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10 junho 2009

Petrobras corta o patrocínio para a Jornada Baiana



A Petrobras cortou, nos seus gastos, o patrocínio à Jornada Internacional de Cinema da Bahia. Há muitos anos, patrocionadora do evento, neste, e sem nenhuma justificativa, cancelou os recursos que lhe eram destinados. Transcrevo aqui a indignação de dois cineastas: Noilton Nunes e Tuna Espinheira. Faço apenas uma ressalva ao primeiro quando diz que Guido Araújo foi colega de ginásio de José Sérgio Gabrielli. Este deve ser vinte anos mais jovem do que idealizador das jornadas baianas. E Tuna, que sempre desabafa dos mal feitos existentes em furdunços de extração cinematográfica, desabafa, desta vez, e aqui neste blog, sobre o corte injustificado.

Escreveu Noilton Nunes: "Entrando no blog criado pela Petrobrás, pergunto: e a política cultural como vai? Voces são uma das mais importantes plataformas de sustentabilidade das artes e da cultura no país. Mas, cometem ainda muitos erros operacionais por falta de visão mais apurada sobre as nossas riquezas artísticas e culturais. Senão vejamos: a Jornada Internacional de Cinema da Bahia, tradicionalmente evento convidado pela Petrobrás para receber apoio, foi cortada. Ganhou um não da Petrobrás justamente em 2009 Ano Nacional Euclides da Cunha, engenheiro, militar, poeta, escritor, jornalista, ecologista e pacifista que é o tema da 36a. Jornada. Cegueira total. Visibilidade zero. E o Presidente Sergio foi colega do Guido no ginásio em Salvador. Pode???

Resta agora, para que o estrago seja menor, que o Juca abra os olhos rápido. Que o Silvio estenda logo sua mão e confirme o apoio da Secretaria do Audiovisual. Que o Gustavo esclareça ao grande público o que representa para a nação, para o povo brasileiro a Jornada Baiana de Cinema, que esse ano acontecerá no atual point mais chique de Salvador, no cineminha do Ademar, Espaço Unibanco Cinema Glauber Rocha. Quem viver verá. Abraços Noilton"

Sob o título Falseta da Petrobras, escreveu Tuna Espinheira: "A maior empresa do “meu Brasil brasileiro”, nascida e edificada pela luta épica do “Petróleo é Nosso”, através da movimentação, então, flagrantemente “subversiva”, do povo brasileiro espalhado nos quatro cantos do nosso continente tropical.

A PETROBRÁS, orgulho e glória da nação. Sem perder de vista os tempos agônicos a que foram submetidos muitos que defenderam a utopia do acesso ao “ouro negro”, tão falado por Monteiro Lobato, este legitimo patriotismo que deu muita cadeia, tortura, até mortes, sob a chancela das forças retrogadas, obedientes ao imperialismo, daquela época, e que até hoje ecoam nos que insistem na privatização desta nossa estatal, símbolo da nossa economia.

Agora chega a notícia, já confirmada, dando conta que, esta mesma Petrobrás, excluiu a Jornada Internacional de Cinema da Bahia, o segundo mais antigo evento cinematográfico do país, cuja característica principal é o seu resistente trabalho com o filme cultural. Ao contrário da maioria dos Festivais de Cinema, a Jornada não é palco para desfiles de astros televisivos e reuniões de “doutores em anedotas e de champanhotas”, como bem define os versos da canção popular, certos acontecimentos ditos culturais muito festejados por certo segmento da mídia.

Por tradição de longa data o cinema brasileiro sempre foi ajudado por esta Empresa e reconhece a contribuição. O que espanta, em relação a Jornada, é falta de uma explicação devidamente eivada de razões para justificar a estranha recusa do apoio. A Jornada não merece este descabido destrato. Só podemos ver esta (des) medida como uma falseta contra a Jornada, um ato que fere, de forma cruel, por extensão, a cultura baiana já tão combalida. Orai Pro Nobis..."

Visitem o site da Jornada: http://www.jornadabahia.com/2009/pt/index.html

07 junho 2009

Relembrando o grande Michelangelo Antonioni


Geômetra cartesiano dos sentimentos humanos, Michelangelo Antonioni é um realizador que, com seus filmes, principalmente a trilogia A aventura, A noite, e O eclipse, renovou a linguagem cinematográfica, e introduziu, nela, o domínio da antinarrativa, o silêncio como elemento de produção de sentidos, os tempos mortos como estabelecimentos rítmicos da mise-en-scène. O cinema moderno tem em Michelangelo Antonioni o seu grande impulsionador, principalmente porque instaurou a desdramatização. Se o cinema americano pasteurizou, por assim dizer, a linguagem do filme, privilegiando, na narrativa, somente os tempos fortes, Antonioni introduziu, como peça de estilo, mas, também, de significação, os tempos mortos, quando as expectativas do espectador são frustradas, porque sempre espera que, dada uma determinada situação, aconteça alguma coisa no processo narrativo. Mas o grande realizador, que saiu da cena da vida com idade provecta, 94 anos, deixou uma fortuna crítica considerável e sua influência foi imensa, bastando dizer que todo o Wim Wenders dos anos 70 é puro Antonioni, além das influências exercidas em cineastas de diversos países, a exemplo, no Brasil, de Walter Hugo Khoury, autor do definitivo Noite vazia (1964). Antonioni soube, como poucos, captar o mal-estar do mundo, e se revelou um tratadista da incomunicabilidade entre os homens.
Egresso do neo-realismo italiano, na década de 50, assim como Fellini, abandonou a tônica social do movimento para focalizar a angústia do homem do pós guerra, principalmente daquele pertencente à sociedade burguesa italiana. Há, portanto, em Michelangelo Antonioni, uma importância dupla para o cinema, a do ponto de vista do elo sintático (da linguagem), e aquela do elo semântico (do tema). Inovou na sintaxe e inovou, também, na maneira de fazer emergir seus temas recorrentes: a análise perfuratriz da incomunicabilidade na burguesia italiana, o silêncio que se estabelece nas relações humanas, o vazio, e a ausência de perspectivas.
Nasceu em Ferrara (Itália), em 1912. Adolescente, viveu em Bolonha, onde começou seus estudos de economia e letras, que depois seriam substituídos pela arquitetura. Nesta época, já se inicia na crítica cinematográfica, escrevendo alguns ensaios sobre a arte do filme para o jornal IL Corrière Padano. Aficionado pelo tênis, competiu em vários torneios dessa categoria, e, na juventude, ganhou muitos troféus, que, até morrer, guardava-os com especial apreço. O desabrochar do futuro realizador, porém, precisaria esperar a sua transferência para a capital da Itália, Roma, que se deu quando tinha 27 anos, em 1939. Nesta cidade, centro cultural, ainda que sob regime fascista e às vésperas da eclosão da Segunda Guerra Mundial, fez parte da entourage da revista Cinema, publicação oficial que congregava os nomes do futuro neo-realismo: Luchino Visconti, Giuseppe De Sanctis, Vittorio De Sica, Pietro Germi, entre outros. Passou por um período de dificuldades financeiras, mas conseguiu se matricular no Centro Sperimentale di Cinematografia, abrindo-se, então, a oportunidade de escrever vários roteiros e, entre eles, uma colaboração com aquele que viria a detonar o neo-realismo italiano com Roma, cidade aberta: Roberto Rossellini. O jovem Michelangelo se estabelece com maior desenvoltura no meio cinematográfico, colaborando com traduções e críticas para Itália Libera, Film d’Oggi e Film Revista. Trabalhou, nesta ocasião, como assistente de um ícone do cinema clássico francês: Marcel Carné e, por isso, foi enviado à França como representante de Os visitantes da noite (Les visiteurs du soir), deste diretor.
Na volta, vê-se considerado a experimentar a realização de alguns documentários, sendo que, o primeiro deles, Gente Del Pó, tem suas locações nos mesmos lugares aos quais voltaria quando fez, muitos anos mais tarde, O grito. Logo no seu primeiro longa metragem, Cronaca di um amore (1950), já se pode encontrar os temas que seriam característicos deste que é um dos mais importantes e pessoais realizadores do cinema moderno, as suas constantes temáticas, como a do vazio que se estabelece na relação humana. Dois anos depois, 1952, um filme em três episódios, um na Inglaterra, um na França, e um na Itália, abordando, nestes países, o problema da juventude que privilegia o crime como forma de sobrevivência: Os vencidos/I vinti. A seguir, La signora senza camelie, em que se preocupa de novo por estudar um personagem feminino, outra das características de seu cinema.
Autor de filmes, nunca um mero estilística, ou um artesão, Michelangelo Antonioni já revela sua marca e seu estilo inconfundível nos filmes que se seguem: As amigas (Le amiche, 1955), O grito (Il grido, 1957). Mas é com A aventura (L’aventura, 1959), filme que dá início à sua famosa trilogia da incomunicabilidade, que se consagra, definitivamente, entre a crítica internacional, constituindo-se uma síntese de sua obra anterior e uma espécie de prelúdio dos outros filmes que viriam a seguir, como A noite (1960) e O eclipse (L’eclisse, 1961). A idéia de ficção que, mediante um processo de descascamento narrativo, vai desaguar na água documental, foi uma das grandes constantes do cinema de Antonioni. As imagens finais de O eclipse, por exemplo, já eram documentário. José Lino Grünewald, inclusive, constatou que Antonioni terminava por onde Alain Resnais começava. Ele se referia, sem dúvida, ao processo de descascamento narrativo que, uma vez concluído, só poderia dar lugar ao espetáculo puro – ou seja, O ano passado em Marienbad.

A primeira experiência de Antonioni em cores se deu em O dilema de uma vida (Il deserto rosso, 1964), a retomar, aqui, o tema da incomunicabilidade, que se estabelece dentro de uma mise-en-scène na qual a cor exerce função dramática e de produção de sentidos. A pesquisa da cor no tecido dramático seria exacerbada no filme que fez, em seguida, na Inglaterra: Blow up, que no Brasil tomou o título de Depois daquele beijo. Antonioni exigiu que alguns quarteirões de Londres fossem todos pintados com cores berrantes. Blow up traumatizou duramente os devotos (que não se chame aqui de cinéfilos) do bom cinema nos anos 60. Um filme que expressa o niilismo da juventude de sua época através do personagem de David Hemmings, fotógrafo da moda e de moda, que, bem nutrido, com vida confortável, sente, porém, profundo vazio em sua existência até que, fotografando, por acaso, um casal que se beija num parque, descobre, com a ampliação das fotografias, um crime. Antonioni deixa, porém, a resposta vaga, e a significação que pode de tudo advir é aquela da seqüência final, quando pessoas jogam tênis sem a bola. A influência de Janela indiscreta (Rear window), de Alfred Hitchcock, é evidente, mas, aqui, relida em outro ângulo e em outro prisma.

Não se pode falar em Michelangelo Antonioni sem ressaltar a sequência derradeira de O passageiro: profissão repórter (The passenger, 1975) e do seu emblemático plano-sequência no qual a câmera sai do quarto onde está deitado Jack Nicholson, atravessa a janela, circula pelo pátio e volta ao quarto. Quando ela, a câmera, está fora, é que se ouve um tiro com o qual é morto o personagem. Até hoje não se sabe como Antonioni conseguiu realizar este plano, tal o seu virtuosismo, tal a sua habilidade. E em O mistério de Oberwald, como numa premonição, antecipa a estética do vídeo.

Num ensaio escrito para a extinta revista Filme/Cultura (setembro de 1967, número 6), o crítico Jaime Rodrigues, discípulo de Moniz Vianna, estabeleceu com rara felicidade as características do cinema de Michelangelo Antonioni. Um estilo que se define mais por determinadas linhas de ação que por variações em torno de um mesmo tema. Cineasta amargo, mas que procura reencontrar uma linguagem comum aos seres humanos. Em seus filmes, patente, a integração do indivíduo e ambiente: os objetos, as coisas – o mundo industrializado, enfim, fazendo parte do millieu humano. Antonioni constata a caducidade dos valores do nosso tempo numa pesquisa intensa para chegar a novas formas de compreensão. Rodrigues vê nos filmes de Antonioni o último eco do expressionismo pelas construções, com os objetos dominando o ambiente. E, neste particular, vale lembrar que, sendo Antonioni um arquiteto, seus enquadramentos são estudados, perfeitos, primorosos, E, no frigir dos ovos, é o neo-realismo passado a limpo: as implicações dos desajustes sociais sobre a estrutura psicológica do homem. E a certeza de que os problemas da consciência são, sobretudo, problemas de reflexão diante do mundo.