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20 junho 2008

Caso "Revoada": a União contesta


A luta para que o autor de um filme possa ter os direitos respeitados continua. José Umberto, diretor de Revoada, filme baiano de longa metragem, viu-se, de repente, impedido de montar o seu filme, alijado de qualquer interferência numa obra que é sua, concebida e imaginada por ele. Entrou com uma Ação Popular na Justiça, para reaver os seus direitos e, agora, há novidades no desdobramento do caso com a Contestação feita pela União. Segue a mensagem que me mandou e, em seguida, a própria Contestação ipsis litteris.

André Setaro,

Peguei a xérox da Contestação da União, no prédio da Justiça Federal, lá na Paralela.

Tenho que digitá-la, e depois lhe remeto.

Mas, em resumo, eles repetem tudo o que há na defesa de Orlando: Que José Umberto é um mero diretor, e que Rex Schindler é o proponente. O Ministério da Cultura só ouve a Rex Schindler Filmes e Serviços Ltda., pois só tem Contrato com esta empresa baiana de cinema, etc.

Que o Contrato vence no dia 18 de Dezembro de 2008 logo, o MinC ainda não recebeu a prestação de contas da Rex Schindler Filmes e Serviços Ltda. e, portanto, não pode julgá-la, tampouco o Sr. José Umberto através de lei constitucional.

Alega que o então Secretário Orlando tinha o instrumento legal de "resolver os casos omissos", por isso liberou os 40 Mil Reais para atender às dificuldades da produtora a fim de que a produção não parasse (...).

Só que, no Edital do MinC, este dinheiro está bem explícito, em Artigo, que é para pagar a produtora assim que entregar a cópia nova (cópia standard;filme pronto) em película de 35mm, uma cópia em Betacam e outra cópia em VHS (...) Quer dizer, não há nada OMISSO. O Secretária teria que obedecer a Cláusula de Edital Público.

E veja, André, que o próprio Ministério Público Federal reconhece esta falha, que merece uma quebra de Contrato. Além disso, o MPF também reconhece indícios de fraudes no balancete a mim apresentado pela Rex Schindler.

Numa Ata, do MinC, o Sr. José Umberto é quem foi oficialmente defender o projeto "Revoada" na prova oral feita no Rio de Janeiro. Logo, José Umberto esteve presente (na defesa da obra) até o final, para que o projeto fosse vencido.

Por que o MinC recebeu oficialmente o Sr. José Umberto para defender o Projeto "Revoada"?

Porque reconhece que o Sr. José Umberto é o AUTOR DA OBRA CINEMATOGRÁFICA. Senão, não o teria aceito, e documentado em ata pública.

Por que então ela não só reconheceu, na oportunidade, o Sr. Rex Schindler?

O AUTOR, depois que vence o Concurso, é então descartado como um objeto?
Como um dejeto?

Engraçado, André, é que eu entrei com uma Ação Popular (contemplada na Constituição do Brasil) para defender o Erário da União.

Quer dizer, eu estou defendendo o Estado de ingerência administrativa.

E, o próprio Estado (Procuradoria Geral da União) se sente ameaçado, pela denúncia-cidadã, e contesta o gesto baseado em atitude ética e ação patriótica.

É o Estado, é a União (permanente)...
ou é o Governo (portanto, efêmero) que se escusa de zelar pela verdade?

Governo que passa e sai do Poder, enquanto o Ministério Público Federal (órgão independente e permanente; guardião da Lei) reconhece a procedência da denúncia-cidadã?

Não é uma contradição? (Aliás, rodeamos sobre pleonasmo).

Atenciosamente,

José Umberto Dias

18 junho 2008

Cyd Charisse é morta

A Morte levou ontem, 17, com ela, as mais belas pernas da humanidade em toda a sua história: as de Cyd Charisse, que, retirada da vida, esteve, nela, 87 anos. Nasceu em 8 de março de 1921 em Amarillo, Texas. Mas isto pouco importa. O que importa de fato é que nos proporcionou profunda estesia nos musicais que trabalhou, principalmente em Cantando na chuva (Singin'in in the rain, 1952), quando do número espetacular que a foto ilustra, ao lado de Gene Kelly, e em A roda da fortuna (The band wagon, 1953), do grande Vincente Minnelli, ao lado de Fred Astaire. Neste último, a dança com Astaire no Central Park, quando, a andar passam, de repente, a dançar, como num passe de mágica, é coisa mágica, deslumbrante, a beleza e a explicação da beleza. Meias de seda (1957), de Roubem Mamoulian, também com Astaire, refilmagem de Ninotchka, o célebre filme de Ernst Lubistch com Greta Garbo, é uma obra também na qual a bela Charisse pôde mostrar as suas monumentais pernas e a sua eterna simpatia. Entre muitos outros musicais, evidentemente. Mas foi também uma atriz dramática, como em Party girl (1957), de Nicholas Ray, com Robert Taylor, em A cidade dos desiludidos (Two weeks in another city, 1961), de Vincente Minnelli, que retoma aqui o tema basilar de Assim estava escrito (The bad and the beautiful, 1953), ou seja, os bastidores da indústria cinematográfica. Morta a bela Cyd Charisse o que se pode fazer? Nada.

15 junho 2008

Introdução ao cinema (8)

02. A Montagem Intelectual ou Ideológica: operação com um objetivo mais ou menos descritivo que consiste em aproximar planos a fim de comunicar um ponto de vista, um sentimento ou um conteúdo ideológico ao espectador. Eisenstein escreveu na justificativa de sua montagem de atrações: "uma vez reunidos, dois fragmentos de filme de qualquer tipo combinam-se inevitavelmente em um novo conceito, em uma nova qualidade, que nasce, justamente, de sua justaposição (...) A montagem é a arte de exprimir ou dar significado através da relação de dois planos justapostos, de tal forma que esta justaposição dê origem à idéia ou exprima algo que não exista em nenhum dos dois planos separadamente. O conjunto é superior à soma das partes".

Amparado nestes ditos de Eisenstein, há de se ver que, no cinema, como em quase todos os ramos das ciências, quando se reúne elementos (no sentido amplo) para obter um resultado, este é freqüentemente diferente daquele que se esperava: é o fenômeno dito de emergência. Aprende-se, por exemplo, em biologia, que pai e mãe misturam seu patrimônio hereditário para criar uma terceira personagem não pela soma desses dois patrimônios, mas, ao contrário, pela combinação deles em um novo patrimônio inédito. Em química, sabe-se ser possível misturar dois elementos em quaisquer proporções, mas não é possível combiná-los verdadeiramente em um corpo novo se não tem proporções perfeitamente definidas (Lavoisier). Da mesma forma, na montagem de um filme, os planos só podem ser reunidos numa relação harmoniosa.

A montagem ideológica consiste em dar da realidade uma visão reconstruída intelectualmente. É preciso não somente olhar, mas examinar, não somente ver, mas conceber, não somente tomar conhecimento, mas compreender. A montagem é, então, um novo método, descoberto e cultivado pela sétima arte, para precisar e evidenciar todas as ligações, exteriores ou interiores, que existem na realidade dos acontecimentos diversos.
A montagem pode, assim, criar ou evidenciar relações puramente intelectuais, conceituais, de valor simbólico: relações de tempo, de lugar, de causa, e de conseqüência. Pode fazer um paralelo entre operários fuzilados e animais degolados, como, por exemplo, em A Greve (1924), de Eisenstein. As ligações , sutis, podem não atingir o espectador. Eis, aqui, um exemplo da aproximação simbólica por paralelismo entre uma manifestação operária em São Petersburgo e uma delegação de trabalhadores que vai pedir ao seu patrão a assinatura de uma pauta de reivindicações (exemplo extraído do filme Montanhas de ouro, do soviético Serge Youtkévitch).
- os operários diante do patrão
- os manifestantes diante do oficial de polícia
- o patrão com a caneta na mão
- o oficial ergue a mão para dar ordem de atirar
- uma gota de tinta cai na folha de reivindicações
- o oficial abaixa a mão; salva de tiros; um manifestante tomba.

A experiência de Kulechov demonstra o papel criador da montagem: um primeiro plano de Ivan Mosjukine, voluntariamente inexpressivo, era relacionado a um prato de sopa fumegante, um revólver, um caixão de criança e uma cena erótica. Quando se projetava a seqüência diante de espectadores desprevenidos, o rosto de Mosjukine passava a exprimir a fome, o medo, a tristeza ou o desejo. Outras montagens célebres podem ser assimiladas ao efeito Kulechov: a montagem dos três leões de pedra - o primeiro adormecido, o segundo acordado, o terceiro erguido - que, justapostos, formam apenas um, rugindo e revoltado (em O Encouraçado Potemkin, 1925, de Eisenstein); ou ainda a da estátua do czar Alexandre III que, demolida, reconstitui-se, simbolizando assim a reviravolta da situação política (em Outubro).

O que Kulechov entendia por montagem se assemelha à concepção do pioneiro David Wark Griffith, argumentando que a base da arte do filme está na edição (ou montagem) e que um filme se constrói a partir de tiras individuais de celulóide. Pudovkin, outro teórico da escola soviética dos anos 20, pesquisou sobre o significado da combinação de duas tomadas diferentes dentro de um mesmo contexto narrativo. Por exemplo, em Tol'able David (1921), de Henry King, um vagabundo entra numa casa, vê um gato e, incontinente, atira nele uma pedra. Pudovkin lê esta cena da seguinte forma: vagabundo + gato = sádico. Para Eisenstein, Pudovkin não está lendo - ou compreendendo o significado - de maneira correta, porque, segundo o autor de A Greve a equação não é A + B, mas A x B, ou, melhor, não se trata de A + B = C, porém, a rigor, A x B = Y. Eisenstein considerava que as tomadas devem sempre conflitar, nunca, todavia, unir-se, justapor-se. Assim, para o criador da montagem de atrações, o realizador cinematográfico não deve combinar tomadas ou alterná-las, mas fazer com que as tomadas se choquem: A x B = Y, que é igual a raposa + homem de negócios = astúcia. Em Tol'able David, quando Henry King corta do vagabundo ao gato, tanto o primeiro como o segundo figuram proeminentemente na mesma cena. Em A Greve ( Strike ), quando Eisenstein justapõe o rosto de um homem e a imagem de uma raposa (que não é parte integrante da cena da mesma forma que o gato o é em Tol'able David, porque, para King, o gato é um personagem),esta é uma metáfora.
Em Estamos construindo (Zuyderzee, 1930), de Jori Ivens, várias tomadas mostram a destruição de cereais (trigo incendiado ou jogado no mar) durante o débacle de 1929 da Bolsa de Valores de Nova York, a depressão que marcou o século XX. Enquanto apresenta os planos de destruição de cereais, o realizador alterna -os com o plano singelo de uma criança faminta. Neste caso, o cineasta, fotografando uma realidade, recorta uma determinada significação. Os planos fotografados por Jori Ivens podem ser retirados da realidade circundante, mas é a montagem quem lhes dá um sentido, uma significação. Os cineastas soviéticos, como Serguei Eisenstein e Pudovkin, procuravam maximizar o efeito do choque que a imagem é capaz de produzir a serviço de uma causa.

Considerada a expressão máxima da arte do filme, a montagem, entretanto, vem a ser questionada na sua supremacia como elemento determinante da linguagem cinematográfica com a introdução - em fins dos anos 30 - das objetivas com foco curto que permitiu melhorar as filmagens contínuas - a câmera circulando dentro do plano - com uma potenciação de todos os elementos da cena e com um tal rendimento da profundidade de campo (vide Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, Os melhores anos de nossas vidas, 46, de William Wyler) que possibilitou tomadas contínuas a dispensar os excessivos fracionamentos da decupagem clássica. A tecnologia influi bastante na evolução da linguagem fílmica, dando, com o seu avanço, novas configurações que modificam o estatuto da narração - o próprio primeiro plano - o close up - tão exaltado por Bela Balazs como "um mergulho na alma humana" - com o advento das lentes mais aperfeiçoadas já se encontra, esteticamente, com sua expressão mais abrangente e menos restrita. Tem-se, como exemplo, as faces enrugadas e pavorosas de David Bowie em Fome de Viver/The Hunger, 1983, de Tony Scott, com Catherine Deneuve e Susan Sarandon. A foto que ilustra a postagem é deste filme, o seu cartaz.