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16 julho 2011

Trailer de "O satânico Dr. No"

O satânico Dr. No (Dr. No, 1962), de Terence Young, foi o primeiro filme de James Bond, o agente secreto a serviço de sua majestade britânica que tinha o direito de matar. Confesso que, adolescente, quando o vi, no seu lançamento, fiquei empolgado com a sua dinâmica narrativa. Steven Spielberg confessou que o seu sonho era fazer um filme de James Bond, e Indiana Jones, a série toda, é uma tentativa, segundo ele, de aproximação.Os produtores Harry Saltzman e Albert Broccoli nunca pensaram que o filme iria atingir o sucesso que atingiu. Logo em seguida, veio Moscou contra 007 (From Russia with love), também dirigido pelo asiático Young. Esperava-se, na época, o novo filme do agente 007 com impaciência. Revendo todos, creio que os melhores são Dr. No, Moscou contra 007 e Com 007 só se vive duas vezes, de Lewis Gilbert (se não me engano). Connery, o mais que perfeito Bond, tentou abandonar a série, foi substituído, mas voltou em Diamantes são eternos. Mas depois, deste, meio careca, abandonou-a, sendo substituído por Roger Moore, fleumático, bem inglês, que superou as hesitações iniciais e chegou a convencer.

15 julho 2011

Narrativa e fábula no discurso cinematográfico


Se o verdadeiro acontecimento narrado pelo filme é o que se relaciona com o comportamento da própria linguagem fílmica - e não, como já se disse, o que se reporta ao comportamento dos protagonistas, torna-se imprescindível o discernimento, por parte daqueles que pretendem compreender e entender a arte do filme, entre o plano da fábula e o plano da narrativa.

O plano da fábula refere-se à coisa da narração - quer dizer, à história - e o plano da narrativa refere-se ao como - quer dizer, ao conjunto das modalidades de língua e de estilo que caracterizam o texto narrativo. De um lado, tem-se a story e, do outro o discourse. Assim, é evidente que o plano onde se torna necessário procurar a sua eventual poeticidade não é o plano da fábula-story mas, sim, o plano da narrativa-discourse, porque em qualquer filme nascido com intenções artísticas o conteúdo serve sempre de pretexto à forma, entendendo-se por forma, esclareça-se, não a que em tempos idos foi definida como expressão da beleza, porém o modo como a obra se encontra organicamente estruturada do ponto de vista semântico. O que significa dizer: tanto no cinema como no romance, é o discurso que escolhe a fábula que lhe parece mais funcional.

O fundamental é compreender que o lugar geométrico onde se individualiza a poética de um autor é, por conseguinte, representado pela esfera da linguagem por ele utilizada, sempre na condição de o ser em sentido polívoco e não banal. A polivalência semântica se constitui na conditio sine qua non da artisticidade relativamente a qualquer sistema expressivo. A distinção entre fábula e narrativa pode parecer artificial, no entanto, quando se está diante de obras em que os dois planos caminham paralelos e em perfeita harmonia. Ocorre sempre nos filmes que seguem os cânones do naturalismo, nos quais a conotação tende para o grau zero e a coisa impõe uma espécie de ditadura sobre o como ou, melhor, a história, a fábula, exerce, uma ascendência sobre a narrativa. Isso pode ser constatado nos filmes nos quais a ação da linguagem está completamente a serviço dos personagens, sendo estes últimos apresentados como pré-existentes à obra e dotados de uma autonomia extrapoética. Nestes casos, tem-se evidente a mistificação pelo uso passivo e mentiroso da linguagem, considerando-se que a função precípua das linguagens artísticas é a de recriar o mundo e não copiá-lo nas suas aparências.

Por outro lado, a distinção entre fábula e narrativa se encontra plenamente legitimada nos filmes em que os dois planos se dissociam para refutar-se - ou, pelo menos, controlar-se - alternadamente. Pode acontecer, de fato, que, no decorrer do filme, a mensagem expressa pela fábula seja contrariada pela mensagem expressa pela narrativa. Neste caso, a narrativa provoca sutilmente a erosão da fábula a ponto, inclusive, de produzir um significado real oposto ou divergente do que se extrairia de uma leitura fílmica limitada exclusivamente aos valores da história - ou da fábula.

Em A laranja mecânica (A clockwork orange, 1971), de Stanley Kubrick, filme que permaneceu nove anos proibido de exibição no Brasil - justamente por causa da acidez de sua fábula, a ironia da narrativa encarrega-se de neutralizar a violência da fábula. À guisa de ilustração: Alex e seus amigos, rebeldes sem causa, adeptos da ultraviolência, invadem a casa de um famoso escritor, espancando este e sua esposa com requinte de perversidade. Mas enquanto Kubrick mostra a violência do ataque a trilha sonora apresenta a voz de Gene Kelly cantando na chuva. Em outro filme, Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, o personagem vivido por Paulo Autran, um político arrivista e demagogo, é visto sob a ótica de várias tomadas (ou planos) enquanto uma voz em off, radiofônica e séria contrasta com o tom de deboche do personagem que ri às gargalhadas. Já em Mouchette (1967), de Robert Bresson, a verdadeira crueldade não reside tanto na matéria da história como no rigor formal que caracteriza o plano do discurso.

Donde se pode concluir: o verdadeiro significado de um filme situa-se, portanto, numa área marginal relativamente ao seu centro aparente. Há que se ter a consciência da distinção narrativa-fábula porque essencial para compreender a poética de um filme. Na filmografia do cineasta Alfred Hitchcock, segundo análise de Eric Rohmer e Claude Chabrol, o conteúdo é a forma, o que, a rigor, não se aplica apenas a esse autor de filmes mas a todas as obras de autênticos autores da história do cinema, obras cujo distintivo consiste numa carga de sentido que só se esgota mediante uma leitura em profundidade. É o discurso, nesse sentido, que, nas obras plenas de artisticidade, por assim dizer, escolhe a fábula que lhe pareça mais funcional.

13 julho 2011

Direito ao Cinema

Graça e talento no final de "Artistas e modelos"

Esquecido nestes tempos conturbados, Frank Tashlin foi um dos maiores comediantes do cinema americano de todos os tempos, e, além do mais, responsável pelos melhores filmes da dupla Dean Martin/Jerry Lewis e dos que este último trabalhou solo sob a sua direção (Bancando a ama-seca, O bagunceiro arrumadinho, Errado para cachorro, Cinderelo sem sapatos, Detetive Mixuruca...). Tashlin, quando Lewis teve ideia de dirigir filmes, e quando se tornou um dos maiores autores do cinema moderno, foi seu grande incentivador. Lewis o chama de mestre Tashlin. Sem o comediante, Tashlin dirigiu alguns filmes avant la lettre, a exemplo de Em busca de um homem (título idiota que tomou a maravilhosa comédia Will Success Spoil Rock Hunter?1957) e Sabes o que quero? (The Girl Can't Help It, 1956). Para uma quarta-feira, nada melhor do que o final de Artistas e modelos, que Frank Tashlin dirigiu em 1955, com Lewis, Martin, Shirley MacLaine, Dorothy Malone. Fina estampa. Representa também um estilo ingênuo e cheio de graça de um cinema que desapareceu com o vento da mediocridade.

12 julho 2011

Gosto não se discute


1.) Alguns tópicos para variar.

2.) A ausência de um repertório cinematográfico e/ou literário e cultural mais amplo, a pressa sistemática do consumo, a superficialidade com que são vistas as coisas, determinam a miséria cultural dos corações e mentes contemporâneos. Para se ter o conhecimento de alguma coisa é necessário tempo e dedicação. No caso específico do cinema, o tempo é fundamental. Adquire-se um repertório cinematográfico através da visão criteriosa de filmes, e com o passar do tempo. Não a visão superficial, consumista, ligeira, como se a obra cinematográfica fosse mais uma mercadoria que se está a consumir num shopping, a ponto de se dizer que o ir ao cinema atualmente é, praticamente, e apenas, uma das fases do shoppear. Gosta-se de De pernas pro ar como se gosta da pipoca que se come, da camisa comprada num shopping, de um perfume, de um sapato, de um colar, enfim, de qualquer objeto do desejo estimulado pela perversa propaganda consumista. Acredito que, se o cinema fosse constituído, em sua maioria, de mixórdias do tipo de De pernas pro ar, tenho certeza de que nunca mais entraria numa sala de exibição cinematográfica. Nunca mais iria ao cinema. Mas, estranho é o mundo, De pernas pro ar é um filme até sofisticado se comparado às bobajadas vistas diariamente no Big Brother Brasil (BBB). No caso do filme, a arte cinematográfica, que virou linguagem de televisão, nunca foi tão maltratada. No caso do programa, a televisão, desde a sua inauguração por Assis Chateaubriand, em 1950, nunca alcançou nível tão baixo, tão rasteiro. Mas, infelizmente, há quem curta e goste. E gosto não se discute, como se diz por aí.

3.) Um dos maiores diretores do cinema brasileiro, Roberto Farias, é um dos poucos realizadores que possuem pleno domínio formal do veículo, da estrutura narrativa. Revi, há poucos dias, Assalto ao trem pagador (1961), que saiu em DVD patrocinado pelo Ministério da Cultura e Funarte na primeira metade dos anos 2000. Trata-se, sem dúvida, de um dos grandes filmes do cinema nacional, ágil, eletrizante, que conta o famoso assalto ao trem pagador ocorrido no Rio de Janeiro. Quando do seu lançamento, o sucesso foi estrondoso. Mas a moçada do Cinema Novo não lhe deu a devida importância, porque o filme não se afinava com a cartilha cinemanovista. A importância de Assalto ao trem pagador está sendo dada agora, principalmente após a sua restauração em DVD, que conta com os depoimentos dos principais atores, diretor e produtores do filme. Eliezer Gomes impressiona no papel de Tião Medonho. Helena Ignês está belíssima como a grã-fina paquerada por Reginaldo Faria. Jorge Dória, impecável como o delegado. Farias, que começou com uma chanchada, Rico ri à toa, com Zé Trindade, realizou em seguida um filme de impacto que permanece desconhecido: Cidade ameaçada, com seu irmão Reginaldo no papel principal, obra já reveladora de um excelente artesão.

4.) E, verdade seja dita, poucos os artesãos competentes do cinema brasileiro, poucos aqueles que sabem desenvolver um plot com eficiência dramática. A compulsão autoral, estimulada pelo Cinema Novo (nada tenho contra ele e entre meus favoritos se encontram muitos filmes cinemanovistas), acabou sendo contraproducente, gerando geniozinhos que, a título de uma impostação autoral, criaram verdadeiros monstros da aporrinhação e do tédio. Roberto Farias é um exemplo de artesão competente (outros: Alberto Pieralisi, José Carlos Burle, J. B. Tanko, José Padilha, Flávio Tambellini, entre outros), mas não se poderia classificá-lo como autor, porque não possui constantes temáticas e estilísticas quando examinada a sua filmografia.

5.) Revendo Assim estava escrito (The bad and the beautiful, 1953), de Vincente Minnelli, mais uma vez a constatação de estar diante de uma obra-prima do cinema. A tomada final, antes que os créditos assumam e ascendam, pondo termo ao filme, é uma das mais fascinantes da história do cinema. Contada assim não tem muita graça, mas a tomada, um dos mais significativos exemplos de como encerrar um filme com engenho e arte, apresenta Lana Turner, Dick Powell, e Barry Sullivan, ao sair do escritório de Walter Pidgeon, após este receber uma ligação internacional de Kirk Douglas, o malvado produtor que prejudicou a todos. Quando os três saem, há um telefone postado fora do prédio, e Lana Turner não resiste em pegar o fone para ouvir, na extensão, a voz de Douglas, porque, apesar de um canalha, um sedutor. À medida que Lana ouve o que Douglas fala, Powell e Sullivan não resistem e colocam, cada um em lados opostos, seus rostos encostados no da atriz esfuziante. O filme termina com os rostos dos três personagens como que grudados na tentativa de captar as palavras de Kirk Douglas. E se dá o retumbante the end, para, em seguida, a ascensão dos créditos que nominam os personagens. Filme emblemático, um dos pontos altos da carreira de Minnelli, visão ácida e amarga da indústria de Hollywood, The bad and the beautiful é puro estilo e mise-en-scène. Teria uma espécie de continuação, em 1962, em A cidade dos desiludidos (Two weeks in another town), outro momento belo e cativante da trajetória de Minnelli. Martin Scorsese, em seu livro Viagem pessoal pelo cinema americano, que foi editado pela CosacNaify, cita os dois filmes como fundamentais para a compreensão do processo de criação cinematográfico do cinema made in Hollywood.

6.) A fonte inspiradora de Jean-Luc Godard em O desprezo (Le mépris, 1963) é Romance na Itália (Viaggio in Itália, 1953), de Roberto Rossellini, com Ingrid Bergman e George Sanders como um casal desiludido com o matrimonio em profunda crise de incomunicabilidade que procede a uma viagem pela Itália profunda e, no percurso, ao constatar as ruínas de Pompéia, e a desolação de outras cidades, resolve se reconciliar. O filme abole o roteiro ascendente e a narrativa crescente. É o ponto de partida de desteatralização, da desdramatização, que seria aprofundada, anos depois, por Michelangelo Antonioni. O desprezo é também um filme sobre Brigitte Bardot ou, melhor, sobre o mito BB. Um dos melhores de Jean-Luc Godard em toda a sua carreira.

10 julho 2011

Cine-Theatro Rio Branco fecha suas portas

Um dos mais antigos cinemas do Brasil, o majestoso Rio Branco, fundado em 1929, situado na cidade de Nazaré das Farinhas (Bahia), fechou suas portas pela incúria das administrações municipal e estadual e federal.  Em 2000, o jogador Vampeta, natural do município, chocado com o estado de ruínas do velho cinema, resolveu reformá-lo com recursos próprios, conseguindo, com isso, reabrir a sala de exibição em evento festivo. Mas, com o passar dos anos, entregou a gerência da casa de espetáculos à prefeitura da cidade. Se, no início da reabertura, alguns filmes foram exibidos, logo depois, porém, o cinema virou um centro cultural para eventos esporádicos, e os recursos para a manutenção foram minguando até o desaparecimento. O Cine Rio Branco, construído em estilo art nouveau, tem 600 lugares.

Causa espanto que não se tome nenhuma providência para reabri-lo. O jornal A Tarde, de domingo passado, 3 de julho, tem uma grande reportagem sobre a bela casa de espetáculos de Nazaré das Farinhas. Mas incorre num imprecisão: o Cine Rio Branco não é o mais antigo do Brasil, como diz, mas um dos mais antigos ainda em condições de funcionar. Com o advento dos shoppings centers, os cinemas de rua do Brasil inteiro fecharam suas portas, e, já há algumas décadas atrás, as salas de exibição interioranas desapareceram.  O fechamento do Cine Rio Branco não se constitui apenas no fim de um cinema de interior, mas num ato de lesa-cultura, pois uma edificação de inegável valor histórico, registro de uma época. 

Enquanto em Brasília o dinheiro público, sorvido pela corrupção, favorece quadrilhas governamentais, o desprezo pela memória histórica é flagrante. Cabe à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia alguma palavra a respeito dessa incúria monumental.

Transcrevo aqui parte da reportagem que saiu em A Tarde de autoria de Cristina Santos Pita:


"Clássico teatro e cinema de Nazaré das Farinhas (a 216 km de Salvador), no Recôncavo baiano – revitalizado em 2000 pelo ilustre filho da cidade, o ex-jogador de futebol Marcos André Batista Santos, o Vampeta –, o Cine-Teatro Rio Branco está desativado. Sem apoio ou patrocínio do poder público, não abre sua imponente porta há muito tempo. Além disso, não oferece espetáculos e nem a exibição de filmes à comunidade local. Vampeta bancou a manutenção do cinema com recursos próprios até 2007, mas depois disso confiou na prefeitura do município e no Estado.


Construído em 1929, por Felisberto Ribeiro Soares, o mais antigo cinema do Brasil está perdendo sua função por falta de atividade. Os dois projetores alemães originais estão parados por falta de manutenção. A água e a energia já chegaram a ser cortadas, e assim o espaço vai aos poucos voltando a ser sucata. Desde que saiu das mãos da família Ribeiro Soares, em 1971, o cinema fechou as portas várias vezes. Inativo desde meados da década de 90, voltou a cartaz em 2000, completamente restaurado, com 670 lugares e equipado para funcionar como espaço multicultural. Mas agora voltou a ser desativado.Uriel Santiago, amigo de Vampeta e responsável à época pelas obras de reforma do cinema, lamenta a situação em que se encontra o espaço, que só mantém conservada a parte física. “Estamos precisando de apoio da Fundação Cultural do Estado e do município para manter o cinema funcionando. Estou preocupado, pois o cinema precisa do apoio das autoridades e da comunidade”, preocupa-se."