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23 março 2007

Objetos mágicos recuperados


A jornalista Clara Fagundes viu os objetos, que se dizem mágicos, da exposição de Ediane e escreveu suas impressões no texto a seguir:
"A exposição de Ediane do Monte recupera objetos mágicos. A matéria-prima é mulher. Expostas do cabelo ao sapato, em barro, tintas, pedras. Sapatos, muitos sapatos, pintados, esculpidos. São sapatos de bruxa, que remetem a lendas antigas.
Penetra surdamente no reino de objetos encantados, que encarnam suas amas. Que brincam de joguinhos geométricos. Que namoram e atraem seus objetos-pares, em pequenos conjuntos, mini-exposições.
Os cabelos tecem ninhos emaranhados, cerzidos em delicados aconchegos. Pintados nos auto-retratos, se fazem acompanhar de papeis de ervas quase secretas, feitos no ateliê-casa. Pão da arte. Sobre o papel, se insinuam pequenos traços – cabelos?
Ediane comete pequenos atentados poéticos nas subversões de materiais: pintura a barro, escultura de cabelos, colagem em pedra. São burburinhos experimentais pouco pedantes; a narrativa continua sendo dos objetos-mulher.
Um deles, uma escultura-sapato meio bamba, dessas que um dia se perguntaram se chegariam a ser expostas, me soprou uma antiga lenda do folclore europeu. Com moral da história ao fim, do modo que se costuma contar às crianças. Publicada em livro, para que não se possa dizer que ele inventou."

Desutilidades poéticas


A vernissage da exposição Desutilidades Poéticas da artista e poeta Ediane do Monte, que é minha amiga, e que divide o seu tempo entre a Alemanha e o Brasil, ocorrerá no dia 10 de abril de 2007, às 19 h, no Goethe-Institut.

A mostra é composta por diferentes experiências estéticas que se traduzem em quadros e objetos reinventados a partir de materiais diversos, entre os quais fios de cabelo e papel reciclado.

Há um certo caráter conceitual nas propostas da artista. As relações que ela estabelece são enigmáticas e obrigam o expectador a lidar com uma escrita estranha, a lidar com um outro mundo.

Visitação: 11 de abril a 30 de abril 2007.Segunda-sexta das 9 as 18 h.
Entrada franca

Goethe -Institut,Avenida Sete de Setembro 1809-Vitória,4001 Salvador/Bahia-
Tel.(71) 3337-0120
www.goethe.de/bahia -


www.expoart.com.br/edianedomonte


Atenciosamente Produção de Divulgação.
Du Mont Ne Anderer

Contato: Ediane do Monte
Atelier Frida Kahlo II
Tel.:71- 3332-2123 ou 9954 -0282
geishartistica@hotmail.com

20 março 2007

...E haja saco!



Ir ao cinema hoje, já o disse aqui várias vezes, é como se ir ao fast food e se entupir de colesterol e triglicérides. Mas soube, através de um ótimo artigo de Saymon Nascimento (que pode ser lido neste link: http://www.nacoco.com.br/boulevard/cinemanovos.html) que novas salas de cinema se abrirão em Salvador. Tudo, no fundo, não passa de mercadoria. Nesta era globalizada, creio que o cinema, como era visto e amado antigamente, acabou-se, não existe mais. O chamado cinema de arte também virou mercadoria. Há ótimas perspectivas comerciais para o filme de arte (que na verdade não existe) e os empreendedores não perdem tempo. As salas dos cinemas alternativos andam cheias de pseudo-cinéfilos. E haja saco para aguentá-los. Bata-me, falar nisso, correndo, um abacate! Na foto que encima (ou ladeia) o post, eu (after enfarte e pontes de safena) com o cineasta alemão Wim Vanders.

Clint Eastwood no princípio



Artigo escrito especialmente para o site Coisa de Cinema, que recomendo, aos três leitores que tenho, a fazer, virtualmente, uma visita (http://www.coisadecinema.com.br). É sobre Clint, que aprecio desde quando comia spaghetti na Itália. Por sinal, acabei de comprar nas Lojas Americanas, por preço módico, Perseguidor implacável (Dirty Harry, 1971) para ter o prazer de reassisti-lo chez home. O mais é conversa fiada e aporrinhação de intelectuais ignorantes.
Considerando que existem três espécies de realizadores cinematográficos, o autor, o estilista, e o artesão, Clint Eastwood, o diretor do recente (e notável!) Cartas de Iwo Jima, seria o caso de um artesão que aos poucos foi se moldando como um autor de filmes. E um dos mais expressivos e significativos do cinema contemporâneo. Para se detectar um autor, é necessário que o realizador tenha já alguns filmes, a fim de que, na análise comparativa de suas obras, possa se estabelecer as constantes temáticas e estilísticas. Para que se configure como um autor, o cineasta precisa ter uma visão de mundo e uma visão de cinema, isto é, um universo ficcional próprio e uma maneira peculiar de explicitar o seu repertório temático através das imagens em movimento. Autores marcaram a história da arte do filme e, também, provocaram polêmica, principalmente quando da emergência, na França, via Cahiers du Cinema, da Política dos Autores (Politique des Auteurs). São autores de filmes, para ficar apenas em poucos exemplos, Ingmar Bergman, Fellini, Chaplin, Welles, Hitchcock, entre tantos outros, pois realizadores que possuem, nítidas, constantes temáticas e constantes estilísticas.

Já o estilista não possui universo ficcional próprio, mas tem uma maneira muito sua de articular os elementos da linguagem cinematográfica, um estilo particular, uma marca registrada. Não seria Steven Spielberg, por exemplo, um estilista? Ainda que em sua filmografia possam ser notadas preocupações relativas à necessidade do conforto familiar, do retorno à infância, do imaginário construído em torno da célula mater, etc. Mas o que tem a ver Parque dos dinossauros com A lista de Schindler? O que tem a ver Os caçadores da arca perdida com Amistad? Não se colocaria Spielberg no panteão dos autores nem dos artesãos. Estes se caracterizam pela ausência de constantes temáticas e pela inexistência de um estilo, de uma marca. Realizadores sem estilo, os artesãos, no entanto, sabem contar uma história, desenvolver uma narrativa em função da fábula e estão confinados à falta de ambição e propósitos outros que não estejam conectados com o desenvolvimento do roteiro. É verdade que um grande autor pode ser de mais valia para a história da arte do filme do que um grande artesão. Mas o fato de o realizador ser um autor não o credencia a ser melhor do que o artesão. Tudo na vida, como no cinema, é relativo. Muitas vezes, melhor um afiado artesão do que um autor chato, pachorrento, pretensioso, do qual o cinema está cheio pelas bordas.

Mas o objeto deste artigo é Clint Eastwood, caso um pouco raro de artesão que, aos poucos, foi se construindo como autor, e autor, diga-se de passagem, do primeiro time. Clint nasceu numa ladeira da cidade de San Francisco em 31 de maio de 1930. Vai fazer, portanto, 77 anos, já beirando os 80 e ainda em plena forma, ativo, lépido e fagueiro, prestes a iniciar um novo longa metragem. Família pobre, de parcos recursos, a obrigar o menino ao exercício da sobrevivência como entregador de pizzas, faxineiro de armazém, entre outros trabalhos do gênero. Rapaz, perambulava pelas ruas de San Francisco (com suas ladeiras celebrizadas em Bullit, de Peter Yates, ou, mesmo, no delirante Um corpo que cai/Vertigo, do mestre Hitch), a namorar as garotas nos anos dourados dos 50, mas com o pensamento nas telas do cinema. Em 1954, após muito batalhar, consegue participar de um sem número de seriados da Universal, fazendo pontas sem sucesso. Foi preciso esperar uma década para, em 1964, num intervalo do seriado Rawhide receber um convite para trabalhar num filme na Itália. Era Por um punhado de dólares, de Sergio Leone. Com este, participou de mais alguns filmes: Por uns dólares a mais, Três homens em conflito. De volta aos Estados Unidos, teve a sorte de encontrar Don Siegel, cineasta de grande dinamismo, de timing envolvente, que, pode se dizer, ensinou a Clint muitos dos segredos da arte de contar uma história com ritmo, eficiência, economia narrativa. Clint abriu uma produtora, a Malpaso, em 1968, e bancou alguns filmes de Siegel e, enquanto atuava, aprendia, perguntando, olhando, curioso. Perseguidor implacável (Dirty Harry, 1971), de Siegel, pode ser considerado – ao lado de Meu ódio será tua herança/The wild bunch, de Sam Peckinpah, o detonador da violência no cinema contemporâneo. Filme de ação irretocável, que marcou a década de 70, Dirty Harry estabeleceu a figura do policial lacônico interpretado por Clint, Harry Callaghan, que seria continuado em uma série de outros filmes (sem a marca de Siegel, entretanto). O “homem sem nome” dos filmes de Leone encontrara um novo posto na pele de Callaghan. Dirty Harry tem um precursor, que é Meu nome é Coogan (Coogan’s buff, 1968), do mesmo Siegel, com Clint como um policial interiorano que vai a Nova York buscar um criminoso que se evadira. A estruturação psicológica de Coogan é, mutatis mutandis, a mesma de Callaghan.

Ter uma empresa produtora ajudou muito a Clint na sua escalada como diretor. O seu princípio, no entanto, a julgar pelos seus filmes anunciadores da trajetória como cineasta, não oferece sinais do realizador que viria a ser. Em 1971, consegue financiamento para rodar Perversão paixão (Play misty for me), thriller sobre um radialista que se vê perseguido por ouvinte apaixonada, um exercício de suspense sem que se enxergue, nele, nada de extraordinário, mas a rotina comum aos filmes do gênero. Já a segunda tentativa, a de fazer um western fantasmagórico em O estranho sem nome (High plains drifter, 1972), com ele próprio e Verna Bloom, tem um cuidado visual que lembra Leone, e uma dinâmica no estabelecimento da ação que remete a Siegel, além do tema que beira, na tradição do gênero, o sobrenatural. O terceiro empreendimento, Interlúdio de amor (Breezy, 1973), melodrama sobre um homem de meia-idade (William Holden) que se apaixona por jovem (Kay Lenz) faz parecer que Clint, além de híbrido, é prolixo, considerando a salada de gêneros nos filmes dirigidos: um thriller fraquinho, um western com ponta inteligente, e um melodrama com clima seco.

Seria preciso esperar alguns anos para se ver em Clint um cineasta, pois Escalado para morrer (The eiger sanction), ação, cinema em movimento, de 1975, ainda não apresenta nada para surpreender. Josey Wales, o fora-da-lei (The outlaw Josey Wales, 1976), outro western, apesar de passar batido por uma crítica em busca das celebridades já carimbadas, e incapaz, como acontece sempre, salvo as exceções de praxe, de descobrir talentos, é filme interessante e muito acima da média, capaz de fazer ver o nascimento, em The outlaw Josey Wales, de um verdadeiro cineasta (e quem não acreditar pode tirar a dúvida no DVD). Clint trabalha ao lado de sua então esposa Sondra Locke (que depois viria, também, a dirigir, mas filmes insignificantes, à sombra do marido), que também aparece no filme seguinte, Rota suicida (The gauntlet, 1977), thriller de grande força, que, além de proporcionar excelente entretenimento, dá a seu diretor a oportunidade de conjugar ação e ironia, ironia e ação. Os que se seguem são fitas menores, obrigatórias, porém, na missão da sobrevivência: Bronco Billy (1980), Firefox, a raposa de fogo (Firefox, 1982), Impacto fulminante (Sudden impact, 1983), uma aventura de Callaghan dirigida por ele mesmo, que Clint filma para fazer caixa para um projeto mais ambicioso e com menos possibilidade de ser apoiado por um grande estúdio.

Para os que não enxergaram, e não conseguiram ver, que a semente do Clint cineasta estava em Josey Waley, seu filme de partida foi considerado em outro western, sombrio e magnífico, autoral, O cavaleiro solitário (Pale rider), em 1985. Neste, já se mostra que existe uma narrativa que transcende o mero entrecho fabular, fazendo despontar um pensamento que se faz imagem em movimento. Com o gênero em franca decadência, para não dizer desaparecido, a bilheteria lhe foi madrasta, precisando corrigir as burras de sua produtora com produto para consumo rápido: O destemido senhor de guerra (Heartbreak ridge, 1986).


Cartas generosas



O que se segue é uma impressão logo que vi Cartas de Iwo Jima, por assim dizer, no calor da hora. Publicado no vibrante site Nacocó (http://www.nacoco.com.br), porque já com um mês de nascido, é difícil sua localização. Trago-o, no entanto, para meu blog. E, depositando-o, de qualquer forma e de qualquer maneira, ainda que perseguido pela Net, que me tirou o acesso a internet, atualizo um pouco este blog já tão perdido e desatualizado. Já telefonei 64 vezes para a Net, e sempre em sinal ocupado. Falta somente ir ao escritório, que fica muito, muito longe, no Caminho dos Infernos, quer dizer, Caminho das Árvores.


Dizer o que de Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2007), de Clint Eastwood? Visto no dia anterior à escrita desta, ainda estou – coisa rara de acontecer no cinema contemporâneo! – sob o impacto de sua grandeza como obra cinematográfica, que atinge, a meu ver, acentos shakespearianos em alguns momentos como naquele em que os soldados se suicidam com granadas ou na estruturação psicológica do General Tadamichi Kuribayashi, um personagem bem eastwoodiano, por sinal, com retidão ética e determinação (que tem interpretação inexcedível de Ken Watanabe). Dizer, então, que é o maior lançamento de 2007, uma obra de grande humanidade que foge à raia medíocre na qual estão lotados quase todos os filmes atuais? A indústria cultural hollywoodiana, comandada por executivos que nada têm a ver com o cinema, patrocina espetáculos que se apóiam nos efeitos especiais em detrimentos dos personagens, que ficam relegados à condição de títeres, de marionetes, de homens sem alma.

Assim, nos filmes atuais, poucos os cineastas com a estatura humanitária de Clint Eastwood, que, sobre ser um realizador que domina uma narrativa quase muscular, se destina a explicitar, com os elementos da linguagem, apenas o absolutamente necessário, mas sem, com isso, desprezar a magia do espetáculo cinematográfico. Eastwood é um realizador do essencial, mas, discípulo confesso de Sergio Leone, Don Siegel, e Howard Hawks, vê-se, em seus filmes, que utiliza mais as lições dos dois últimos, evitando o espalhafato estético do primeiro (ainda que de grande impacto e que atinge o que os antigos estetas chamavam de maravilhoso). Em Letters from Iwo Jima, cujas filmagens foram feitas imediatamente depois de A conquista da honra (Flags of our fathers), o que inspirou o cineasta foram as cartas deixadas por Kuribayashi, escritas para seus entes queridos enquanto comandava, da desértica e vulcânica ilha japonesa de Iwo Jima (e a rodagem da fita foi feita nela, in loco), a batalha que marcou a participação de seu país na Segunda Guerra Mundial. A glorificação, e a desmistificação dessa glorificação, já tinha sido objeto de Flags of our fathers, e aqui, em Letters from Iwo Jima, Eastwood pensou nos sentimentos japoneses, pois a guerra, desumana, castradora, é uma só. Os americanos, para enfatizar os esforços de guerra, fizeram alguns filmes heróicos sobre o tema, em particular Iwo Jima, o portal da glória (Sands of Iwo Jima), de Allan Dwan, quatro anos depois de findo o conflito, em 1949, com John Wayne.

A fotografia de Tom Stern procura despir o colorido para fazer emergir um matiz cinza, pois uma guerra, como disse Eastwood, não poderia ser filmada em technicolor. Stern sabe trabalhar com a luz e como se esta fosse um cinzel esculpi as sombras e os contornos dos soldados inundados pelo luar. Em alguns momentos, os enquadramentos, ainda que cinzentos, dão a impressão de quadros expressionistas. Este trabalho da luz está de acordo com as solicitações do drama que está sendo contado. Tudo funciona, em Letters from Iwo Jima, como um conjunto harmônico em função da explicitação temática como de hábito em toda obra fílmica que se queira expressiva. A grande maioria dos filmes, no entanto, privilegia a fábula (entendida esta como a trama, o enredo, a história). Clint Eastwood fala da História sem, contudo, ficar preso aos grilhões da história. Neste particular, além da fotografia, há também o uso do som dolby para acentuar o impacto desumano da guerra como elemento de destruição e perda. De qualquer forma, as cenas de batalha, nas trincheiras ou pelos aviões, são filmadas com um rigor extremado para causar impacto.

Baseado nos livros epistolares Picture Letters from Commander in Chief, de Kuribayashi (o general, comandante chefe), e de
Tsuyoko Yoshido (o soldado que era padeiro antes de entrar na guerra, e foi o responsável pela permanência das cartas de seu chefe, quando as enterra para ser descobertas na posteridade), o filme de Clint Eastwood tem um claro objetivo ao mostrar a amargura da vitória em A conquista da honra (lembrando, em certos aspectos, Baionetas caladas/Fixed bayonets, de Samuel Fuller, 1951, com Richard Basehart, Gene Evans). E o toque de humanidade se insinua a partir mesmo das primeiras tomadas, com a chegada de Kuribayashi a Iwo Jima, quando, ainda no avião, recorda-se da sua casa, pedindo desculpas por ter saído sem ter limpado o chão da cozinha. O veio condutor do espetáculo que se vai armando, nas frias trincheiras do combate, tem como leitmotiv as cartas do general e do soldado. Elas, em flash-backs, em seqüências cuja fotografia sai de suas cinzas para adquirir um colorido mais intenso embora discreto, conduzem o espectador a certos fatos pretéritos que podem definir melhor as personalidades dos protagonistas. Como o momento no qual o soldado é surpreendido, no aconchego de seu lar, ao lado de sua mulher, grávida, pelos soldados que vêem convoca-lo para a guerra. Ou na seqüência em que um outro salva um cão da morte anunciada e depois, descoberto, vem a perder a sua graduação, seqüência que lembra o Akira Kurosawa de Dodeskaden ou de tantos outros que realizou com sua particular maneira de ver o homem e as coisas. Acredito, mas fica na mera suposição, que Clint Eastwood, nesta seqüência, tenha querido homenagear o mestre japonês.

Errou quem disse que o conceito de honra dos nipônicos não fora bem compreendido e mostrado por Clint Eastwood em Letters from Iwo Jima. Há, sim, no filme, uma certa demonstração de uma cultura feudal de samurai que ainda se impregnava pelos soldados japoneses. Um dos representantes dessa cultura está no personagem que tenta, por duas vezes, matar o soldado-padeiro, a segunda vez tentando cortar-lhe a cabeça, quando é dominado por Koribayashi. Não é certo dizer, como li em uma crítica ao filme, que este se tornara mais brando e consciente por ter passado um período de estudos nos Estados Unidos. O flash-back rememorativo do jantar em sua homenagem, quando recebe de presente um revólver – signo mais que presente em todo o transcorrer da narrativa – é apenas indicativo e não demonstrativo, indicativo do choque entre personalidades de culturas diversas. Eastwood, como disse bem Inácio Araújo em relação a Cartas de Iwo Jima, não é realizador de chutar cachorro morto.

Nenhum outro filme que concorreu ao Oscar se compara a Cartas de Iwo Jima, que é, desde já, um dos grandes momentos do cinema da década que se iniciou no pálido 2001. Para os descrentes nas possibilidades expressivas do cinema contemporâneo, como este que escreve estas mal traçadas, Cartas de Iwo Jima foi um bálsamo, que o deixou, ainda que a crueldade da guerra, mais feliz com as possibilidades criadoras do cinema nesta que se chama de contemporaneidade. Obrigado Clint Eastwood, muito obrigado!

Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, Estados Unidos, 2006), 2h20. Drama de guerra. Direção de Clint Eastwood. Roteiro de Iris Yamashita e Paul Haggis baseado em obra de Tadamichi Kuribayashi e Tsuyoko Yoshido. Com Ken Watanabe, Tsuyoshi Ihara e Kazunari Ninomiya.

A Conquista da Honra (Flags of Our Fathers, Estados Unidos, 2006), 2h12. Drama de guerra. Roteiro de Paul Haggis e William Broyles Jr. baseado em obra de James Bradley e Ron Powers. Direção de Clint Eastwood. Com Adam Beach, Ryan Phillippe e Jesse Bradford.