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08 dezembro 2007
Pausa sabática
Todas as mulheres do mundo
03 dezembro 2007
O bandido da luz vermelha
Se o trauma foi imenso, Sganzerla ofereceu as coordenadas para a continuidade de um cinema autoral que estaria morto com o advento do Ato Institucional 5. Dificilmente existiria, por exemplo, na Bahia, Meteorango Kid, O Herói Intergalático (1970), de André Luiz Oliveira, ou Caveira My Friend (1969), de Álvaro Guimarães, ou, mesmo, o média Vôo Interrompido (1969), de José Umberto, sem a existência anterior de O Bandido da Luz Vermelha, obra insólita e brilhante, renovadora, que pode ser incluída entre os cinco maiores filmes brasileiros de todos os tempos. A fita de Sganzerla é um brado retumbante de artistas que, asfixiados, tentam, pela verve da criação, respirar o cinema em seus vinte e quatro quadros por segundo. Sganzerla morreu com o estigma do ‘primeiro filme’, pois passou a vida a ser cobrado por um outro ‘bandido’ que, na verdade, nunca mais apareceu, apesar de suas tentativas de renovação das estruturas lingüísticas em obras posteriores. Mas nada que se pudesse equiparar a esta obra de estréia de um cineasta que contava, apenas, 22 anos. E que, desde os 16 já assinava críticas cinematográficas no sisudo O Estado de S.Paulo.
Mas Sganzerla, se em O Bandido da Luz Vermelha, sua indiscutível obra-prima, estabelece um cinema de montagem, com tomadas rápidas, pulsação alucinante, já em A Mulher de Todos, filme seguinte, de 1969, aciona um freio no conceito de duração. A radicalidade chega em Sem Essa Aranha (1970), quando abandona o corte em movimento para dar lugar a um cinema muito mais de mise-en-présence do que de mise-en-scène. Se O bandido da luz vermelha é o supra-sumo desta, os filmes radicais de Rogério Sganzerla dos anos 70 são arredios à fluência narrativa, propõem ao espectador estar em presença do que é registrado, enfim, são obras que se caracterizam pelo estabelecimento do plano-seqüência como moto da inação. Inação, porém, do que se poderia chamar do discurso fílmico porque, na essência, a ação está dentro da tomada. Em Sem essa aranha, se não há falha de memória, apenas nove são os planos-seqüências. Em particular, a festa no quintal de uma casa com o próprio rei do baião, Luiz Gonzaga, a promover o agito enquanto a protagonista, Helena sempre Helena, perambula meio desesperada. Em outro momento, é Jorge Lordelo (Zé Bonitinho) quem compõe o plano-seqüência, que depois o repetiria, quase no mesmo tom, em Abismu.
Sganzerla, após brilhar no cinema de mise-en-scène, com sua magistral obra de estréia, parte célere para um processo de radicalização tal que se poderia ver, nisto, uma tentativa homicida de matar a mise-en-scène, arrebentando as estruturas de sua linguagem para fazer emergir, quase como uma totalidade, o sentido da mise-en-présence. O cinema é, para Sganzerla, uma narrativa dentro do plano, mas não como faz Michelangelo Antonioni com sua desdramatização em obras-primas como A aventura, A noite, ou O eclipse, entre outras, pois aqui há um fio condutor. Sganzerla parte este fio condutor e deixa os planos-seqüências quase como se fossem filmes autônomos.
02 dezembro 2007
O gênio de Jerry Lewis
A diferença entre o sentido de cinema de Tahslin e dos outros diretores é abissal, apesar do comediante sustentar o espetáculo e superar o desequilíbrio e o esquematismo das direções anti-tashlianas. A genialidade de Lewis emerge quando começa a dirigir filmes estimulado pelo amigo Tashlin. O primeiro, O Mensageiro Trapalhão (The Bell Boy, 1960) já desarma aqueles que procuram uma história para seguir, uma fábula que possa progredir. Nada disso. O filme não tem nenhum in crescendo, possuindo uma tábua rasa como estrutura narrativa toda centrada em sketches, que mostram as confusões perpretadas por um mensageiro de hotel que somente fala no final, quando lhe perguntam o seu nome e, intrigados com a sua mudez, Lewis responde que nada fala durante o filme porque nada lhe perguntam. A segunda incursão direcional é demolidora: O Terror das Mulheres' (The Ladie's Man, 1961): o desejo quase obsessivo de desvendar o décor para o espectador, uma sátira ao matriarcado americano, as borboletas que voam do quadro fixo e depois voltam, a entrevista na televisão da senhora que rege o pensionato, e, no final, a entrada no quarto proibido que tem uma extensão tão grande que não poderia fazer parte da mansão. A brancura total do cenário, a mulher que surge de cabeça para baixo, um clima dilacerante. O filme logo a seguir é também um coquetel Molotov na estrutura tradicional da comédia americana: Mocinho Encrenqueiro (The Errand Boy), uma desmisticação do espetáculo cinematográfico capaz de surpreender os exegetas turcos do Cahiers du Cinema, que, nesta época, elevam Lewis às alturas. E como características, marcas essenciais, estilísticas: a crueldade que consiste em fazer rir de si próprio; a magistral utilização do showburn; o gosto do espetáculo e a vontade em revelar ao espectador o décor, o desdobramento de sua personalidade autor-ator, a explosão em personagens múltiplas, etc.
Se em Tashlin o clichê da gag audiovisual chega às raias da exasperação, em Lewis a gag provoca uma ingerência na própria mise-en-scène, na manipulação mesmo da linguagem cinematográfica. Basta dizer que em O Professor Aloprado (The Nutty Professor, 1963), na apresentação final, quando todos os atores se reclinam para agradecer como no teatro, na vez de Lewis, este parte literalmente a lente da câmera. Há, neste momento sublime da comediografia da década de 60, uma utilização do áudio de maneira inventiva, quando na cena em que o professor, saído de uma ressaca na noite anterior, em plena aula, ouve, amplificados, o giz que se arrasta no quadro, o assoar do nariz de uma aluna, o estrondo de uma pequena gota no vidro do laboratório químico, etc. Lewis faz, aqui, uma inversão de O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson, aplicando, com mais extensão e mais non chalance, os ensinamentos tashlianos a ponto destes se configurarem num estilo próprio, lewsiano. Neste particular, após o professor ter tomado a dose no seu gabinente, transforma-se em Buddy Love, mas o espectador não o vê, pois Lewis prefere introduzi-lo em câmera subjetiva. Os transeuntes na porta da boite é que se espantam diante daquela figura carismática. Há muita inventividade na narrativa de O Professor Aloprado, mas sem os radicalismos da mise-en-scène de The Ladie's Man.
Ao mesmo tempo em que dirige seus filmes, com equipe fiel - Wallace Kelley, iluminador, Walter Scharf, músico, Del Moore, Kathleen Freeman, cast quase permanente, com a introdução, vez por outra, de uma atriz mais conhecida, como o caso de Stella Stevens, Lewis também produz filmes para Tashlin dirigi-lo em comédias antológicas que merecem figurar em qualquer antologia dos grandes momentos do cinema no gênero: Cinderelo sem Sapatos (Cinderfella, 1960), Detetive Mixuruca (It's only money, 1962), Errado para Cachorro (Who's minding the store?, 1963), O bagunceiro arrumadinho (The disorderly orderly, 1964), entre poucas outras.
O Otário (The patsy, 1964) é a sua obra mais pessoal, mais radical, com uma desmistificação completa do espetáculo cinematográfico, uma exposição da construção pelos produtores de um ídolo hollywoodiano, um olhar irônico sobre o american way of life, mas, acima de tudo, uma mise-en-scène renovadora, um manual de invenções de fórmulas. A partir dos primeiros momentos, quando se vê um avião se espatifando e um pequeno jornaleiro anunciando a morte acidental de um grande astro hollywoodiano, Lewis corta para o escritório dos produtores cujo carpete verde de plástico salta à vista. Aqui, usa o silêncio como fator determinante da construção temporal a ressaltar o conceito de duração. As tomadas são mais demoradas do que o necessário, há um crescendo na preocupação dos produtores em relação ao subsitutito. E a entrada triunfal de Lewis, como o mensageiro que traz as bebidas numa bandeja com os copos, a derrubar tudo ao saber que ele, o bell boy, é o escolhido. Cada sequência é, de per si, um primor: Lewis experimentando roupas, engraxando sapatos; aprendendo música; o baile escolar relembrado, antológico, numa homenagem explícita a Chaplin; o jantar com Ina Balin no restaurante quando se excede na doação de gorjetas; o show de Ed Sullivan, com o próprio, que diz ter apresentado, ali, Dean Martin e Jerry Lewis; e o próprio numero do comediante que, extasiado com uma estréia de gala em Hollywood, pinta seus andrajos de preto, que se transformam em elegante casaca. E o final apoteótico, quando cai da varanda de mentirinha e volta não mais como o personagem de Stanley Belt mas como o próprio Jerry Lewis, que convida, para jantar, a Ina Balin, descortinando todo o set de The patsy. Esta obra-primíssima é um dos filmes mais importantes dos arrejados anos 60, e Jerry Lewis se inscreve, aqui, como um dos maiores realizadores desse período, pois criador, autor completo, inventor de fórmulas. A seguir, Uma Família Fuleira (The family jewels, 1965), destituído da virulência criativa, do sopro renovador do filme precedente, mas uma simpática comédia recheada de bom humor: o humor único e lewisiano. Em seguida, começa a decadência, com Três num Sofá (Three on a couch, 1966), mas surge uma esperança na iconoclastia de O fofoqueiro (The big mouth, 1967). Lewis pára nos anos 70 - faz um filme em 1973 sobre um palhaço que diverte crianças num campo de concentração que é engavetado, mas continua, ainda que bissexto, nos anos 80. Mas o essencial de Lewis, como autor, está nos filmes que dirige nos anos 60. A causa da interrupção prematura está numa queda que toma e que lhe provoca terríveis dores, a depressão, etc. Jerry Lewis, hoje, é visto pelo grande público como mero comediante e, mesmo, para alguns, como um palhaço das sessões da tarde. Mas sua importância está registrada nas centenas de ensaios escritos sobre a sua contribuição para a linguagem cinematográfica. Uma coleção de livros de cinema, Cinema D"Aujourdhui, que apenas publica textos sobre grandes cineastas, dedica a Jerry Lewis um de seus números, que é uma tese de doutorando de um francês na Sorbonne.
E em 1981, quando já não se pensava num retorno lewisiano, surpreende a todos com uma comédia bem a seu gênio: Smosgasboard, que o título idiota em português apenas reafirma o preconceito: As loucuras de Jerry Lewis.
Habemos Jerry Lewis!! O que é reconfortante.
O cinema, a comida e o comer
"Acontece nos dias 04 e 11 de dezembro, a mostra cinematográfica O Cinema,a Comida e o Comer na Sala de Arte - Cinema da UFBa . A mostra é organizada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura/NEPAC da Escola de Nutrição da UFBa.
Após a exibição dos filmes acontece um debate com especialistas (sic, conforme a nota que publico ipsis literis) da área de cinema."
Dia 04/11 - Simplesmente Martha (Sandra Nettelbeck, Alemanha, 2001). Debatedor: André França (FTC)
Dia 11/11 - A Comilança (La grande buffe, de Marco Ferreri, França,1973). Debatedor:André Setaro (FACOM/UFBA)
Para maiores informações: (71) 3283-7708.