compreendê-lo após ver, imbuído de certa estupefação, O eclipse (L’eclise), de Michelangelo Antonioni, assistido num domingo pela manhã no Tamoio recém inaugurado (que substituiu o Glória após reforma infraestrutural). Naquela época, os filmes eram lançados às segundas e aos domingos, dez da manhã, havia as famosas pré-estréias. Foi numa delas que vim a conhecer o grande Antonioni, autor de uma trilogia indispensável e imprescindível: A aventura, A noite, e o citado O eclipse, que passou hpa alguns anos no saudoso Telecine Classic (que, morto, foi substituído pelo atoleimado 'cult').
Revi recentemente, projetado em DVD, Spartacus. Não mais a emoção de tempos idos, mas o respeito a um espetáculo, a um senhor espetáculo.

14 maio 2007

Ó Pai, Ó

Ó Pai, Ó, de Monique Gardenberg, baseado em peça do atual Secretário da Cultura Márcio Meirelles, é a expressão mais perfeita e mais acabada da baianidade estereotipada, havendo, mesmo, uma anemia profunda a se verificar em termos de ausência criadora do ato cinematográfico em função das torrentes verbais que procuram dar o toque e estimular a narrativa. Fala-se mais, aqui, do que, como se diz na velha Bahia, 'a nega do leite'. Os estereótipos de uma suposta baianidade são desfilados numa tentativa de se condensar nas imagens em movimento o way of life daquele que se diz baiano e que mora na sempre maravilhosa e mágica Bahia. O folclore made in Bahia, feito para inglês ver.O espectador mais atento fica com vontade de sair, mas, se espectador que deseja conferir o resultado e, ainda que maltratando a sua sensibilidade, espera para ver a destruição de um arcabouço que, desde o início, é falho e destituído de qualquer consistência. O simplismo do entrecho e o excesso de personagens provocam um esfaziamento de seus caracteres e, ao invés de se ter um afresco, tem-se, isto sim, uma miscelândia que alude a uma Bahia folclorizada for export.

O miolo do argumento é o seguinte: em um animado cortiço do centro histórico do Pelourinho, em Salvador, tudo é compartilhado pelos seus moradores, especialmente a paixão pelo Carnaval (a folia que já foi tão boa e tão melódica e que atualmente é uma folia industrializada na qual o povo está completamente alijado, excluso, impossibilitado de compartilhar, pela miséria abundante, de qualquer alegria, mesmo que as alegria carnavalesca) e a antipatia pela síndica do prédio, Dona Joana (Luciana Souza). Todos tentam encontrar um lugar nos últimos dias do Carnaval, seja trabalhando ou brincando. Incomodada com a farra dos condôminos, Dona Joana decide puni-los, cortando o fornecimento de água do prédio. A falta d'água faz com que o aspirante a cantor Roque (Lázaro Ramos); o motorista de táxi Reginaldo (Érico Brás) e sua esposa Maria (Valdinéia Soriano); o travesti Yolanda (Lyu Arisson), amante de Reginaldo; a jogadora de búzios Raimunda (Cássia Vale); o homossexual dono de bar Neuzão (Tânia Tôko) e sua sensual sobrinha Rosa (Emanuelle Araújo); Carmen (Auristela Sá), que realiza abortos clandestinos e ao mesmo tempo mantém um pequeno orfanato em seu apartamento; Psilene (Dira Paes), irmã de Carmen que está fazendo uma visita após um período na Europa; e a Baiana (Rejane Maia), de quem todos são fregueses; se confrontem e se solidarizem perante o problema. Se falta fôlego cinematográfico para traduzir isto que aí esta supra em ato criador fílmico, demonstrando na sua diretora, Monique Gardenberg, uma total falta de controle para reger os elementos dramáticos, O Pai, Ó nem mesmo consegue registrar um décor convincente, pois personagens não estão bem acoplados ao cenário (nem isso, pelo menos, o que seria de se esperar), e se posionam na estrutura narrativa movediça como caricaturas de si mesmos. Gardenberg, que se iniciou nos anos 90 com o estranho (até no título) Genipapo, prosseguiu sem dizer a que veio em Benjamim, e, aos trancos e barrancos, montou, dentro de um discurso no vazio, este intragável Ó Pai, Ó, que somente a obrigação de um crítico de cinema pode ser a determinante de sua contemplação. Mas não se recomenda a ninguém o sacrifício.
O crítico e cineasta Kleber Mendonça Filho também sentiu o vazio que se estabelece no filme, o cheiro de coisa nenhuma na sua análise lúcida e coerente no seu site Cinemascópio do espaço virtual: "De qualquer forma, a ausência de um comentário verdadeiro e não-codificado (ACM é ligeiramente elogiado por uma personagem desagradável, seria isso uma crítica?) sobre a 'disneyficacão' do Pelourinho na primeira metade dos anos 90 (com direcionamento claramente turístico, como esse filme) seria, nas mãos de um cineasta dotado de visão mais larga, material excelente para um filme melhor. O mesmo desperdício vai para a ausência de qualquer sinal de compreensão para com a bizarra configuração social do carnaval baiano (um dos temas centrais do filme), aquela alegria uniformizada, comercializada e separada por cordas grossas, seguradas pela mesma classe social retratada no filme. Nada disso, claro, está na tela, uma vez que Ó Paí Ó, como boa parte da cultura feita no Brasil hoje, o cinema especialmente, é uma obra sem fricção, sem tensão ou comentários que nos levem a ver o interessantíssimo Brasil contraditório na tela. É uma coisa alegre e perdida com nada a dizer, uma ironia num filme onde tanta gente grita tanto."


Trabalham na mixórdia (a maioria dos atores, diga-se de passagem, respeitável) : Lázaro Ramos (Roque) Stênio Garcia (Seu Jerônimo) Wagner Moura (Boca) Luciano Souza (Dona Joana) Dira Paes (Psilene) Érico Brás (Reginaldo) Tânia Tôko (Neuzão da Rocha) Emanuelle Araújo (Rosa) Rejane Maia (Baiana) Lyu Arisson (Yolanda) Valdinéia Soriano (Maria) Jorge Washington (Mattias) Cássia Vale (Mãe Raimunda) Auristela Sá (Carmem) Virgínia Rodrigues (Bioncê) Edvana Carvalho (Lúcia) Leno Sacramento (Raimundinho) Cristóvão Silva (Negócio Torto) Vinícius Nascimento (Cosme) Felipe Fernandes (Damião) Cidnei Aragão (Peixe Frito) Mateus Ferreira da Silva (Mateus) Nauro Neves (Lord Black) Merry Batista (Dalva) Natália Garcez (Lia) Tatau (Tatau) Telma Souza (Feirante) Lázaro Machado (Pastor) Jamile Alves (Professora) Gustavo Mello (Guarda) Nívea Pita (Fiel possuída) Anselmo Costa (Radialista - voz)


A miséria cultural na qual estão inseridos os baianos já tem seu filme-manifesto: Ó Pai, Ó.