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14 junho 2012

Morre CARLOS REICHENBACH

O cinema brasileiro está de luto com a morte do cineasta Carlos Reichenbach, o Carlão, também conhecido como O Comodoro. Além de um realizador muito competente, tinha uma profunda cultura cinematográfica. Infelizmente não cheguei a conhecê-lo pessoalmente, apesar de dialogar com ele através de mensagens bissextas pela internet. Em 2005, quando criei este blog, do qual foi um grande incentivador, convidou-me para fazer parte do júri que escolheu os melhores blogs de cinema do espaço virtual - em várias categorias. Não compareci à festa de entrega dos prêmios, realizada na capital paulista, porque a iniciativa pioneira do Comodoro não comportava recursos para passagens e hospedagem. Mas, de qualquer forma, enviou-me pelo correio o troféu e um livro. O Setaro's Blog está de luto fechado com o falecimento desse grande homem que foi Carlos Reichenbach. O que vai abaixo, copiei-o de O Globo pela pressa de postar logo esta triste notícia.

O cineasta brasileiro Carlos Reichenbach morreu na tarde desta quinta-feira (14) em São Paulo, aos 67 anos. A informação foi divulgada em nota pela assessoria de imprensa do diretor, que não cita a causa do óbito. Segundo a assessoria, ele se sentiu mal e morreu a caminho do hospital.

Reichenbach fez filmes como
A ilha dos prazeres proibidos (1979), Império do desejo (1981), Filme demência (1985), Anjos do arrabalde (1987), Alma corsária (1993) e Garotas do ABC (2003) e Falsa loura (2007).

Carlão, como também era conhecido, morreu exatamente no dia de seu aniversário. Nascido em Porto Alegre, em 1945, ele logo se mudou  para São Paulo, cidade presente em boa parte de sua filmografia. Seu primeiro trabalho como diretor, um curta-metragem, chama-se "Esta rua tão Augusta" (1969).
O nome de Reichenbach, que também foi professor do curso de cinema da Universidade de São Paulo (USP), é também associado a produções do cinema marginal e da Boca do Lixo, região central da cidade de São Paulo. Ali, faziam-se filmes de baixo orçamento e de temática ousada e autoral, tendo Reichenbach sido um dos seus principais expoentes.
Carlos Reichenbach (Foto: Divulgação)
Rogério Sganzerla (O bandido da luz vermelha), Ozualdo Candeias (A margem) e José Mojica Maris, o Zé do Caixão, são outros representantes daquele movimento cinematográfico que ganhou corpo a partir da década de 1960.
Cinéfilo declarado, Reichenbach apresentava, desde 2004, a Sessão do Comodoro, no CineSesc, em São Paulo, dedicada a raridades do cinema. O cineasta utilizava o seu blog para divulgar a programação: a postagem mais recente data de 29 de maio e trata do filme "Banho de sangue" (1971), de Mario Bava.
No dia 18 de setembro do ano passado, ele escreveu sobre seus problemas cardíacos. No texto, Reichenbach antecipava planos de um futuro trabalho: "um novo projeto de filme - a ser realizado após UM ANJO DESARTICULADO - que não me deixa mais dormir direito ou morrer, e que vai contar um pouco a história da vinda da minha mãe, da Estônia ao Brasil, na década de 20, e ilustrar uma fantasia pessoal, emocional e afetiva a respeito de Lenin". "Um anjo desarticulado" não chegou a estrear.

O corpo de Carlos Reichenbach vai ser velado no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, a partir das 23h desta quinta. Ele era casado com Lygia Reichenbach e deixa três filhos e uma neta.

13 junho 2012

Ainda "A Walter sem Walter"

A antiga Coordenação da Imagem e Som (hoje denominada de DIMAS) é a programadora e principal responsável pela Sala Walter da Silveira. Nos anos 80 e 90, único espaço alternativo da cidade, promoveu mostras e retrospectivas inesquecíveis, como a de Jean-Luc Godard (numa época em que era difícil se rever qualquer filme deste cineasta franco-belga), Luis Buñuel, Robert Bresson, entre muitos. Os amantes do bom cinema somente tinham, como opção ao cinemão, o auditório dos Barris. A sala ficava cheia com gente querendo sair pelo ladrão. Atualmente, as distribuidoras não alugam filmes para a sala porque o processo de empenho da burocracia impede que o dinheiro seja logo recebido. O projetor 35mm está quebrado. É necessário que se faça uma reforma no audiovisual do espaço. O problema do projetor, cujo espelho está quebrado, poderia ter sido logo resolvido com os recursos disponíveis para a reforma exterior da sala. A aparência em primeiro lugar. A Walter da Silveira, com a retirada das fotos do grande ensaísta baiano que lhe dá o nome, já denunciada aqui, está párecendo um pequeno shopping center. Para ficar num só exemplo: o dinheiro gasto com a reforma do banheiro feminino (foto) já daria para consertar o projetor.

10 junho 2012

Evolução da linguagem do cinema


Da câmara fixa, parada, dos tempos dos Irmãos Lumière e de George Méliès, passando pela sistematização da linguagem cinematográfica com David Wark Griffith (O nascimento de uma nação, 1914, Intolerância, 1916), o cinema, que completou o seu centenário em 1995, sofreu, na sua trajetória, várias transformações em seu estatuto da narração. Do reinado da arte muda, quando se pensou o cinema ter alcançado a sua essência como linguagem, passando pela introdução do som - que, inegavelmente, modificou a arte do filme, a linguagem cinematográfica recebeu, na sua trajetória, influências da tecnologia, incorporando seus avanços.
Incorporando os avanços tecnológicos, o cinema conseguiu sair da supremacia da montagem para a profundidade de campo - a invenção das objetivas com foco curto permitiu a Orson Welles a ousadia de uma renovação estética em Cidadão Kane, ponto de partida da linguagem do cinema moderno. A profundidade de campo permitiu a utilização de filmagens contínuas sem a excessiva fragmentação da montagem anterior. Com a profundidade de campo, anuncia-se, uma década depois, a eclosão do modelo de Michelangelo Antonioni que, com sua trilogia A aventura - A noite - O eclipse, deu ao cinema uma nova maneira de pensar e um estilo de representar. O fracionamento deu lugar a demoradas incursões da câmera dentro da tomada, permitindo, com isso, maior poder de captar a alma humana nos seus devaneios e nas suas angústias como, também, com Roberto Rossellini, assaltar com a câmera o momento histórico, o instante real ¿ o cinema como instrumento de conhecimento da realidade.
A instalação da película pancromática (aquela dotada de maior sensibilidade) e a difusão de câmeras mais fáceis de manobrar mudaram a face do cinema e foram fatores que contribuíram para o advento do chamado cinema moderno. A câmera na mão, que veio a facilitar a apreensão da realidade, surgindo o cinema-verité, é uma conseqüência da tecnologia. A película pancromática, por mais sensível, fez com que os realizadores saíssem dos estúdios fechados e se intrometessem com suas câmeras nos exteriores mais recônditos, descobrindo, com isso, um cinema mais verdadeiro porque menos artificial.
Evidentemente que a tecnologia determinou uma transformação da linguagem cinematográfica, ainda que não venha a provocar a revolução estética que se verificou quando da passagem do cinema mudo para o sonoro. A tecnologia encontra-se, por exemplo, hoje, tão evoluída, que provoca no espectador uma impressão de realidade antes impossível de ser verificada (os dinossauros deverdade dos filmes de Spielberg: O parque dos dinossauros). Tem-se a estética cinematográfica quando a técnica se conjuga com a linguagem, instaurando-se, aí, o ato criador.
Se o cinema nasceu em 28 de dezembro de 1895, com a projeção pública do cinematógrafo efetuada pelos Irmãos Lumière, a linguagem cinematográfica somente veio a se consolidar, no entanto, vinte anos depois, em 1914/15 com O Nascimento de uma nação (The birth of a nation), de David Wark Griffith. Entre o seu nascimento e a consolidação de sua linguagem, o cinema passou por uma série de gradações evolutivas, com o descobrimento, aos poucos, dos elementos determinantes de sua especificidade como linguagem sem língua. Um cinegrafista de Lumière, Promio, andando numa gôndola em Viena, e observando o casario, inventou o travelling. Griffith, em alguns curtas da Biograph, ofereceu a expressão definitiva ao close-up. Edwin S. Porter, com sua narrativa ainda balbuciante, tenta a montagem e o enquanto isso que viria a desencadear um elo importante para a construção da linguagem cinematográfica. O fato é que a linguagem fílmica nasce a partir do momento em que se constatou que a câmera podia sair do lugar, que podia se movimentar, mover-se, dando origem, com isso, à mudança do ângulo visual. Outra conquista importante veio com a constatação pelos ingleses da escola de Brighton de que, para contar uma história, é preciso inserir um primeiro plano, um close-up, dentro de um plano geral, nascendo, com isso, a montagem. O grande sistematizador, porém, é David Wark Griffith, o pai da linguagem cinematográfica sem o qual, aliás, o cinema não existiria como é hoje praticado. O próprio Serguei Eisenstein deve muito a Griffith. Este, no frigir dos ovos, é muito mais importante do que o soviético, pois o grande criador, o inventor genial, o sistematizador preciso.
Esta descontinuidade real do cinema e que se transforma numa impressão de continuidade, de fluxo contínuo, é resultado de uma abstração inconsciente da linguagem cinematográfica pelo espectador. Este, acostumado aos filmes, absorve os seus truques de linguagem, contando que esta não fuja da padronização à qual está acostumado. O que significa dizer: se, antes, para fazer que o público compreendesse que um personagem estava se lembrando do passado era preciso a utilização de fumacinhas e de diversos artifícios - nunca o corte direto presente/passado como num flash-back moderno, o cinema da contemporaneidade abdica de qualquer artifício no sentido explicativo. Os lances de memória que tornaram incompreensível O ano passado em Marienbad (1961), de Alain Resnais, hoje estão sendo utilizados na publicidade televisiva. O puzzle proposto por Welles em Cidadão Kane é perfeitamente identificável em fitas desta suposta pós-modernidade.
Conta-se, entretanto, o caso de uma moça da Sibéria que, em visita a Moscou, julgou horrível o primeiro filme (uma comédia) que tinha visto em sua vida, porque "seres humanos eram despedaçados, as cabeças jogadas para um lado, os corpos para outro". E quando Griffith mostrou os primeiros close-ups em um cinema, e uma imensa cabeça decapitada sorriu para o público, houve pânico na platéia. Aliás, quando da primeira projeção do cinematógrafo dos Lumiére, em 1895, um trem que se dirigia à câmera determinou que algumas pessoas, ainda que a pequenez da tela, o preto-e-branco nem tão real assim, se escondessem assustadíssimas, debaixo das cadeiras - com medo de o trem sair da tela e esmagá-las. Em dois filmes de 1948, Laurence Olivier (Hamlet) e Alfred Hitchcock (Festim diabólico/Rope) eliminam o corte, substituindo a descontinuidade das imagens por uma circulação incessante da câmera, que soluciona a velha contradição entre cinema e teatro. Em Crimes d'alma (Cronaca de un amore), Michelangelo Antonioni também renova a estrutura fílmica pela valorização da construção formal pelo movimento no interior de longas sequências e não mais pelo movimento de plano a plano.
Glauber Rocha também valoriza a construção formal pelo movimento no interior de longas sequências, ainda que Terra em transe seja filme de montagem sincopada, de planos curtos, com influência clara do cinema investigativo de Welles. A maioria dos filmes de Glauber Rocha, no entanto, revela um predomínio do plano-sequência - ao invés de ser dividido em cenas e diversos planos é feito numa única tomada. Isso levou Marcel Martin, ensaísta francês, a pensar numa transformação do cinema contemporâneo, transformação que começou com a desdramatização praticada por Michelangelo Antonioni, nos anos 50, e o aparecimento da câmera móvel que possibilitou o cinema-verité. Segundo o grande Marcel Martin me seu fundamental A linguagem cinematográfica(Brasiliense, 1990):
"O cineasta tende cada vez menos a decupar seu filme de maneira a destacar uma série unilinear e inequívoca de acontecimentos; já não sublinha por meio de montagem ou de movimentos de câmera aquilo sobre o que ele deseja fixar a atenção do espectador; a câmera não desempenha mais o seu papel habitual de nos dar o ponto de vista de uma testemunha virtual e privilegiada sobre todos os acontecimentos, facilitando, assim, o trabalho perceptivo e estimulando a preguiça intelectual do espectador (...) O abandono da linguagem concebida como conjunto de procedimentos de escrita ligados à técnica, tal como era praticada por Eisenstein ou Welles, é, portanto, acompanhada de uma rejeição do espetáculo, noção ligada à da direção (...) Passamos a um outro plano: o cinema de roteiristas cede espaço ao cinema de cineastas. O cinema não mais consiste essencialmente em contar uma história por meio de imagens, como outros o fazem por meio de palavras ou notas musicais: consiste na necessidade insubstituível da imagem, na preponderância absoluta da especificidade visual do filme sobre seu caráter de veículo intelectual ou literário.Nos filmes decididamente "modernos", o espectador não mais tem a impressão de estar assistindo a um espetáculo inteiramente preparado, mas de estar sendo acolhido na intimidade do cineasta, de estar participando com ele da criação: diante desses rostos que se oferecem, desses personagens disponíveis, desses acontecimentos em plena constituição, desses pontos de interrogação dramáticos, o espectador conhece a angústia criadora."