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23 outubro 2008

"Der amerikanische freund"

Depois que revi, agora, O amigo americano(Der amerikanische freund, 1977), de Wim Wenders, vejo que este é o seu melhor filme no qual conseguiu estabelecer uma mise-en-scène mais aprimorada. Há, talvez, pelo fator poético, uma certa tendência a se considerar Paris, Texas (1984), ou Asas do desejo (Der himmel über Berlin, 1987), como seus trabalhos mais festejados, porém, no fator posta-em-cena, e, inclusive, com fortes acentos do melhor thriller americano (Hitchcock inclusive), Der amerikanische freund ganha, ainda que aprecie muito seus trabalhos iniciais como Alice nas cidades, Movimento errado e, principalmente, Com o passar do tempo (Im Lauf der Zeit, 1976), Tokyo-Ga, entre outros. Wenders, no entanto, repetiu-se muito depois de Asas do desejo, e há filmes dele que são completamente descartáveis como Até o fim do mundo ou O hotel de um bilhão de dólares. Mas Der amerikanische freud é filme de primeira, filme de grande cineasta mesmo. Na foto ao lado o gigante Samuel Fuller (Paixões que alucinam, O beijo amargo).
Aliás, Der amerikanische freund tem várias participações de realizadores, como o notável Nicholas Ray (o filme de Wenders sobre a sua agonia, quando estava, este grande diretor do cinema americano, a morrer de câncer no pulmão, é muito bom), Peter Lillienthal (companheiro de Wenders do Novo Cinema Alemão), Jean Eustache, entre outros. Lou Castel, que causou sensação em De punhos cerrados, de Marco Bellochio, aparece numa ponta. Der amerikanische freund tem Bruno Ganz, ator excelente (o Hitler do filme sobre a queda do Terceiro Reich, um Hitler perfeito e abusivamente gesticulado), Dennis Hopper (diretor superestimado e que não vai ficar para a história), e a bela Liza Kreuzer, musa da cinematografia germânica.
Um tranquilo cidadão, antigo restaurador que, sob doença incurável, passa a ter uma loja de molduras, interpretado pelo inexcedível Bruno Ganz, recebe proposta de um americano desconhecido (Dennis Hopper): assassinar um mafioso no metrô de Paris. A recompensa pelo serviço é uma boa soma que ele necessita para custear a doença. Mas seu exame é adulterado para um resultado fatídico de que está prester a morrer. A princípio relutante, aceita o trabalho pensando em deixar o dinheiro para a mulher e o filho. Mas as coisas se complicam a partir do convite para um segundo homicídio, que deve acontecer num trem em movimento. Síntese do expressionismo alemão com o film noir americano, Wenders, repito, faz, aqui, a sua obra mestra. Baseado em livro de Patricia Highsmith com o personagem Ripley (O sol por testemunha/Plein soleil, de René Clement, O talentoso Ripley, de Anthony Minguella).
O final tem uma beleza agônica com Bruno Ganz a dirigir o fusca vermelha ao lado da mulher enquanto seu amigo americano (Dennis Hopper) faz explodir uma ambulância. Mas Ganz, portador de leucemia, agoniza na direção do veículo e sobe, com ele, uma estrada inclinada que vai dar no mar. E morre, ao amanhecer, sob o olhar longíquo do amigo. De repente, em Nova York, a imagem de Nicholas Ray, que sai de cena e anda por uma estrada, quando sobem os créditos com um sentido dinâmico da emoção cinematográfica sob o despertar partiturístico de Jürgen Knieper.
Francis Ford Coppola deve ter convidado Wenders para dirigir, em Hollywood, Hammett, depois de ter visto O amigo americano, que é filme que não se deve perder e tem cópia boa em DVD.

22 outubro 2008

Herberto Sales por Tuna Espinheira

Afinal, e não era sem tempo, Cascalho, o longa metragem do velho Tuna Espinheira, vai ser lançado no dia 31 de outubro em bom circuito e em cópia com som Dolby. Antes, porém, uma avant-première para convidados acontece terça que vem, 28, às 21 horas, na Sala 9 do complexo Multiplex Iguatemi. Vi o filme há quatro anos na Sala Walter da Silveira, mas sem o Dolby e numa projeção que ficou a desejar. Agora vou ter a oportunidade de contemplá-lo na sua majestade. Transcrevo aqui um artigo assinado pelo próprio Tuna, que saiu há algum tempo no Suplemento Cultura de A Tarde a respeito de Herberto Sales, o autor do romance homônimo no qual o filme é baseado. Herberto Sales nasceu em 1917 e se foi desta para melhor em 1999. A foto que ilustra este post mostra a então Prefeita de Salvador, Lídice da Matta, a condecorar o escritor e acadêmico, vendo-se, ao fundo, logo à esquerda, com seu indefectível boné, Tuna Espinheira de carne e osso (os óculos escuros estão devidamente pendurados na camisa). Mas vamos deixar de delongas e ver o que ele escreveu sobre Sales:

"Exatamente há dez anos, juntamente com meu saudoso amigo Irving São Paulo, avistei-me, pela derradeira vez, em encontro pessoal, com Herberto Sales. Era uma data emblemática, naquele 21 de setembro ele completaria 80 anos. Já em São Pedro da Aldeia, na paradisíaca Região dos Lagos, á porta da belíssima casa, construída, homeopaticamente, ao longo de mais de uma dezena de anos, nos deparamos com o indefectível aviso: "deixar jornais e revistas do lado de fora." Era estranho para um homem que viveu intensamente os meios da imprensa escrita, principalmente, com fortes ligações com os Diários Associados,com a revista Cruzeiro, tendo sido Diretor da Revista A Cigarra,etc.etc. Para os desavisados, aquela advertência poderia indicar que naquela casa morava um ermitão, um Dom Casmurro, para os que o conheciam, aquilo não tinha a menor importância.Era apenas mais uma das suas legitimas esquisitices, ou simplesmente um "calundú". A bem da verdade ele vivia indignado com o ostracismo dos bons escritores, com os livros esgotados e sem novas edições, enquanto outros, estranhos no ninho, pertencentes a mídia massiva, publicavam e vendiam desbragadamente. Esta dura realidade, refletida em todas as linguagens artísticas, retrata o momento de pobreza cultural em que penamos. Para Herberto esta coisa feria, o fazia triste, deprimido. Adentramos e no misturamos à comemoração que transcorria em ritual de alegria, brindamos várias vezes, embora, já então, problemas ligados com a saúde, já deixava bastante avexado o dono da festa. Sem mexer no humor, na cordialidade, no hedonismo prazeroso de bater um papo.

Minha aproximação com Herberto deu-se por conta e obra do seu romance CASCALHO. Quando de uma das suas passagens pela terrinha, tive a oportunidade de conversar com ele, falei da minha vontade de levar seu romance às telas. Ele topou laconicamente: "faça o roteiro". Dito e feito. Adaptado, roteirizado, e, devidamente, aprovado pelo autor, partimos para o pega-prá-capar, atrás dos meios necessários para realizar a produção. Foram anos para remover a pedra no meio do caminho. Tempo agônico. Herberto já não estava entre nos quando seus personagens se encarnaram em Wilson Mello, Othon Bastos, Gildásio Leite, Lúcio Tranchesi, Irving São Paulo, Arildo Deda, Agnaldo Lopes, Emanuel Cavalcanti, Caco Monteiro, Rosa Espinheira, Jorge Coutinho, Bertho Filho, Julio Gois e povoaram a cidade de Andaraí, na Chapada Diamantina, onde se passa a estória, nos anos trinta.

As filmagens mexeram com o imaginário da população, de um modo geral, acreditava-se que nenhum dos personagens era propriamente de ficção, os mais velhos diziam haver conhecido muitos, outros tantos eram parentes e aderentes. Por aí afora. Para eles Herberto apenas mudara os nomes, as pessoas tinham tido uma existência real e pronto. A empatia foi total, o clima foi de conivência e cumplicidade entre a equipe e a população local, permitindo formar-se um estúdio ao natural. Pedia-se silencio e todos colaboravam, o filme foi rodado, inteiramente, em som-direto, no sistema digital. Duas são as provas deste abençoado relacionamento, a primeira foi o aproveitamento integral das gravações que não tiveram necessidade de dublagens, a outra, um verdadeiro alumbramento: uma das mais alentadas Pousadas que já tinha outro nome escolhido, antes da inauguração, passou a se chamar: Pousada CASCALHO. E lá está, imponente e, sem dúvida alguma, a mais importante homenagem, até então, prestada ao autor do romance pela sua cidade natal.

Conhecer Herberto foi uma passagem enriquecedora na minha estrada, porque não dizer: motivo de orgulho! Afinal não é todo dia que se convive, mesmo por curto tempo, com um escritor que, no meu entender, e de tantos outros, escreveu, pelo menos três obras-primas: CASCALHO, "Dados Biográficos do Finado Marcolino"e "Os Pareceres do Tempo". Com certeza, deixou a marca do Zorro na literatura. O tempo, crítico soberano, sábio dos sábios, já confirmou, assinou e deu fé."

Saudades de Herberto,
Tuna Espinheira (
tunaespinheira@terra.com.br)

21 outubro 2008

Minnellianas



Tenho profunda admiração por Vincente Minnelli. Realizador notável, é perfeito tanto no musical, como nos dramas ásperos ou nas comédias. No primeiro, revolucionou o gênero quando , em início dos anos 40, convidado pelos produtores de Hollywood, largou a Broadway, e realizou, logo de saída, Uma cabine no céu (Cabin in the sky), musical com elenco todo constituído de negros, que se constituiu num espanto para a época (Orson Welles, em meados dos anos 30, montou em Nova York, MacBeth somente com atores afrodescendentes (a expressão é policamente correta, e, como sou totalmente politicamente incorreto, uso-a para não repetir, no texto, negros). Minnelli introduziu o número musical na ação dramática, tornando-o o próprio assunto dos filmes. Agora seremos felizes (Meet me in St. Louis), reconstituição da atmosfera do início do século XX nos Estados Unidos na cidade que dá nome ao título original, é uma obra-prima, uma beleza de filme. O pirata é de uma ousadia cenográfica que ainda causa estupefação, fascínio, admiração. Neste, como naquele, a admirável Judy Garland, que acabou por conquistá-lo, casando-se com o misógino Minnelli. E não daria para ficar, aqui, citando os seus musicais intrigantes e fascinantes, sob pena de o post se estender além das medidas e da pressa daquele que o escreve. Mas o que dizer de A roda da fortuna (The band wagon, 1953), obra que reflete sobre a decadência do filmusical, que, na verdade, se estenderia, no máximo, no seu estilo clássico, até Gigi, do mesmo Minnelli, em 1958. Depois vieram as superproduções do gênero, a exemplo de Amor, sublime amor (West side story, 1961), ,de Robert Wise e Jerome Robbins, que o Telecine Cult passou recentemente na abominável tela cheia, quando o filme é em scope (creio, aliás, que filmado em 70mm), A noviça rebelde (The sound of music, 1965), entre tantos outros.Nos dramas ásperos com acentos melodramáticos altamente estilizados, Minnelli tem Assim estava escrito (The bad and the beautiful, 1953) e Deus sabe quanto amei (Some came running, 1958) como obras fundamentais. Na comédia, para ficar em uma só Papai precisa casar (The Courtship of Eddie's Father, 1963), com Glenn Ford, Stella Stevens, Dina Merrill, Shirley Jones, Ron Howard, além de Teu nome é mulher, Brotinho indócil, entre muitas outras.
Mas ia falar de A cidade dos desiludidos (Two weeks in another town, 1962), com Kirk Douglas, que tem muita afinidade com Assim estava escrito. Mas fica para a próxima.

"PERSONA"



Persona, de Ingmar Bergman, é de 1966, mas aqui nesta província da Bahia somente foi exibido em 1968. O impacto foi imenso, um impacto que não sobrevive nos tempos atuais, ainda que o filme continue a ser uma obra-prima incontestável, que se vê com estupefação. Acontece, porém, que, nos anos 60, época de grande efervescência, havia aquela sensação da descoberta, das novidades que iam aparecendo, como os filmes de Jean-Luc Godard. Depois há uma espécie de estabilização da recepção. Há filmes que modificam o homem caso este esteja aberto à sua contemplação. Outros educam-no, abrindo as janelas de sua percepção.
Bergman, com aqueles planos do projetor, do fotograma a se queimar, da fita que passa pela grifa, a estabelecer o cinema enquanto reflexão do próprio processo de sua criação, deixou gregos e troianos estupefatos, exceção se faça àqueles ignaros de sempre.
Na primeira sessão de Persona houve muitas pessoas que se retiraram do pequeno cinema Popular em Salvador (naquela época todas as sessões ficavam quase lotadas), porque, influenciadas pelo título dado em português, Quando duas mulheres pecam, e pelos cartazes que apresentavam duas mulheres em carícias, pensaram se tratar de uma obra sobre lésbicas a prometer cenas fortes e calientes. Quando viram que Persona não tratava nada disso, os ignaros de toda hora se aborreceram. Conta-se que, na sessão das 20 horas, a mais concorrida, poltronas foram furadas.
Liv Ullmann se dava a conhecer como uma grande atriz no papel de Elizabeth Vogler, a atriz que, interpretando Electra, se recusa a falar e fica muda, e vai com a enfermeira Bibi Andersson para uma ilha deserta a fim de se tratar e acontece, então, entre as duas, um processo de identificação de personalidades. Há um momento em que Andersson conta a outra, pela narrativa oral, como ela foi estuprada. O relato é grande e dá a exata idéia da importância da oralidade em Ingmar Bergman, da palavra em seus filmes. Nesta narrativa, o espectador chega a visualizar os acontecimentos, tal o poder do verbo da atriz e da maneira pela qual ela discorre sobre o fato.
Persona saiu em DVD. É preciso que se veja sempre esta obra-prima. Antes que a recessão, que será intensa, atinja por inteiro o homem ocidental e se venha a ter a vida daqueles pobres personagens dos filmes neo-realistas. É bem provável que nos transformemos em espertos ladrões de bicicletas.

19 outubro 2008

Como nasce o cinema baiano (1)

Quinta passada, dia 16, aconteceu a exibição de uma raridade durante o V Festival Sala de Arte de Cinema: a projeção, em cópia excelente e som perfeito, de A grande feira, filme baiano de Roberto Pires realizado em 1961 e que é um das obras mais emblemáticas do que se convencionou chamar de Ciclo Baiano de Cinema, que se localiza, em Salvador, entre os anos de 1959 e 1964, com uma concentração maior em 1960, 1961 e 1962. Finda a projeção, realizada na sala do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), houve um bate-papo com este bloguista, Petrus Pires (filho de Roberto e que se encontra a restaurar a memória do pai), Braga Neto (produtor de alguns filmes do ciclo), e Paulo Hermida. Antes de A grande feira, o documentário Artesão de sonhos, deste último e Petrus, que focaliza Roberto Pires, como um pioneiro do cinema baiano (é responsável pelo primeiro longa feito na soterópolis: Redenção, 1959), inventor de uma lente anamórfica (como o cinemascope), e um dos maiores artesãos do cinema brasileiro (como bem acentua Orlando Senna em seu depoimento).

Tudo começa com Redenção. Iniciado em 1956, o filme, que vem a ser o primeiro longa baiano, leva três anos para ser concluído e exibido em noite de gala no cinema Guarany, em abril de 1959. (como mostra um trecho do documentário de Petrus e Hermida, com todos os presentes em traje a rigor, como era costume na época). Roberto Pires já tinha feito algumas experimentações amadorísticas em curtas como O calcanhar de Aquiles e Sonho. Seu pai tem uma ótica, a Mozart, e nela Roberto, fascinado com o cinemascope de O manto sagrado (The robe), que vê no mesmo Guarany no qual seria apresentado o seu primeiro longa, resolve investigar, na ótica do pai, para fazer uma lente anamórfica igual à lente do cinemascope. Desde já, além de um pioneiro, um inventor.

Mas Roberto Pires trabalha com alguns amigos (Oscar Santana, entre eles), mas não está vinculado às pessoas que discutem cinema no clube de Walter da Silveira, como Glauber Rocha, Luis Paulino dos Santos (autor de Um dia na rampa), entre outros. É somente a partir da estréia de Redenção que as pessoas começam a se aproximar dele. Porque ficam impressionadas com a concretização de um sonho: a realidade de um filme baiano de longa metragem projetado na tela de um cinema de escol como o Guarany.

Há, nesta época, pessoas que se interessam pelo cinema. Rex Schindler é um deles e se encontra, numa tarde, no escritório de Leão Rosemberg, com Glauber Rocha, então crítico de cinema do Jornal da Bahia, mas que não o conhecia pessoalmente. Este encontro ocasional entre Rex Schindler e Glauber Rocha dá início ao que mais tarde seria chamado de Ciclo Baiano de Cinema. Glauber, que já tem prontos dois curtas, O pátio e Cruz na Praça (desaparecido), não tem experiência prática e chama Roberto Pires para fazer parte do grupo. Schindler e Rocha, a ver o exemplo de Redenção, sonham na viabilidade e exequibilidade de se implantar, na Bahia, uma infra-estrutura cinematográfica. E surge a Escola Bahiana de Cinema, que se estabelece com propostas e um cronograma mais ou menos definitivo. Schindler, associado a outros produtores, produz Barravento, que, incialmente é dirigido por Luis Paulino dos Santos e depois, por força de um golpe (segundo se propaga), a direção é dada a Glauber e o roteiro completamente reescrito em parceira com o esquecido José Telles de Magalhães. Segundo Schindler, Paulino quer uma mudança mística enquanto a idéia de Glauber é no sentido de, como diz o próprio título, uma mudança social.

O fato é que Barravento demora quase três anos para ser lançado, o que ocorre em 1962, depois do lançamento de A grande feira. Glauber leva ao Rio o copião debaixo do braço para ver se Nelson Pereira dos Santos consegue montá-lo.

Estabelecidos os postulados da Escola Bahiana de Cinema, entre os quais a procura de um cinema com raízes na cultura local sem a perda, contudo, do caráter universalista, o projeto se centraliza na criação de uma infra-estrutura capaz de que fossem realizados filmes de forma continuada e sistemática. O lucro de um seria investido no seguinte, e assim por diante. Num esquema de rodízio entre os diretores. Glauber Rocha assume Barravento e, assim, a seguir o cronograma, A grande feira, com argumento de Rex Schindler, é roteirizado e dirigido por Roberto Pires. O próximo, Tocaia no asfalto, tem programado Glauber Rocha na direção, mas este vai ao Rio montar Barravento e já cogita, no sul do país, a produção de Deus e o diabo na terra do sol, que seria realizado em 1963, com recursos oriundos da produtora de Jarbas Barbosa, a Copacabana Filmes. Além do mais, Glauber lança, por esta época, o manifesto do Cinema Novo no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil editado por Reynaldo Jardim.

A Bahia se torna uma Meca do Cinema, como diz o historiador renomado Georges Sadoul no jornal Les Lettres Françaises. E se torna um pólo aglutinador para cineastas do sul que aqui aportam na esperança de explorar o seu décor deslumbrante. Um dos pioneiros nesse sentido é Trigueirinho Neto, que faz Bahia de Todos os Santos, mas com intenções sérias, de análise dos conflitos sociais de uma sociedade. Não pretende Trigueirinho a exploração do décor, mas, ao contrário, a sua desmistificação. Outros, porém, gananciosos, possuem outros propósitos como a busca do exotismo tropical como faz o francês Robert Mazoyer que, baseado num argumento de Jacques Viot, realiza aqui O santo módico, sobre um jovem pescador desiludido que, apaixonado por uma bela mulher, é abandonado por esta que o troca por outro. Em torno da população, uma imagem sacra que parece solucionar problemas de toda ordem. Viot pretende focalizar a superstição de um povo subdesenvolvido que é manejado por forças ocultas. No elenco, atores baianos entre outros estrangeiros e brasileiros: Irene Boriski, Edgard Carvalho, Heitor Dias, Jorge dos Santos, Gessy Gesse, Zezé Macedo, Leny Eversong, Maria Lígia, Oscar Santana, Léa Garcia, Breno Mello, Jurema Penna, José Teles de Magalhães, Lídio Silva, etc. Ruy Guerra funciona como assistente de direção e a iluminação está a cargo de dois profissionais de alta competência: Roger Blanché e Andréas Winding. Com assistência de Hélio Silva. O filme, porém, está desaparecido.

Assim, Glauber não tem condições geográficas de dirigir Tocaia no asfalto, como está planejado, que é entregue a Roberto Pires em 1961, ano do lançamento de A grande feira em Salvador, a alcançar uma bilheteria sem precedentes, superando, inclusive, o grande êxito do cinema mundial: Ben Hur, de William Wyler, com Charlton Heston. Os baianos vão em massa ver A grande feira, lançado, com festa, em duas salas: uma de primeira linha, o Capri, e outra mais popular, o Jandaia.
Por que Rex Schindler não produz Deus e o diabo na terra do sol, a precisar Glauber ir ao Rio buscar recursos? Segundo se conta, porque Schindler, ao invés de patrocinar a obra glauberiana, prefere investir numa co-produção de Portugal e Brasil: A montanha dos sete ecos, todo filmado em Cachoeira, cidade histórica, importante na consolidação do 2 de Julho de 1823, quando se dá, realmente, a completa independência brasileira iniciada em 7 de setembro de 1822 (independência, vírgula, bem entendido, pois apenas a dívida portuguesa com a Inglaterra, a dona do mundo naquele momento, passou para o Brasil). A montanha dos sete ecos, de um tal de Armando de Miranda, chega a ser exibido em algumas capitais. Um filme de aventuras com atores baianos como João Di Sordi, Roberto Ferreira (o Zé Coió, o Zazá de A grande feira), João Gama, Milton Gaúcho, Jota Luna, José Telles de Magalhães (que funciona também como diretor de produção). O principal não é da Bahia: Milton Morais.
A Escola Bahiana de Cinema, que tem Schindler como principal produtor, ao lado de David Singer e Braga Neto, tem, a rigor, os seguintes filmes: Barravento, A grande feira, e Tocaia no asfalto. Outros filmes considerados genuinamente baianos, no entanto, aqui são feitos, como O caipora (1963), de Oscar Santana, produzido por Winston Carvalho, sobre um azarento (Carlos Petrovich), um caipora (como se denomina no interior), que se apaixona pela filha do coronel local (Milton Gaúcho), mas sofre o preconceito e a discriminação da população local. Ainda no elenco, Maria Adélia (em impressionante caracterização), Iva Di Carla, João Di Sordi, Garibaldo Matos (que depois se tornaria juiz de futebol), Leonel Nunes, Jurema Penna, Conceição Senna, Lídio Silva (o beato Sebastião do filme de Glauber), José Telles de Magalhães (este está em todas). A fotografia (em excelente preto e branco) é de Giorgio Attili, montagem de Roberto Pires (amigo de Oscar desde os primórdios) e como diretor de produção um futuro cineasta: Agnaldo Siri Azevedo.

Outro filme genuinamente baiano é Sol sobre a lama (1964), uma produção de João Palma Neto, que, antigo feirante e sindicalista, considera que A grande feira trata superficialmente a questão do drama da feira de Água de Meninos. Decide, então, com dinheiro do próprio bolso, dar uma espécie de resposta a A grande feira. O filme tem roteiro escrito por Miguel Torres (que falece em acidente logo depois), e, para dirigi-lo, Palma chama Alex Viany. O resultado final não agrada ao produtor e a questão acaba na justiça. Há, desse filme, uma versão de Viany, a que passa no lançamento no Guarany, e uma versão de Palma Neto. Sol sobre a lama, na versão do crítico carioca Viany, é muito influenciado pelo cinema japonês pelo qual o cineasta está apaixonado e contraria o sentido de timing querido pelo produtor. Mas se constitui um sucesso, uma produção mais ambiciosa. A fotografia (em deslumbrante colorido) é do consagrado Ruy Santos. Vinicius de Morais coloca a letra no Lamento de Pixinguinha especialmente para este filme, que tem no elenco Othon Bastos, Geraldo D'El Rey, Jurema Penna, Dilma Cunha, Roberto Ferreira, Milton Gaúch, Gessy Gesse (que se tornaria a sexta ou sétima mulher do poetinha), Maria Lígia, Garibaldo Matos, Glauce Rocha, Lídio Silva, Carlos Petrovich, Antonio Pitanga, Doris Monteiro...

Em Feira de Santana, Olney São Paulo deseja filmar a novela Caatinga, do fazendeiro Cyro de Carvalho Leite, e encontra neste o apoio para realizar O grito da terra (1964), canto de cisne do Ciclo Baiano de Cinema. Filme sobre o drama de homens e mulheres que vivem a violência e a fome do sertão agreste, O grito da terra tem, no seu cast, Helena Ignês, João Di Sordi, Eládio de Freitas, Augusta São Paulo, Lídio Silva, Orlando Senna, entre outros. Fotografia de Leonardo Bartucci. E partitura musical do maestro Remo Usai, que faz também a música de A grande feira e Tocaia no asfalto. Aluno de Miklos Rosza, Usai é um partiturista de alto nível que vem a valorizar muito os filmes baianos.

Quem se lembra de O tropeiro, de Aécio F. Andrade, que parece ser oriundo de Vitória da Conquista? Realizado em 1964, conta com Mozart Cintra, Elizabeth Imperial, Carlos Aquino, Jurema Penna (grande atriz baiana da Escola de Teatro de Martim Gonçalves), Mozael Silveira. Vale observar que a direção de arte deste filme vem assinada por Agnaldo Siri Azevedo, que mais tarde é o diretor de produção preferido de Glauber Rocha. E a música do grande Remo Usai. A fotografia de Waldemar Lima, o mesmo iluminador de Deus e o diabo na terra do sol. Filme raro e desaparecido, portanto, que está apenas na memória daqueles que participam de sua elaboração muitos dos quais já mortos. Curioso é constatar que a montagem é de Calazans Neto, artista plástico de renome.

Outra obra cinematográfica que o vento leva é Sob o céu da Bahia, mas não se trata de filme baiano. É uma produção de fora dirigida por Ernesto Remani em 1956, com o ator paulistano Sérgio Hingst, Maria Moreno, Ricardo Campos, Enoque Torres, e com música de outro maestro respeitado: Francisco Mignone. Rodado na praia de Buraquinho (a mesma onde Glauber filma Barravento), Sob o céu da Bahia conta a história de um jovem jangadeiro que deseja abandonar a aldeia por conta da filha de um fazendeiro que domina a região. O amor submisso da filha de um pescador, cobiçada pelo dono de uma barraca de peixes, procura salvar o jangadeiro da vida corrupta da cidade grande. Entretanto, para resolver os problemas de sua aldeia, a jovem decide entregar-se ao furor do dono da barraca. O filme recebe prêmios: Grande Prêmio da Comissão Superior Técnica no Festival de Cannes.. Prêmio Saci, 1959 de Melhor Composição para Mignone, Francisco. Prêmio Governador do Estado de São Paulo, 1959 de Melhor Composição para Mignone, Francisco.

Sobre a diferença entre Escola Bahiana de Cinema e Ciclo Baiano de Cinema, aguardem o próximo capítulo, assim como a vinda de realizadores sulinos para fazer filmes na Bahia, a exemplo de Anselmo Duarte, que filma O pagador de promessas nas escadarias da Igreja do Paço, Nelson Pereira dos Santos, que faz Mandacarú vermelho, porque, indo realizar Vidas secas nas Alagoas, acontece chover torrencialmente, impossibilitando o projeto, e, para não perder a viagem, vem a Bahia e realiza este nordestern meio improvisado que o tem como mocinho. Mas tudo isso mais adiante. Domingo que vem.

Interessante observar que embora alguns filmes baianos atuais tenham recebido prêmios em festivais, a exemplo de Eu me lembro, de Edgard Navarro, Samba Riachão, de Jorge Alfredo, estes filmes são vistos por uma elite e não alcançam o grande público, apesar de estreados em salas dos complexos. A explicação é simples e repetida: atualmente, o povo não vai mais ao cinema como nos idos dos anos 60.

Na imagem, Helena Ignês num momento de A grande feira, de Roberto Pires..