Seguidores

08 abril 2010

Escritos do blogueiro sobre cinema

Escritos sobre Cinema - Trilogia de um Tempo Crítico, de minha autoria, em três volumes, tem lançamento assegurado, em Salvador, na terça que vem, dia 13 de abril, às 20 horas, no Cinema do Museu (que fica no Corredor da Vitória). Na verdade, exceto o volume sobre linguagem e introdução ao cinema, o livro é uma triagem de artigos que iam se perder na lata de lixo do tempo, pois escritos para jornais e revistas, com alguma coisa, pouca, tirada da internet. Quem está acostumado com as asnices aqui cometidas não terá surpresas nem ficará surpreendido com os textos reunidos. Os leitores do blog estão todos convidados (lógico que aqueles que moram nesta engarrafada e terrível cidade).
Comecei a escrever sobre cinema em novembro de 1970, um artigo sobre a importância de Jerry Lewis para o finado Jornal da Bahia em seu suplemento de cor azul. A partir de agosto de 1974, obtive uma coluna para fazer críticas diárias sobre os filmes que estavam em cartaz. Há 35 anos, portanto. Se vou fazer 60 anos, e a considerar ter ido, pela primeira vez ao cinema, aos 7, tenho já 53 anos de estrada. O que me dá arrepios existenciais por causa da passagem do tempo.

Escritos sobre Cinema é editado pela Azougue em parceria com a Edufba (editora da Universidade Federal da Bahia) e teve o patrocínio do Fundo de Cultura do Estado da Bahia.
É GRÁTIS!
Clube da Crítica – Saladearte Cinema da UFBA às 16h às 17h30
14 de abril (quarta): A decadência da crítica nos jornais e o seu advento em blogs e sites com Sérgio Alpendre (editor da Paisà)
15 de abril (quinta): Panorama atual da crítica cinematográfica com Francis Vogner (crítico da Cinética e professor de Cinema)
16 de abril (sexta): A Inexistência da crítica na Bahia como reflexo de seu momento cultural com Marcos Pierry (Jornalista e professor de cinema) e André França (artista visual e professor de cinema)

05 abril 2010

Pré-Jornada em compromisso com o universo indígena



Antes da Jornada Internacional de Cinema da Bahia, que acontece há mais de 30 anos todo mês de setembro, há, também, uma Pré Jornada e, no ano em curso, há uma homenagem aos nossos indígenas com uma mostra de filmes curiosos e importantes (pelo menos do ponto de vista etnográfico) e uma exposição preciosa de Guido Boggiani, fotógrafo italiano do século retrasado. Trata-se de uma programação do Clube de Cinema da Bahia.

As programações da Pré Jornada contam com apoio da: Petrobras, Secretaria de Cultura do Governo do Estado da Bahia, Fundação Cultural do Estado da Bahia – DIMAS e Fundação Pedro Calmon, Fundo Nacional de Cultura, CHESF, AECID, Instituto Camões, Consulado Geral de Portugal na Bahia, Banco do Nordeste, Goethe Institut de Salvador.
.
Exposição Fotográfica: Guido Boggiani y el Chaco
Uma Aventura Del Siglo XIX ( 1861-1901)
Exposição fotográfica do trabalho pioneiro do pintor e fotógrafo italiano Guido Boggiani (1861-1901). Nome de destaque na pintura naturalista na Itália, o artista interrompeu sua carreira e rumou em 1887 para a América do Sul, passando a pesquisar, sistematicamente, a vida e cultura dos índios do Gran Chaco, região fronteiriça entre Brasil, Argentina e Paraguai. A obra de Guido Boggiani foi salva pelo explorador botânico e etnógrafo tcheco Alberto Vojtech Fric (1882-1944) que conseguiu recuperar as 415 fotos após o episódio de seu desaparecimento. Com medo de terem seus espíritos aprisionados nas fotos, os Chamacocos assassinaram o “bruxo”, denotando que o pioneirismo de Guido Boggiani custou-lhe a vida.
Esta exposição abriu a XXXII Jornada Internacional de Cinema da Bahia, em edição de destaque aos POVOS INDÍGENAS DA AMÉRICA DO SUL, em 2005. Hoje reeditada, reafirma o compromisso da Jornada Internacional de Cinema da Bahia com o universo indígena voltando-se para temáticas de relevância, a exemplo do descumprimento de direitos assegurados pela Constituição Federal aos povos indígenas e o descaso com que são tratados. A falta de compromisso das autoridades com as populações indígenas e a seqüencia de fatos graves que apontam para a extinção de importantes tribos, vítimas de massacres na luta desigual com madeireiros, garimpeiros e gananciosas disputas por terras. A questão indígena, pela gravidade deve estar presente na pauta das discussões de todos os seguimentos que lutam por um mundo mais justo e de iguais condições para todos.

ONDE:
Biblioteca Pública do Estado da Bahia. Rua General Labatut, 27. Barris. Salvador-Bahia. Funcionamento: Seg a Sex das 8h às 22h. Sáb das 8 h às 12h. 09 a 15 de abril de 2010.:Palestra de Abertura sobre Guido Boggiani proferida por Bohumila Sampaio de Araújo. Auditório da Biblioteca, 15:00.

Mostra Povos Indígenas do Brasil, Sala Walter da Silveira, 09 a 15 de abril de 2010, 16h30min. Programação especial de sessões de filmes dedicados à luta dos Povos Indígenas do Brasil, seguidos de debate no dia 15 de abril. Participarão do debate convidados que trabalham com a temática indígena.

MOSTRA POVOS INDÍGENAS DO BRASIL.
SALA WALTER DA SILVEIRA. 09 a 15 de abril de 2010.

Introdução
Todo dia é dia de Índio, ou pelo menos deveria ser, afinal é ele o legítimo dono de todas as Terras do Brasil e das Américas. Contudo, tudo isto não passa de utopia, pois a realidade é bem outra...
Historicamente, desde que espanhois e portugueses desembarcaram nas costas do Novo Mundo, a cordial acolhida dos nativos tem sido retribuída ao longo de mais de 500 anos com o genocídio praticado pelo intruso, dito civilizado.
De qualquer modo, aproveitamos este mês de abril para darmos início a programação Pré –Jornada 2010, que este ano terá como tema central, a luta pela salvação do nosso planeta. Afinal, ninguém melhor do que o índio representa a natureza, que através de uma conscientização pela imagem cinematográfica, esperamos contribuir para salvá-la.
A programação de abertura da Pré-Jornada Internacional de Cinema da Bahia acontecerá na Biblioteca Pública do Estado e na Sala Walter da Silveira, de 09 a 15 de abril, compreendendo uma exposição, palestras e mostra de filmes. Após as sessões Maria Hilda Paraíso, Hirton Fernandes, Yakuy Tupinambá e Franklin Oliveira Jr. participarão do debate. Confira.
Programação:
09.04
Imbé Gikegü Cheiro de Pequi. (2006, 36’, Brasil) (Acervo da Jornada de Cinema da Bahia)

Sinopse: Ligando o passado ao presente, os realizadores kuikuro contam uma historia de perigos e prazeres, de sexo e traição, onde homens e mulheres, beija-flores e jacarés constroem um mundo comum. Realizadores: Takumã e Maricá Kuikuro
http://www.videonasaldeias.org.br/

10.04
Xicão Xucuru, 1999, 52’, PE/Brasil. (Acervo da Jornada de Cinema da Bahia)

Sinopse: Desde 1985 o cacique Xicão liderava a resistência do povo Xucuru, lutando pelo reconhecimento e demarcação de suas terras no município de Pesqueira. O trabalho desenvolvido por Xicão acompanhado pela comunidade teve como resultado o resgate do respeito às suas reinvidicações, a melhoria da qualidade de vida. Em maio de 1998, Xicão é assassinado por motivos fundiários, causando revolta no movimento indígena brasileiro. Direção: Nilton Pereira.

11.04
Yã Katu O Brasil dos Villas Boas. 2004, 63’, Brasil. (Acervo da Jornada de Cinema da Bahia)
Sinopse: Dezesseis anos depois de um exílio compulsório imposto pelo governo militar brasileiro dos anos 1960/1980, Orlando Villas Bôas retorna ao Parque Nacional do Xingu para um encontro emocionado com o seu passado e revela ao mundo a sociedade equilibrada, sensível e sofisticada da nação indígena. Na contramão da história, mostra-nos como as diferenças tribais podem resultar em convivência harmônica, culturalmente enriquecedora, e não em guerra. Direção: Nilson Villas Boas.

12.04
O último Kuarup Branco, 2007, 52’, Brasil. (Acervo da Jornada de Cinema da Bahia)
Sinopse: O filme é uma viagem de contato, imersa em um ambiente visual que evoca os estados alterados de consciência nos misteriosos rituais indígenas do Xingu. Neste trajeto, aparece a voz dos índios como protagonista e o espectador é conduzido às mensagens da velha índia Airé, da nação Ikpeng. Direção: Bhig Villas Boas.

13.04
Póstuma-Cretan, 1980, 13’, PR/Brasil. (Acervo da Jornada de Cinema da Bahia)
Sinopse: O filme mostra os acontecimentos na reserva indígena de Manguerinha, no Paraná, que levaram à morte o cacique Angelo Cretan. Direção: Ronaldo Duque

Uma Assembléia Ticuna, 2000, 20’, RJ/Brasil. (Acervo da Jornada de Cinema da Bahia)
Sinopse: O filme localiza uma reunião entre autoridades indígenas e, paralelamente, acompanha a maior expressão cultural desse povo: a festa da moça nova (ritual de iniciação feminino) realizada concomitantemente à reunião de lideranças. Direção: Bruno Pacheco de Oliveira.
Histórias de Avá- O povo invisível, 1998, 19’, RJ/Brasil.(Acervo da Jornada de Cinema da Bahia)
Sinopse: O filme conta a história da tribo de índios Avá-Canoeiro que está ameaçada de extinção e narra a tentativa de se fazer contato com grupos de Avá que se encontram ainda isolados a 500 km da capital do Brasil. Direção: Bernardo Palmeiro.
14.05
Rondon: Amor, Ordem e Progresso (2003, 87’, Brasil) ( Acervo da Jornada de Cinema da Bahia)
Sinopse: O documentário resgata a trajetória de vida do grande sertanista, contada em depoimentos de estudiosos e seguidores - como Darcy Ribeiro e os irmãos Villas Boas -, e ilustrada por imagens da época, traçando o perfil do homem que escreveu sua história junto com as demarcações de nossas fronteiras. Direção: Marco Altberg

15. 05
E14 Encontro das Culturas dos 14 Povos Indígenas da Bahia (2008, 54’, Ba/Brasil) (Secretaria de Cultura/Ba, Irdeb/Ba)

Sinopse: O E-14 teve como sede a Aldeia Tuxá, na cidade de Rodelas-Ba. Contou com a participação de aproximadamente 500 pessoas, dentre esses 266 representantes indígenas dos povos Atikum, Kaimbé, Kiriri, Kantaruré, Pankararé, Pankaru, Pataxó, Pataxó Hã-Hã-Hãe, Truká, Tumbalalá, Tupã, Tupinambá, Tuxá, Xucuru-Kariri, quatro representantes por aldeia: um pajé, um jovem, uma mulher e um gestor indígena interessado em elaboração de projetos culturais, que formaram grupos de trabalho com o objetivo de- além de integrarem-se num intercâmbio cultural- apontarem diretrizes à preservação, ao fortalecimento e ao desenvolvimento das culturas indígenas no Estado da Bahia. Realização: Secretaria de Cultura-Ba/ Irdeb-Ba.
Nesta sessão,os convidados que trabalham com a temática indígena, Maria Hilda Paraíso, Hirton Fernandes, Yakuy Tupinambá e Franklin Oliveira Jr. participarão do debate.

"I Vitelloni", de Federico Fellini

A visão de Abismo de um Sonho (Lo Sceicco Bianco, 1952), de Federico Fellini, filme inédito no Brasil desde o seu lançamento, foi importante para se ter uma idéia de como um gênio cinematográfico já expõe suas coordenadas temáticas e estilísticas desde a sua primeira obra. Fellini, antes de Lo Sceicco Bianco já tinha compartilhado a direção em Mulheres e Luzes (Luci de Varietà, 1950), com Alberto Lattuada. Abismo de um Sonho é, porém, o seu filme inaugural como autor integral e completo. O começo de uma carreira extraordinária que fez de Fellini um dos grandes artistas do século XX. O seu filme seguinte, I Vitelloni (Os Boas-Vidas, 1953) pertence, hoje, a qualquer antologia de cinema. É obra surpreendente. Considerando que a obra-prima de um cineasta só pode ser uma, Fellini rasgou o conceito de obra-prima, pois, extrapolando a lógica classificatória, realizou várias.Filme- crônica, I Vitelloni tem como centro a cidade natal do cineasta (rodado em Viareggio representa, porém, a eterna Rimini, que seria, décadas mais tarde, e de maneira estilizada, a inspiração de Amarcord). Fellini fala de sua juventude, de seus vizinhos, parentes, em especial dos amigos. Dos cinco boas-vidas, três têm exatamente o mesmo prenome dos atores que os interpretam: Alberto (Sordi), Leopoldo (Trieste) e Ricardo (Fellini, irmão do realizador). Há, portanto, um espírito familiar-comunal, um encanto particular na narração, os indicativos de um cineasta excepcional cuja poesia emerge a cada seqüência (e não se pode esquecer da inebriante música de Nino Rota). O cineasta de La Dolce Vita faz com que cada personagem se defina, represente uma coisa: Fausto (Franco Fabrizzi), o sedutor barato, Alberto, o bufão da turma, Leopoldo, o intelectual de província, Ricardo, a nulidade personificada. Mas a maneira de Fellini tratá-los foge ao que pode parecer, assim à primeira vista, uma estereotipia acadêmica.
No italiano popular, vitelloni significa literalmente vitelos gordos. No filme, "os boas-vidas" são jovens provincianos, que praticam o ócio e vivem às custas de suas famílias. Segundo o próprio Fellini, estes boas-vidas "chegam à casa dos trinta fazendo discursos e repisando suas piadas de moleques. Brilham durante a estação balneária cuja espera os ocupa durante o resto do ano. São desempregados da burguesia, mas são também amigos a quem eu quero bem. Flaiano, Pinelli (os roteiristas) e eu começamos a conversar sobre isso e, sendo todos ex-vitellonis, cada um tinha milhões de coisas para contar. Após toda uma série de histórias engraçadas, fomos tomados por uma grande melancolia, e fizemos este filme" Alberto é um sentimental, um grande chorão, agarrado à infância, que se emociona muito facilmente e que, na sua ingenuidade provinciana, não percebe as armadilhas do destino. Leopoldo, um escritor frustrado, cuja ambição se situa no âmbito de sua "paróquia" (e, com este, a fantástica seqüência do velho dramaturgo homossexual, um farsante, que o convida a ler seus textos na praia). Moraldo é o mais jovem, que, enfastiado, decide sair, ir para Roma (é nele que Fellini se projeta), e nele se encontra o embrião de um filme não realizado, Moraldo in Città
Sérgio Augusto, num ensaio intitulado Os boêmios errantes de Fellini (publicado no livro que contém o roteiro de I vitelloni) observa com muita precisão: "Como todas as outras confissões, inclusive as mais diluídas (As Noites de Cabíria) e as transferidas (Julieta dos Espíritos), elas correspondem a um período na vida do autor em que a profissão, o trabalho, o fazer-alguma-coisa, possui uma significação primordial. Abismos de um sonho: recordações do Fellini-fumettista; A estrada da vida: lembranças do Fellini-saltimbanco; Trapaça, Cabíria, Dolce vita: memórias e impressões da província e da metrópole pela ótica urbanizada (leia-se romanizada) do Fellini-repórter, com graduações variáveis de envolvimento e distanciamento; Oito e Meio: as angústias do Fellini-cineasta.
As fantasias "postas em ordem" em Vitelloni pertencem a uma fase anterior à do Fellini en route, fora de casa, em transito entre a Romagna ou a Toscana e Roma, do Fellini mais dominado pelo sentimento de vegetar e pela inércia sonolenta de Rimini que pelo esplendor vitalístico dos anos de aprendizado vividos com uma máscara de responsabilidade nas estradas do interior e nas avenidas da capital."Quatro os "capítulos" principais através dos quais o filme se articula. É importante observar que Fellini não segue a lei de progressão dramática da cartilha griffithiana (de David Wark Griffith, o pai da narrativa cinematográfica), parecendo, às vezes, que o filme é meio descosido. Mera impressão. Tem-se, portanto, estes quatro atos, por assim dizer, subdivididos num grande número de situações secundárias, que se concluem no epílogo com a despedida de Moraldo, o mais jovem dos vitelos gordos. Que inventividade cinematográfica, que poesia emana do momento em que Moraldo, da janela do trem em movimento, observa seus amigos adormecidos!
O primeiro capítulo conta o casamento apressado de Fausto, que engravidou Sandra, a irmã de seu amigo Moraldo. O segundo descreve a existência dos outros boas-vidas durante a lua-de-mel de Fausto e Sandra. No terceiro, assiste-se à fracassada e indolente tentativa de Fausto de se dedicar a um trabalho estável, e, finalmente, no quarto, à passagem de uma companhia de revista (com o velho farsante já citado), com mais uma traição de Fausto e uma crise conjugal mais séria."
Os boas-vidas, por sua originalidade de composição e tratamento temático, é quase um filme-arquétipo, que influenciou sobremaneira obras posteriores. Vê-se, nitidamente, rastros de I Vitelloni em Caminhos Perigosos (Mean Streets, 1973), de Martin Scorsese, em Loucuras de Verão (American Graffiti, 1974), de George Lucas, em O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas (St.Elmo fire, 1986), de Joel Schumacher e, principalmente, em I Brasilischi. de Lina Wertemuller, entre muitos outros.

04 abril 2010

Nas asas da Panair

Panair do Brasil, documentário de Marcos Altberg que passou hoje, domingo, no Canal Brasil, dentro da programação do Tudo é verdade, coordenado por Amir Labaki, é um importante documento de uma época e, principalmente, de como a ditadura militar praticou uma violência jurídica inominável contra a empresa, destruindo-a. Como disse o senador (já falecido) Paulo Monteiro de Carvalho (Arthur da Távola), um dos entrevistados, fala-se muito nas torturas, nas prisões, no cerceamento à liberdade, praticados pelos militares, mas fala-se pouco das violências jurídicas. A Panair do Brasil foi vítima de uma violência jurídica que causa espécie e mancha, definitivamente, a imagem do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, o homem sem pescoço, segundo o linguajar popular.

Além do mais, a Panair do Brasil vivia um momento de plena expansão, era uma empresa de muita liquidez, solvente, conhecida no mundo inteiro como centro de excelência e, de repente, um simples decreto ditadorial a põe por terra, destruindo todo o seu patrimônio, e, em consequência, provocando alguns suicídios e deixando desempregadas mais de cinco mil famílias.

Com o desmanche da Panair, a Varig se beneficiou de seus voos internacionais para a Europa e tomou o seu lugar. Quem viaja de avião, hoje, não pode ter ideia do luxo que era uma viagem aérea. Fundada em 1930, a Panair funcionou até 1967, quando a ditadura suspendeu seus voos e a destruiu com uma brutalidade e crueldade impressionantes.

Para se viajar de avião, tinha-se que usar, obrigatoriamente, paletó e gravata. Mesmo meninos tinham de pô-lo. As poltronas, confortáveis, tinham espaço suficiente e as aeromoças, belíssimas e educadas, tratavam os passageiros como verdadeiros príncipes. As refeições a bordo servidas pela Panair eram consideradas do mesmo nivel dos melhores restaurantes de luxo da Europa. E sempre o passageiro chegava a seu destino com uma caixa cheia de brindes: talheres de marcas famosas em miniatura, carteirinhas de cigarro (sim, bom tempo aqueles em que se podia fumar, quando não havia a lei fascista e autoritária que bane dos cigarros de todos os lugares), barras de chocolate, abotoaduras etc, etc.

Um dos entrevistados chega a dizer que o voo semanal da Panair para a Europa era um acontecimento social, saindo, nos principais jornais, a lista dos felizes passageiros.

Tenho orgulho de dizer que viajei uma vez pela Panair do Brasil. O que falta ao documentário é uma investigação mais profunda sobre as causas do ato ditadorial. Ao que parece, os donos da Panair foram contra o golpe de 64. E havia outros interesses, inclusive o da Varig, a grande beneficiada com a destruição da Panair do Brasil.

Milton Nascimento fez uma música como homenagem a Panair cantada por Elis Regina. Vale ressaltar também que, até hoje, os antigos funcionários da Panair ainda se reúnem todos os anos para recordar os bons tempos em que viviam nas asas da Panais. É a família Panair que continua unida, ainda que seus integrantes já velhos e provectos.

PS: O documentário Panair do Brasil, de Marcos Altberg, mostra um trecho de Um só pecado (Le peau douce, 1963), de François Truffaut, quando o personagem interpretado por Jean Dessailly chega a Lisboa, vindo de Paris, num avião da Panair - e se vê bem grande o nome da empresa no avião.