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01 janeiro 2009

Os melhores filmes de 2008


Esta relação dos meus favoritos de 2008 foi publicada há duas semanas no Terra Magazine. A escolha, como sempre, é uma questão subjetiva. Coloquei em primeiro lugar Sangue negro, e a foto que está aqui é deste filme, com interpretação inexcedível de Daniel-Day Lewis. Gostaria de ter adicionado também Serras da desordem, de Andrea Tonacci, mas preferi eleger o delírio alucinante de José Mojica Marins em A encarnação do demônio.
1) SANGUE NEGRO (There will be blood), de Paul Thomas Anderson. Mineiro fracassado e seu filho, que sonham com a riqueza proporcionada pelo petróleo, chegam a uma pequena cidade e ficam ricos e poderosos, mas entram em conflito com o pastor. Obra sobre o empreendedorismo, o nascimento do capitalismo selvagem, é, também, uma reflexão singular acerca da personalidade de um homem (interpretação inexcedível de Daniel Day-Lewis) e confirma a força de Paul Thomas Anderson (Magnólia) como um dos mais expressivos realizadores do cinema contemporâneo. A fotografia de Robert Elswit é fator integrante da carga dramática.

2) ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO (Before the devil knows you're dead), de Sidney Lumet. Executivo viciado em drogas (Philip Seymour Hoffman), casado com uma bela e sensual mulher (Marisa Tomei), convence o irmão (Ethan Hawke) a roubar a joalheria dos pais (Albert Finney, Rosemary Harris). Mas, por acidente, um deles mata a própria mãe e, a partir disso, há a emergência de fatos novos não previstos no projeto. O veterano Lumet (Doze homens e uma sentença, O veredicto...) desenvolve uma narrativa carregada de pontos de vista e retrospectos a demonstrar, apesar dos anos (mais de 80), que a inventividade e o profissionalismo não têm idade.

3) A ESPIÃ (Zwartboek), de Paul Verhoeven. Depois de várias décadas em Hollywood (Robocop, o básico Instinto selvagem, O vingador do futubro...), Verhoeven volta à sua Holanda natal e realiza, neste thirller surpreendente, um espetáculo no qual a ação está também a serviço da reflexão numa mise-en-scène de impacto. O esconderijo de uma cantora judia, a belíssima Carice van Houten (Rachel Stein/Ellis de Vries), em plena Segunda Guerra, é bombardeado e ela, então, decide entrar para a Resistência. Para espionar os oficiais nazistas, torna-se amante de um alto oficial alemão (Sebastian Bloch). Mas, na tentativa de resgatar camaradas, que dá errada, ela acaba acusada de traição pela Resistência e pelos nazistas.

4) ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (No country for old men), de Joel e Ethan Coen. Homem (Josh Brolin, que faz Bush no filme de Oliver Stone) encontra no deserto uma valise cheia de dinheiro ao lado de um traficante de drogas. Para recuperá-la, é enviado um assassino psicopata (Javier Bardem), que, para cumprir a sua missão, mata sem piedade e tem que enfrentar o xerife local (Tommy Lee Jones). A produção de sentidos, aqui, faz-se através dos silêncios, dos ruídos, dos gestos e dos olhares. Cinema de altíssima qualidade narrativa. Neste mesmo ano, há, também, um outro filme dos Irmãos Coen: Queime depois de ler (Burn after reading), comédia de humor negro que suaviza a densidade deste eleito. E também filme a respeitar.

5) UMA GAROTA DIVIDIDA EM DOIS (La fille couppée en deux), de Claude Chabrol. Realizador francês prolixo, que fez parte da geração Nouvelle Vague ao lado de Truffaut, Godard, Rohmer, entre outros, pode ser considerado o mais técnico de todos eles pelo rigor que empresta à sua mise-en-scène, embora com uma filmografia irregular. Escritor (François Berléand) tem um caso com uma jovem (Ludivine Sagnier) que trabalha em televisão e, apaixonado por ela, de repente, vê-se a disputá-la com outro mais jovem e milionário (Benoît Magimel). Nesta obra de importância inusitada, respira-se cinema por todos os poros.

6) O ESCAFANDRO E A BORBOLETA (Le scaphandre et le papillon), de Julian Schnabel. Baseado no livro de Jean Dominique Bauby, o filme, que poderia ter descambado para um dramalhão, graças, porém, à sensibilidade de Schnabel, revela-se um relato emocionante e agônico. È a maneira pela qual o realizador trata o tema que o valoriza. Tudo é visto a partir do ponto de vista do personagem principal, um jornalista (Mathieu Almaric) que, aos 43 anos, sofre um derrame cerebral que o paralisa, ficando apenas com o seu olho esquerdo. E vê o mundo a partir deste. E tem, com ele, de recriar o universo através da imaginação.

7) SENHORES DO CRIME (Eastern promises), de David Cronenberg. Cineasta canadense que se caracterizou pelo bizarro de seus temas (Gêmeos, mórbida semelhança, Monsieur Butterfly, A mosca...), nos últimos filmes, porém, tem se concentrado no estudo da violência humana. Neste Eastem promises, aborda a problemática de um homem bom que precisa, para sobreviver, fingir-se pleno de maldade. Após uma jovem morrer durante um parto, uma parteira (Naomi Watts) decide avisar a sua família, mas, na procura da identidade da falecida, entra num apavorante universo do crime e do tráfico sexual londrino.

8) O NEVOEIRO (The mist), de Frank Darabont. Violenta tempestade cai sobre a cidade de Maine e pai e filho, temerosos da possibilidade do esgotamento de gêneros alimentícios, correm para um supermercado. Um estranho nevoeiro, no entanto, impede que eles saiam. Mas há um fator sobrenatural que provoca uma situação de sufoco e de desespero. Darabont (Um sonho de liberdade) se revela um grande realizador, principalmente na criação da atmosfera, do clima asfixiante, e tudo, neste filme, se faz por procedimentos absolutamente cinematográficos. Obra estranha e perturbadora. Baseada em livro de Stephen King.

9) O GANGSTER (American gangster), de Ridley Scott. Homem (Denzel Washington) aproveita a morte de seu líder e mentor para assumir o controle do tráfico de drogas em Nova York na década de 60. Tudo vai às mil maravilhas até que um implacável detetive (Russell Crowe) resolve detê-lo. É o conflito entre as duas personalidades que parece interessar mais a Scott (Blade Runner, Thelma & Louise...), diretor que se caracteriza por uma carreira cheia de altos e baixos, mas que, quando tem em mãos um bom roteiro sabe, como poucos, mapeá-lo cinematograficamente. Trata-se, aqui, de um thriller eletrizante.

10) A ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO, de José Mojica Marins. O melhor filme nacional do ano. Aprisionado pela burocracia da captação de recursos e pelo empenho realista, o cinema brasileiro está a precisar do delírio imaginativo. Marins, ainda que não promova a estupefação de seus dois primeiros filmes com Zé do Caixão, promove, no entanto, com esta obra estranha e delirante, a fascinação de um universo de imaginação e idealismo. Preso durante 40 anos, Zé do Caixão volta à liberdade e se surpreende com a realidade dos dias atuais. Sempre à procura, no entanto, da mulher ideal capaz de dar à luz a seu filho.

31 dezembro 2008

Brigitte Bardot não comenta o que digo abaixo


Último dia do ano. O papel da folhinha na parede já está a querer se despegar. Mas não há nada a seguir, porque, com ele, a folhinha termina a sua missão, que foi a de informar todos os dias do ano. Finda a enquete sobre os diretores italianos, começo logo outra, desta vez sobre as divas da mesma cinematografia, deusas maravilhosas que nos proporcionaram êxtase e prazer, prazer e êxtase - não necessariamente nessa ordem. Mas a foto que deixo aqui é de Brigitte Bardot, minha musa, que, não tendo tido a oportunidade de tê-la, fiquei frustrado a vida inteira. Mas a vida é assim mesmo. Alguns podem tudo, outros não podem nada. A felicidade não existe e o homem a busca incessantemente. Parece que o móvel da existência é esta busca utópica pela felicidade.
O ano de 2009 não vai ser fácil. A crise apenas está a mostrar a ponta do iceberg. Segundo um desses cientistas políticos que sempre aparecem na televisão, o brasileiro vai sofrer em 2009. Logo nos primeiros meses do ano vindouro, desemprego em massa, aumentos vertiginosos, entre outras maldades do sistema perverso de economia de mercado não devidamente regulado pelo estado. O neo-liberalismo mostrou ter sido uma desgraça, pois o mercado entrou num ritmo carnavalesco, num vale-tudo completo, farreou-se com o dinheiro alheio, e, em consequência (não existe, felizmente, mais o trema), surgiram as temíveis bolhas que estouraram. Mas ainda existe gente que não sabe da crise, que anda ansiosa pelos shoppings para consumir, consumir, consumir o próprio ego e a própria mente.
Mas o que tem a bela Brigitte Bardot com tudo isso? Nada, absolutamente nada. Encontra-se a cuidar de seus animais em seu recanto, velha, enrugada, mostrando, no rosto, as marcas do tempo, que é implacável. Nunca fez plástica, nunca quis ficar esticada. Por mais que a mulher faça plástica, seu interior, e falo do interior físico, entra, a partir dos 40 (sim, já a partir dos 40) em processo de degenerescência. Hoje, por outro lado, e mudando de alho para bugalho, é dia de se tomar umas e outras. Umas para esquecer as desgraças acontecidas (e comigo aconteceram muitas). Outras para sonhar com perspectivas risonhas no embalo etílico. Hoje não vou ao cinema nem vou ver filme em DVD ou televisão a cabo. Vou beber o que tenho direito. E, se possível, TODAS.

30 dezembro 2008

Federico Fellini é o grande vencedor

A maioria dos 60 votantes da enquete sobre alguns dos mais importantes realizadores do cinema italiano votou em Federico Fellini (23, 38%). É realmente um artista singular, um cineasta de estilo marcante que se pode reconhecê-lo de imediato. Alguns de seus filmes são antológicos e estão registrados como obras permanentes da arte no século XX, a exemplo de Oito e meio (Otto e mezzo, 1963), A doce vida (La dolce vita, 1960), As noites de Cabíria (La notti di Cabiria, 1957), entre outros tantos. Mas acontece que nos anos 50 e 60 o cinema italiano estava cheio de realizadores geniais e que muito contribuíram para a evolução da linguagem cinematográfica. Roberto Rossellini (6, 10%), por exemplo, é um cineasta referencial, que descobriu uma nova maneira de registrar a representação da realidade no cinema através do neo-realismo com o qual ele pretendeu "abraçar o mundo". Alguns de seus filmes são obras de fundamental importância, como Roma, cidade aberta (Roma, città aperta, 1945), Viagem à Itália (Viaggio in Italia, 1953), etc. Houve uma época em que Rossellini era apontado como mestre e influenciador do novo cinema mundial. Parece que, nestes conturbados tempos pós-modernos, o diretor de Viagem à Itália ficou meio esquecido. E o que dizer do imenso Michelangelo Antonioni (segundo lugar, 12, 20%)? Rossellini e Antonioni foram os responsáveis pela desdramatização na estrutura narrativa dos filmes e pela instauração estética na qual a tônica estava no domínio da anti-narrativa. Em Viagem à Itália já se podia observar a ausência de um roteiro e na trilogia de Antonioni, A aventura (L'avventura, 1959), A noite (La notti, 1960), e O eclipse (L'eclisse, 1962), não seria exagero afirmar, nasce uma nova forma de abordar o mundo. Se fosse elaborar uma lista dos melhores filmes que já vi, não hesitaria em colocar A Aventura entre os eleitos. E Visconti (7, 11%), esteta, marxista, operístico, que cineasta deslumbrante! Rocco e seus irmãos (Rocco i suoi fratelli, 1960) é um filme que muito contribui para a minha formação cinematográfica e o tenho em especial consideração, assim como outros desse regista: O leopardo, Vagas estrelas da Ursa, Noites brancas...

Havia, portanto, uma quantidade tão grande de realizadores de gênio que os chamados do segundo escalão podem ser considerados também cineastas de talento inquestionável, a exemplo de Dino Risi cujo Aquele que sabe viver (Il sorpasso, 1962), com Jean-Louis Trintgnant e Vittorio Gassman, marcou toda uma geração, sem esquecer o seu fascinante Férias à italiana. O cinema italiano atual praticamente desapareceu diante daquele efervescente de décadas atrás no qual pontificavam nomes expressivos como Francesco Masselli, Marco Belocchio (De punhos cerrados), Florestano Vancini (Enquanto durou o nosso amor), Pietro Germi, Ermanno Olmi, Valerio Zurlini (Dois destinos, A primeira noite de tranquilidade...), Carlo Lizzani, Damiano Damianni, o grande Francesco Rosi (O bandido Giuiliano é uma obra-prima sem tirar nem por e seu nome deveria ter constado da enquete), Luigi Comencini, Antonio Pietrangeli, Ugo Gregoretti. E vou parar por aqui para não omitir algum outro nome poderoso.
Mas esqueci de um diretor que não poderia ter esquecido: Mario Monicelli, como bem observou Romero Azevedo nos comentários. Ainda que não esteja no mesmo patamar de Fellini, Visconti, Antonioni, Monicelli é da genial equipe do segundo time do cinema italiano esplendoroso dos anos 50 e 60. Nunca posso esquecer de Os companheiros (I compagni), A grande guerra, O incrível exército de Brancaleone, Pais e filhos, entre tantos. Acabei de ver, agora, um documentário muito bom sobre a figura ímpar de Marcello Mastroianni realizado por Annarosa Morri e Mario Canale, Marcello, uma vida doce (Marcello, una vita dolce, 2006) no Telecine Cult. E há um depoimento de Mario Monicelli, que destaca a participação deste grande ator em Os companheiros, entre outros. Há um Monicelli que se pode classificar como uma excelente comédia tipicamente italiana e irressistível: Os eternos desconhecidos (I soliti ignoti, 1958), uma espécie assim de sátira a Riffifi chez les hommes, de Jules Dassin, que fez imenso sucesso na época. Vendo o filme sobre Mastroianni, lembrei-me de outro diretor italiano, Elio Petri, com o qual trabalhou, ao lado de Ursulla Andress, em A décima vítima. Mas Petri deve ser lembrado mais por A classe operária vai ao paraíso e Investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita, ambos com Gian Maria Volonté, além de Os dias são contados. Há também Lina Wertemuller, que fez, pelo menos, um belo filme: Pasqualino Sete belezas. E outros, e outros, e outros. E Marco Ferreri? Bem, neste ritmo o post não acaba mais.

28 dezembro 2008

Cascalho para se "comer água"

Desenho do grande artista Ângelo Roberto que retrata o cineasta baiano Tuna Espinheira no garimpo. Não encontrou nenhuma pedra preciosa, mas do fundo das águas, veio-lhe, de presente, uma garrafa de cachaça típica da região. À César o que é de César!