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15 dezembro 2007
"Cascalho" em Dolby
14 dezembro 2007
Loucura ou imaginação?
A comilança (La grande bouffe, 1973), extraordinário filme de Marco Ferreri, que levou muitos anos proibido pela ditadura brasileira, a ser visto apenas em 1979, fechou, com chave de ouro, a mostra organizada pelas professoras Ligia Amparo e Micheli Soares O cinema, a comida e o comer, uma promoção da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia. Vi La grande bouffe, e a primeira visão causou imensa impressão, no Iguatemi 2, mais ou menos em 79. Depois o revi, creio que em 2001, na Sala Walter da Silveira. Mas ainda não o tinha apreciado em DVD. Nesta semana, terça, foi exibido na Sala de Arte da UFBa em DVD. Tomei um susto. Lembrava-me que, no final, restava Philippe (Philippe Noiret, o excelente ator francês que ficou famoso ao interpretar o operador em Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore) como único sobrevivente do quarteto suicida integrado por Marcello Mastroianni, Ugo Tognazzi, Michel Piccoli (que aparece na foto a carregar a cabeça de um leitão). As últimas imagens do filme mostram-no sentado no jardim ao lado de Andrea Ferreolli, que lhe serve, de colherzinha, um açucarado pudim de morango. Diabético, e depois de tanta fartura, é sinal de que não iria resistir por mais tempo, mas o filme se fecha com Philippe a comer o pudim de morango. Qual não foi a minha surprêsa, quando, nesta visão agora em DVD, Phillipe Noiret, acompanhado no mesmo banco do jardim pela professora Andrea, vem a morrer. Um carregamento de carnes diversas chega e elas são jogadas no jardim. Morto Noiret, Ferreol se dirige ao interior da mansão e o filme acaba assim.
Teria imaginado a versão anterior? Georges Sadoul conta que a memória cinematográfica prega peças no sujeito. Conta, em seu Dicionário de filmes, que levou décadas falando de uma determinada sequência que não pertencia ao filme citado. Gostaria que alguém me esclarecesse a questão. Será que existiam duas versões de La grande bouffe? Ou será que estou realmente a ficar louco?
12 dezembro 2007
De Domingos de Oliveira
10 dezembro 2007
A fundo colorido
Saber usar a cor no cinema, com valor poético e funcionalidade dramática, é difícil. Usa-se o colorido a torto e a direito à maneira de um cartão postal. O espectador, condicionado ao filme colorido, por ignorância estatal, abomina o branco e preto, mas, infelizmente, não sabe contemplar a cor, ver, nesta, um componente de estesia. A imagem que ilustra este post não é a de um filme, mas tem uma composição cromática que me pareceu atrativa nesta conjugação de copos com líquidos de cores diversas.
Michelangelo Antonioni fez seu primeiro filme a cores na primeira metade dos anos 60, quando já cineasta consagrado. Assim como outros diretores importantes, Bergman inclusive, pensou muito antes de realizar uma obra colorida. E o fez com grande timidez em O deserto vermelho. Mas seu primeiro filme realmente colorido foi Blow up, filmado in loco na Londres dos efervescentes anos 60. Antonioni pediu autorização a prefeitura da capital da Inglaterra para poder pintar alguns quarteirões e toda a grama do parque onde se suspeita ter acontecido um assassinato. Na primeira solicitação, houve recusa, mas o realizador de L'avventura, somente por ser o cineasta da famosa trilogia composta por este, La notte, e L'eclisse, afinal conseguiu o desejado. O perfeccionismo de Antonioni em função da cor, da linguagem da cor, poder-se-ia dizer melhor, em Blow up, fê-lo impaciente e exigente, temperamental e neurótico, pois tinha medo de não se expressar adequadamente em filme colorido. E o fez, como o resultado está a mostrar, admiravelmente.
Hitchcock usa a cor com funcionalidade em Marnie aut(e em tantos outros filmes de sua autoria), quando o vermelho surge a dominar a tela quando das crises da personagem. E, a considerar que o branco também é uma cor (ou seria a anulação da cor?), o copo de leite, com a lâmpada acessa dentro dele, a acentuar a sua brancura luminosa, tem-se um admirável uso do cromático em Suspeita, do mestre, quando Cary Grant sobe uma escada em espiral para levar um copinho de leite para a sua esposa Joan Fontaine. O espectador fica em delirante suspense, a pensar que, naquele copo, há veneno.
Bernardo Bertoucci (por sinal, quando da morte de Bergman e Antonioni, que foram quase de mãos dadas para o túmulo, anunciou-se que o cinema morreu, etc e tal, a recorrer-se a alguns nomes restantes, a exemplo de Resnais, Von Triers, mas Bertololucci foi esquecido, que embora não seja nenhum Bergman ou Antonioni, é cineasta de grande expressividade) é um realizador atento à suan mise-en-sène, e procura, sempre, configurar o colorido de maneira eficiente e adequada. Dispõe de um artista da luz para ajudá-lo nesta tarefa, que é Vittorio Sttoraro. Em O último imperador, por exemplo, toda a parte em que o monarca fica no palácio, a luz é difusa, há pouca claridade, mas quando este resolve sair da prisão, e abraçar o mundo, a luz reina e as cores se avivam.
O Technicolor, por exemplo, era um processo rudimentar de apenas três cores, que apareceu pela primeira vez em 1932. Este processo de coloração fazia com que as imagens ficassem hiperrealistas, isto é, coloridas demais, as pessoas e as coisas eram, em technicolor, excessivamente luminosas e em cores. Faz pensar nas propagandas enganosas exibidas atualmente quando um sanduíche do Mac Donald's, por exemplo, na sua imagem publicitária, dá uma impressão de saber e gigantismo que não corresponde à realidade. Talvez o primeiro filme colorido com boa utilização da cor (leia-se a cor usada em função expressiva) tenha sido em O mágico de Oz, de Victor Fleming, em 1939, com a inesquecível Judy Garland (uma atriz e cantora que se pensa aqui insubstituível e única). Como citou Mariana Paiva, a cor é pensada em sua funcionalidade no desconcertante (e por vezes irritante) O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante.
09 dezembro 2007
A função da cor no cinema
Assim, se é verdade aquilo que afirmou Roland Barthes, que colorir o mundo significa em última análise negá-lo, como deve comportar-se a cor se não quiser esmagar a realidade, mas, pelo contrário, interpretá-la poeticamente? E, sobretudo, que atitude deve assumir relativamente às imagens e aos sons? A resposta é fácil de prever: a cor no filme deve cumprir uma missão essencialmente psicológica. Deve ser, não bela, mas significativa. Somente deste modo tem a sua presença uma justificação expressiva e pode servir para dizer coisas que não poderiam ser ditas sem a sua intervenção. Se tal não acontece, a cor não apenas resulta nociva para o filme como corre o risco de empobrecê-lo a ponto de fazê-lo regredir para um nível inferior ao alcançado no velho preto e branco.